Novas oportunidades de produção

Imagem: Tope A. Asokere
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Por NILTON NUNES TOLEDO*

Um dos nossos pontos fracos é basear o desenvolvimento na produção de produtos que a concorrência internacional pode tomar

O desenvolvimento do nosso país se deu de maneira aleatória e sempre baseada em oportunidades nascidas internamente, tais como a descoberta de um minério, ou a demanda de um produto de importação proibida, como veículos, cuja produção ocorreu nos anos 1960; algumas oportunidades vindas do exterior, como as demandas por café, soja, açúcar, minério de ferro etc.

O que se pode concluir com esses poucos exemplos é que nada disso foi planejado, ou resultado de um plano estratégico com fundamento em estudos de busca da vocação nacional. Ações que oportunamente deram certo, como a industrialização de autopeças, desenvolvimento de computadores digitais, e de outros produtos, hoje já está superada por produtos similares europeus, norte-americanos, chineses, coreanos e outros, pois esses países podem produzi-los com maior facilidade, devido a seus planos institucionais e disponibilidade de recursos financeiros, matando as oportunidades aqui estabelecidas. A liberação de importações destes itens também contribuiu para o desmonte de parte da indústria nacional, com a venda e as privatizações de grandes empresas nacionais, como por exemplo: Metal Leve, Brastemp, Walita, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional.

Pode-se dizer que um dos nossos pontos fracos é basear o desenvolvimento na produção de produtos que a concorrência internacional pode tomar, quando o volume de mercado aqui desenvolvido se mostrar atrativo.

Um planejamento estratégico elaborado, por exemplo, com o método SWAT, mostraria os pontos fracos – como os citados; os pontos fortes, já evidentes para nós – como a agricultura; e as ameaças contidas no sucesso industrial de outros países; e as oportunidades – como as já identificadas pelo sucesso da agricultura, superando concorrentes como os países produtores de soja, milho, algodão, produção de celulose, papel, açúcar e outros.

Hoje já é evidente que a vocação nacional é mineral, agrícola e florestal. O erro está na visão míope de exportar commodities – torna-se urgente o seu processamento, por exemplo, metais já manufaturados; produtos agroindustriais, como óleo vegetal, farelo de soja, sabão, farinha de milho, farinha de mandioca, ração para suínos bovinos, pets, chocolate, vinho, açúcar, álcool, café, carnes; produtos florestais: papel, celulose, madeiras, carvão vegetal, medicamentos a partir da extração das essências da florestas; produtos do petróleo: gasolina, diesel, óleos lubrificantes, parafina, plásticos. Assim, a exportação de commodities deveria ficar limitada a excedentes.

 

Agronegócio

A demanda mundial de alimentos propiciou um desenvolvimento tecnológico da agricultura nacional, que é imbatível no mundo, pois nenhum país pode produzir como nós, duas safras por ano, em alguns casos, até mais, como na área da cultura de frutas no vale do rio São Francisco, em que são colhidas cinco safras de uva, em dois anos. O que nos falta é um plano de otimização em cada setor de produção, com exportação dos produtos gerados na agroindústria, incluindo metas de geração de empregos, redução da desigualdade social e priorização da preservação ambiental. Em suma, planos e legislação propícia – para a geração de maior receita para o país. Nesse campo podemos desenvolver processos de otimização na produção de produtos nobres a partir do desenvolvimento racional do Babaçu, hoje artesanal. Além de outras palmeiras nativas como Vapuruçu.

 

Mineração

Possuímos jazidas de minério dos metais mais desejados no mundo: ferro, alumínio, cobre, estanho, zinco, urânio entre outros; exportamos esses minérios e também os metais correspondentes. Por que não exportar apenas os metais, com a ampliação do nosso parque industrial e seus respectivos empregos, criando assim uma indústria imbatível e reservada apenas para aqueles que têm, além do minério, a energia e o conhecimento?

 

Novas oportunidades

Centro de excelência Não pode esquecer que o potencial humano que forma centros de excelência gerando negócios de grandes oportunidades pode citar a Embraer já considerada melhor do mundo e a Embrapa que levou o país a bater recordes de produtividade na agricultura. Petrobras desenvolveu a exploração de petróleo em águas profundas. Estar atento aos pesquisadores em todas as universidades verificando novas oportunidades.

