Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA*
Mais que a ausência de interferência, a liberdade republicana exige a dedicação ativa do cidadão ao bem comum. Ela supera o individualismo liberal ao unir direitos civis com virtude cívica, propondo um projeto de sociedade onde a participação política é dever para além do voto
A liberdade republicana não é nem a “liberdade dos antigos”, nem a “liberdade dos modernos”. Não é a liberdade positiva dos cidadãos do norte da Itália na Renascença – uma liberdade bastante relativa em um mundo em que os direitos civis eram desconhecidos, nem a liberdade negativa dos liberais que permitiram ao Estado garantir os direitos civis.[1] A aristocrática Revolução Americana e a popular Revolução Francesa – ambas foram associados à ascensão do capitalismo, da burguesia, do liberalismo e transformaram o mundo ocidental.
Quentin Skinner (1978), que estudou a liberdade nas repúblicas do norte da Itália, tornou-se um dos analistas fundamentais do republicanismo. Desde o final do século 20, ele defende a distinção entre “liberdade como independência” e “liberdade como não sendo restrita”. Philip Pettit (1997; 2001) segue essa mesma linha.
Para melhor fundamentar sua posição, Skinner acaba de publicar o livro Liberty as Independence (2025). Na introdução do livro, ele oferece seu conceito de “liberdade como independência”:
“Se você é uma pessoa livre, sua liberdade não será necessariamente perdida se forem impostas restrições às suas escolhas. Você pode ser impedido de agir de alguma maneira específica, mas sua posição como pessoa livre não será afetada”.
Esta não é uma definição satisfatória de liberdade. A alternativa liberal, que surge com a ascensão do capitalismo e as duas revoluções mencionadas, faz mais sentido. Liberdade é poder agir como quiser, livre de interferências, desde que sua ação não seja contra a lei. No entanto, esta também não é uma definição satisfatória; é individualista e pouco exigente; nada é exigido do cidadão.
Neste livro de 1978, Skinner frequentemente escreve sobre a liberdade como independência nas repúblicas do norte da Itália. Ele nem sempre é claro, mas na verdade fala sobre a liberdade das cidades-estado, não dos indivíduos. Agora, ao fazer a diferenciação entre liberdade como independência e liberdade como não-interferência, ele coloca no mesmo nível os dois conceitos: um que não garante a liberdade individual, mas supõe a existência de cidadãos preocupados com o interesse público, o outro que garante a liberdade individual, mas não se preocupa com o bem comum.
Em vez disso, podemos desenvolver o conceito de liberdade republicana para o nosso tempo. O cidadão está livre de interferências (seus direitos civis estão garantidos), mas além disso ele é dedicado ao interesse público, ele é capaz de sacrificar seu interesse pessoal em nome do bem comum. Isso só é possível se ele for capaz de construir um Estado definido por um sistema político democrático e participativo, no qual os cidadãos tenham não apenas direitos, mas também obrigações.
Sei que não podemos esperar que todos os cidadãos adotem essa visão, mas a existência de um número razoável de pessoas, principalmente políticos, dotados de tais virtudes cívicas é suficiente para formar um estado republicano no qual a liberdade republicana seja assegurada. Uma sociedade individualista onde as pessoas estão preocupadas apenas com seus interesses privados é uma sociedade doente.
Um cidadão que não luta em defesa das instituições da sua sociedade ao mesmo tempo que procura reformá-las não é um cidadão. O verdadeiro cidadão pode querer transformar a sociedade em que vive, pode participar de uma revolução, mas uma vez vitorioso, ele lutará para garantir os valores gerais da sociedade, como democracia, liberdade, igualdade e solidariedade.
A liberdade republicana existe em uma sociedade em que os cidadãos podem fazer suas escolhas sem interferência, seus melhores cidadãos reconhecem suas obrigações para com seu Estado-nação não se limitando a votar nas eleições, mas defendem de forma ativa e participativa a liberdade alcançada. Hoje, alguns países ricos e pequenos como a Suíça, estão próximos desse ideal.
Acima da liberdade republicana, podemos conceber a liberdade socialista. Na liberdade dos antigos, reconhecia-se o império da lei, não os direitos civis como hoje são entendidos. Já na liberdade liberal, o império da lei e os direitos civis eram assegurados, mas uma igualdade econômica razoável entre os indivíduos era ignorada. Na liberdade republicana, acrescenta-se a igualdade, mas ela não é exigida. Finalmente, no caso da liberdade socialista a igualdade razoável entre as pessoas é parte essencial do conceito.
Temos, portanto, quatro tipos de liberdade situados historicamente. A primeira pertence ao passado, a segunda é a realidade dos países ricos e de alguns países de renda média como o Brasil. A liberdade republicana é o projeto para hoje. Já a liberdade socialista é uma utopia possível, que está no horizonte, mas não sabemos até que ponto está o horizonte.
*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Autor, entre outros livros, de Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Editora FGV). [https://amzn.to/4c1Nadj]
Nota
[1] As duas oposições foram propostas por Benjamin Constant (1814) e Isaiah Berlin (1958).
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