Esteban Volkov (1926-2023)

image_pdf

Por VALERIO ARCARY*

Considerações sobre a vida do neto de Leon Trotsky, recém-falecido.

Em 16 de junho faleceu Esteban Volkov, na cidade do Mexico, aos 96 anos. Foi um dos últimos sobreviventes da odisseia trágica que atingiu Leon Trotsky e, impiedosamente, todos os seus familiares.

O governo liderado por Stalin não podia somente destruir as instituições do regime erguido pela Revolução de outubro, e subverter a tradição política das ideias do bolchevismo: precisava eliminar, fisicamente, as lideranças que, ao lado de Lênin, tinham assumido um papel central na República dos Sovietes. A fúria repressiva não poupava nem sequer as famílias. Esta insanidade criminosa obedecia a um método. O cálculo sinistro era que todos aqueles que tinham capacidade política, autoridade moral e coragem pessoal e, eventualmente, pudessem desafiar Stalin tinham que morrer. E seus familiares, herdeiros dos nomes dos dirigentes condenados, não podiam ser poupados.

Do Comitê Central eleito no VI Congresso 1917 dez dos seus 21 membros tiveram suas mortes provocadas pela repressão stalinista: Zinoviev – Fuzilado em 1936 no 1º Processo de Moscou; Kamenev – Fuzilado em 1936 no marco do 1º Processo de Moscou; Miliutin – Fuzilado em 1937 no 3º processo de Moscou; Rikov – Fuzilado em 1937 no 3º processo de Moscou; Bubnov – Fuzilado em 1937 acusado de espionagem; Bukharin – Fuzilado em 1938 no 3º processo de Moscou; Sokolnikov – Preso em 1939 e assassinado sob tutela do Estado; Krestinski – Fuzilado em 1938 no 3º processo de Moscou; Joffé (suplente) – Suicidou-se em 1927 em protesto contra a burocratização do partido. E o mais temido de todos: Trotsky – Assassinado no México em 1940 por um provocador stalinista infiltrado.

Nascido em Yalta, Ucrania, en 1926, com o nome de Vsevolod Platonovich Volkov, Sieva para a família, Esteban transformou a casa do bairro de Coyoacán, em que seu avô foi assassinado, no Museu Leon Trotsky e contribuiu de forma incansável na defesa de sua memória.

Sua própria vida foi uma saga indissociável da perseguição estalinista que atingiu, implacavelmente, a sua família. Filho de Platon Ivanovich Volkov, militante da oposição de esquerda, e Zinaida Volkova Bronstein, filha do primeiro casamento de Leon Trotsky com Aleksandra Sokolovskaya durante o primeiro exílio/prisão na Sibéria, Zina para a família, Esteban ficou órfão ainda na infância.

Seu pai Platon Ivanovich Volkov foi preso em 1928, exilado na Sibéria, solto e depois de outras prisões foi assassinado em 1936. Zinaida foi autorizada a sair da União Soviética com o filho, então somente com cinco anos, mas teve que deixar para trás a filha do primeiro casamento, para visitar o pai na Ilha do Príncipe (Prinkipo) em frente a Istambul na Turquia em 1931. Trotsky, a filha e o neto perderam a cidadania soviética em 1932. Impedida de voltar para Moscou e reencontrar a filha, Zinaida decidiu ir para Berlim, onde vivia seu meio-irmão Leon Sedov, e cuidar de uma depressão e de uma tuberculose. Em janeiro de 1933, em intensa agonia, deu fim à própria vida, com gás de cozinha.

Sieva ficou sob a proteção de Leon Sedov e, na iminência da ascensão de Hitler ao poder poucas semanas depois, fugiram a tempo. Através de contatos de Leon Trotsky que tinham relação com Wilhem Reich, Sieva foi para um colégio Montessori em Viena. Mas, na medida em que o perigo nazista ameaçava a Áustria, foi unir-se ao tio em Paris. Entretanto, em 1938, Leon Sedov perdeu a vida após uma suspeita operação de apendicite, envenenado por agentes stalinistas.

O cerco contra todos os familiares de Trotsky apertava. A avó Aleksandra, líder da oposição de esquerda em Leningrado, foi presa no campo de trabalhos forçados de Kolyma, e desapareceu em 1937, assim como Alexandra Volkov, irmã de Sieva.

Em 1939, Alfred Rosmer e sua esposa, Marguerite Thevenet, acompanharam Sieva, então com 13 anos, na viagem para o reencontro com Trotsky no México. Em maio de 1940 foi ferido durante o atentado com metralhadoras liderado por Siqueiros contra Trotsky. Finalmente, em agosto de 1940, voltava da escola quando seu avô foi assassinado por Ramon Mercader.