O carvão vegetal é o redutor químico de melhor qualidade para a obtenção de metais, pois apresenta alta pureza – ao contrário do carvão mineral que, por apresentar elementos como enxofre e outros, contaminam o metal obtido. (O uso do carvão mineral pela siderurgia é o grande poluidor, um vilão nacional). Por esse motivo, destaco a necessidade de carvão vegetal e passarei à descrição de um processo que racionaliza a sua atual produção e que foi desenvolvido por professores da USP.

“As usinas serão projetadas atendendo exigências do contratante, de acordo com suas necessidades: “o tipo de biomassa a ser carvoejada”; as características do carvão a ser obtido: resistência mecânica, porcentagem de carbono fixo”; o tipo de carvão: em pó, ou em pedaços”; “local em que será instalada a usina”; entre outras questões.

Este processo permite a produção de carvão vegetal, a partir de qualquer biomassa, o que não interfere na produção de alimentos. Como possíveis biomassas para essa produção podem destacar o bagaço de cana de açúcar e também plantas naturais do Brasil que atualmente são apenas exploradas a partir de processos artesanais, como o babaçu e outras palmeiras. Para justificar esse destaque, lembramos que o único processo de fabricação altamente poluente no país é a siderurgia, que usa carvão mineral importado. Além da poluição ambiental que esse tipo de carvão produz, ainda acarreta enormes gastos para o país: a balança comercial arca com 674 milhões de dólares ao ano, a preços de hoje que está reduzido a 50% da média no passado recente.

Observe-se que o aço produzido é de segunda qualidade pois contém impurezas, como já citado. O Brasil poderia produzir apenas o aço verde como fazem a Mannesmann e outras indústrias menores – que produzem ferro gusa verde ou seja, ferro obtido a partir do carvão vegetal. Uma das fontes importantes de carvão vegetal é a madeira de eucalipto, o que requer plantações extensivas dessas árvores. Note-se que uma floresta de eucaliptos pode ser implementada em terras ociosas, ou em terras degradadas, ou ainda naquelas que são impróprias para a produção de alimentos, por apresentarem relevo em terrenos não aráveis.

Um importante elemento a ser considerado é a observação de que uma floresta plantada reduz o efeito estufa, pois árvores em crescimento absorvem CO2. Florestas nativas têm valor essencial na preservação do meio ambiente – além da rica diversidade vegetal e animal que abrigam, propiciam as chuvas. No entanto, geram mais gás carbônico do que absorvem, além de gerarem gás metano.

Desse modo, conclui-se que a plantação de florestas é benéfica na preservação ambiental, além da manutenção das nativas.

A Escola Politécnica da USP, no Departamento de Engenharia de Materiais, concluiu a partir de pesquisas, que altos fornos para produção de ferro com o uso de carvão vegetal são economicamente viáveis, se seu projeto for compatível com a resistência mecânica do carvão vegetal, ou seja, com porte menor que os tradicionais: no lugar de um forno de grande porte, podem ser usados, por exemplo, quatro de médio porte, facilitando seu manejo e manutenção.

Pode-se dizer que o uso do carvão vegetal na produção de ferro é a redenção nacional, sob o ponto de vista da preservação ambiental.

 

A produção racional de carvão vegetal

A produção de carvão vegetal no país já é alta 5,722 milhões de toneladas em 2018, embora limitada ao uso de lenha, como matéria prima. Seu consumo é 4,919 milhões na indústria e basicamente o doméstico, prevalecendo o industrial, principalmente na metalurgia, por exemplo, na redução de ferro, cobre, magnésio, ou em processos químicos, como por exemplo, para obtenção de carvão ativado.

A primeira motivação que tive para o estudo da produção de carvão vegetal foi a substituição de petróleo, durante a crise nos anos 1970. Quando o estudo ficou pronto, o petróleo acabava de ter uma grande baixa de preço e o projeto ficou inviável economicamente, para a substituição do petróleo.

A segunda motivação foram razões de ordem ecológica e as relacionadas à qualidade nos processos metalúrgicos.

Posso afirmar que o conhecimento adquirido com esse estudo me levou a conclusões que são de suma importância:

– Carvão vegetal é matéria prima de alta pureza para a indústria, e não deve ser considerado apenas como energético! Para produzir energia, a lenha é melhor que o carvão, tendo sido bastante utilizada nas ferrovias e ainda hoje, na indústria da cerâmica;

– Os processos usados no carvoejamento, no Brasil, são restritos a lenha não se prestando para outras biomassas.

– As perdas de energia com esses processos são enormes – se essas perdas fossem eliminadas, o equivalente em petróleo à energia obtida seria de 33 mil barris de petróleo por dia (caderno técnico do Departamento de Engenharia de Materiais). E isso é fácil entender: com o processo tradicional, para carregar o forno é necessário que ele esteja frio; a seguir, ele deve ser aquecido, para o carvoejamento; após o carvoejamento, ele deve estar novamente frio, para ser descarregado.

– A perda de subprodutos com esses processos também são bastante consideráveis: o carvoejamento gera uma nuvem de fumaça que contém: alcatrão vegetal; gases combustíveis (metano, hidrogênio, monóxido de carbono); bióxido de carbono; metanol; ácido acético. Além do fato dessas emissões serem poluentes, a maior parte do que está sendo desperdiçado tem bom valor comercial, podendo chegar a valer até maior que o carvão produzido.

– O tempo de carvoejamento: os ensaios realizados em nossa pesquisa mostram que, se a fumaça gerada no processo não for extraída antes de encharcar o material a ser carvoejado, o tempo de processamento aumenta significamente. Com a extração dessa fumaça, no protótipo, observamos que a redução do tempo de carvoejamento foi por volta de 90% em relação ao tempo necessário pelos processos atuais: até o sofisticado forno francês Lambiot gasta 60 horas por carga, enquanto, no protótipo, esse tempo se reduziu a 6 horas!

 

Histórico resumido do projeto

Nos anos 1980, elaboramos ensaios com células de carvoejamento que seriam carregadas com guindastes; essa fase foi abandonada quando o petróleo baixou do preço de 50 dólares para 9 dólares por barril, tornando inviável a substituição de petróleo por biomassa.

No ano 2000, a busca de produtos que tinham a capacidade de preservar o ambiente nos motivou a voltar à busca de uma solução ecologicamente correta, não para substituir o petróleo, mas para alimentar processos industriais sem poluir o ambiente e com melhora da qualidade dos produtos obtidos. Assim, criamos o processo aqui proposto, que apresenta alto rendimento e baixo custo, além de prestigiar a mão de obra. Nessa nova fase, montamos vários protótipos, chegando ao de 4 retortas que apresentou o melhor resultado. Simultaneamente, estudamos como plantar, colher e transportar eucaliptos. Ensaiamos a monovia que usa as árvores e vários dispositivos para o transporte da lenha colhida, até o forno.

As torres de separação são instrumentos desenvolvidos nos processos da Química e são facilmente dimensionados pelos engenheiros da área. Na primeira fase da pesquisa, conseguimos obter em protótipos de torres de destilação fracionada produtos com alta qualidade: alcatrão vegetal, metanol, ácido acético com 99,9% de pureza, gases combustíveis: metano, hidrogênio, monóxido de carbono, além de nitrogênio e bióxido de carbono.

A partir de todo esse acervo de conhecimento para a otimização do novo processo de carvoejamento, mostra-se necessária a montagem de uma usina piloto, que nos dará os parâmetros para obter os produtos desejados a partir de cada tipo de biomassa disponível.

Como em qualquer novo processo, faz-se necessário dotar a usina piloto de todo um instrumental de medições de parâmetros, que serão obtidos a partir da fabricação de lotes pilotos. Nesses lotes pilotos, deverão ser usados diferentes tipos de biomassa, o que permitirá conhecer os dados para o projeto das usinas de produção, em que alguns desses instrumentos de medições não serão mais necessários.

A usina piloto objetiva a produção de carvão vegetal de qualquer biomassa e deve ser equipada para treinamento e pesquisa do desempenho dos vários tipos de biomassa.

Esse dimensionamento não inclui a destilação do ácido pirolenhoso e a construção da monovia, uma vez que, conforme acima descrito, a monovia já foi testada e a destilação fracionada são processos clássicos já conhecidos.

A montagem dessa usina piloto permitirá o desenvolvimento de novas ideias para permitir automação da operação e ainda a geração de melhores rendimentos.

O investimento necessário, custo operacional e preços de venda, já estimados, mostram que a operação de volumes acima de 10 toneladas por dia oferece uma operação viável economicamente.

A usina piloto vai permitir a otimização da operação trazendo dados precisos para o dimensionamento do tamanho ideal da usina padrão de produção.

*Nilton Nunes Toledo é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da USP.

 

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