Durante os oitenta nos seguintes dedicou suas melhores forças à defesa da honra e memória de Leon Trotsky. Esteban Volkov nunca foi um militante da Quarta Internacional. Mas foi a alma do Museu que preserva um legado de luta quando, nas palavras de Victor Serge: “foi meia-noite no século”. Esteban foi testemunha e protagonista desta luta que permanece a causa mais elevada do tempo que nos coube viver.

Será lembrado pelos que o conheceram. E pelos virão depois de nós para prosseguir o bom combate.

*Valério Arcary é professor aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
Não aos “intervalos bíblicos”
13 Nov 2025 Por MARCO MONDAINI: O avanço dos projetos de lei confessionais faz soar o alarme contra a perda da separação entre política e religião, ameaçando os fundamentos estruturantes da escola pública, como a cientificidade e a pluralidade
2
O jantar da CONIB
11 Nov 2025 Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: O manto de uma solenidade comunitária pode esconder a farsa perigosa que une o supremacismo de um Estado estrangeiro ao projeto autoritário da extrema direita local
3
O conivente silêncio sobre o agronegócio
11 Nov 2025 Por MIGUEL ENRIQUE STÉDILE: A ostentação de uma riqueza que devasta e empobrece depende, sobretudo, do pacto silencioso que a sustenta e a absolve
4
Outros atos e maneiras de escrever
09 Nov 2025 Por AFRÂNIO CATANI: O ato de escrever é indissociável da vida concreta, da disciplina, das limitações e das ferramentas utilizadas, transformando a experiência em forma, seja ela uma resistência política ou uma cura pessoal
5
Lô Borges
07 Nov 2025 Por TALES AB’SÁBER: Lô Borges ensinou que o sagrado na arte não se revela na repetição vazia, mas no encontro único que atravessa o sujeito e transforma a escuta em uma experiência de vida irreprodutível
6
Álvaro Vieira Pinto
14 Nov 2025 Por GABRIEL LUIZ CAMPOS DALPIAZ & KAUE BARBOSA OLIVEIRA LOPES: O polímata Álvaro Vieira Pinto uniu a dialética platônico-hegeliana e o marxismo para conceber o subdesenvolvimento como um problema a ser superado pela industrialização e a razão científica
7
O agente secreto
15 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: A genialidade do filme está em sua forma desalinhada, que espelha o arbítrio de uma época onde crime e Estado se confundiam numa realidade fantasmagórica e irracional
8
COP 30 – sucesso ou fracasso?
07 Nov 2025 Por LISZT VIEIRAl é capaz de impor uma transição justa à inércia catastrófica do business-as-usual
9
Financeirização e redistribuição da riqueza
17 Nov 2025 Por MARCIO POCHMANN: A financeirização, ao esvaziar a estrutura produtiva, não gera apenas desigualdade, mas um terreno fértil para o retorno trágico do fanatismo religioso e do banditismo social como respostas patológicas a uma massa sobrante sem destino
10
O agente secreto
13 Nov 2025 Por GUILHERME COLOMBARA ROSSATTO: Comentário sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
O que os coaches não te contam sobre o futuro do trabalho
12 Nov 2025 Por CARLOS JULIANO BARROS & LEONARDO SAKAMOTO: Introdução dos autores ao livro recém-lançado
12
Da China, com inveja
14 Nov 2025 Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: O despertar chinês ensina que a verdadeira soberania nasce de um projeto próprio: rejeitar receitas alheias para construir, com pragmatismo e orgulho civilizatório, um palco onde o Estado conduz e os agentes atuam
13
Zohan Mamdani escolhe a tradição de Eugene Debbs
13 Nov 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: A vitória de Zohan Mamdani em Nova York revive a esperança de Richard Rorty em uma "Nova Velha Esquerda", que une as lutas de minorias e trabalhadores na tradição socialista e democrática de Eugene Debbs e Luther King
14
Emendas parlamentares – o sequestro da política
15 Nov 2025 Por SONIA FLEURY, ARNALDO LANZARA, LUCIENE BURLANDY, MÔNICA DE CASTRO MAIA SENNA, FERNANDA PERNASETTI, RODOLFO SCOTELARO PORTO DARRIEUX, LUIZ ANTONIO DA SILVA NEVES, LENAURA DE VASCONCELOS COSTA LOBATO, VIRGÍNIA MARIA DALFIOR FAVA: O orçamento público, sequestrado por um parlamentarismo de pressão, converte o Estado em moeda de troca, esvaziando a política de seu sentido coletivo em favor de um clientelismo sistêmico
15
João Carlos Salles, coragem e serenidade
12 Nov 2025 Por EMILIANO JOSÉ: Coragem e serenidade em meio à procela: a liderança de João Carlos Salles se agigantou no claro-escuro da crise política, transformando-se na voz firme da resistência acadêmica ao regime dos ataques
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES