O Diabo na rua no meio do redemoinho

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Por LUIS FERNANDO VITAGLIANO*

Uma análise das sombras do PT no governo Bolsonaro

Acaba de ser publicada a decisão do ministro do STF, Edson Fachin sobre a anulação de todas as condenações do ex-presidente Lula e a transferência dos mesmos da alçada dos processos para Brasília, distante da Lava Jato. Obviamente é uma decisão que tem menos objetivo de reconhecer os direitos políticos do presidente Lula e mais ligada a intensão em preservar a Lava Jato e seus conluios. Também se mantém a possibilidade de acelerar em Brasília outra condenação em segunda instância que impediria novamente de devolver os direitos políticos de Lula.

Mesmo com esse interlúdio das questões políticas, a pandemia que não deixa os noticiários e pega carona na política quando até mesmo a questão da vacinação ganha contornos de debate entre os negacionismos do presidente e as políticas públicas necessárias.

Ainda, é importante lembrar que qualquer decisão precisa ser universalizada e pública. A imunização parcial ou incompleta da população tem efeito prático próximo do zero. Ou temos um processo de imunização geral que evita a propagação e a mutação do vírus, ou não vacinados podem se contagiar e promover variações que afetam inclusive os já vacinados. Essa é uma informação fundamental para  duas conclusões sobre o Brasil de hoje;

Primeiro: internamente não adianta as empresas comprarem vacinas aos seus funcionários sem que toda a população seja vacinada; as vacinas privadas podem de uma certa maneira agilizar o processo e ratear os custos mas elas não são soluções aplicáveis mesmo a quem foi imunizado se houver falhas na imunização coletiva.

Segundo: em termos internacionais o Brasil passa a ser um risco ao combate mundial contra o coronavírus. Por quê? Porque ao atrasarem enormemente o processo de imunização, abre a possibilidade de novas variantes como a de Manaus surgirem e tornarem-se mais resistentes, mais contagiosas e imunes as vacinas e aos processos de tratamento da doença em curso.

Portanto, para além da política interna, a pandemia é um problema geral e mundial. Não há outra saída possível que não seja o tratamento universal. Então aquele pobre brasileiro em situação de rua (que nossas elites convivem facilmente com a desumanização), em favelas, ou em casebres e até nas condições sub humanas que às vezes encontramos, não podem neste momento ser ignorados, ainda que seja pela questão pragmática: porque são elementos hospedeiros de propagação e mutação do vírus.

Diante do cenário de tragédia mundial, Bolsonaro faz questão de olhar apenas ao próprio umbigo. Porém, agora, tornou-se um problema internacional: sem imunização e sem prevenção, o Brasil vira um celeiro do coronavírus ao ponto de ser possível que novas variantes mais contagiosas e resistentes saiam do país e complicarem a situação global.

Internamente, esse quiproquó com Lula mantem Bolsonaro atento ao seu frágil equilíbrio político, que envolve uma refinada equação entre os elementos que o sustentam: a eficaz gestão das redes de direita e o engajamento virtual,  a capacidade de diálogo com evangélicos e o controle miliciano das forças de repressão pública. Aproveitando-se da fragmentação política e da ausência de alternativas factível por parte da direita e provoca a inviabilidade de Lula para atingir o PT. Com isso, Bolsonaro se coloca como uma figura de maior envergadura eleitoral ainda que com a crise sanitária que ele mesmo alimentou.

Sendo o petismo e o bolsonarismo os únicos com base social sólida, dificilmente haverá um intruso nessa polarização. Mesmo com os esforços de Globo e dos veículos de comunicação midiáticos oligopolizados, não há viabilidade de candidaturas como as de Dória, de Huck, de Moro, ou mesmo de Ciro Gomes se tornar incômodas as dois polos E o motivo para isso é bastante simples: a capacidade de diálogo que Bolsonaro tem os eleitores de baixa renda só é superada pena de Lula.

Ou seja, dito de outra forma, está claro a partir da própria manifestação de Fachin no STF que o cenário para 2022 é muito parecido com que se desenhou para as eleições de 2018: PT versus Bolsonaro, com Lula sofrendo desgastes jurídicos.

Não sejamos enganados pelas armadilhas da grande mídia ou das manipulações de setores do judiciário. O fato de Fachin agir em favor da anulação das sentenças não faz com que todas as injustiças no processo de Lula sejam revistas – isso estava acontecendo no processo de suspeição de Moro que a 2ª turma julgava –, mas, ao contrário, abre a chance de que novas injustiças sejam colocadas.

Além disso, pelo menos, duas informações ardilosas estiveram no noticiário dias atrás alimentam falsas esperanças quanto a mudanças de ares das instituições de poder brasileiras. Uma delas é de um empresário do mercado financeiro disse que preferia votar no demônio ao votar em Bolsonaro; referindo obviamente a Lula. Além de ingênuo, é enganoso supor que o mercado financeiro vai rever a sua posição referente ao PT, mesmo tendo Bolsonaro como única alternativa. A segunda informação (que vem do jornal “O Estado de São Paulo”’) mostra que Lula tem um potencial eleitoral maior do que Bolsonaro. Este jornal declaradamente antipetista não está interessado em mostrar fatos e possibilidades para 2022, mas única e exclusivamente pressionar o STF ao dizer nas entrelinhas que se Lula for liberado para ser candidato tem chances de vencer e cada o STF impedir que isso ocorra.

Assim, duas características desta crise política estão claras: Uma é que não há uma solução alternativa a polarização de Lula e Bolsonaro. Se as elites rejeitam os dois, a população já deixou bastante claro que quando existe queda da popularidade de Bolsonaro quem catalisa esse processo é o PT. A outra é que nenhuma das forças em questão é capaz de resolver o impasse político sozinha. Nem as elites, nem Bolsonaro, nem Lula e o PT.

Se o mercado financeiro tem peso em recursos, não tem densidade eleitoral. Quem elege Presidente no Brasil são os pobres. E por mais que os marqueteiros tentem nos convencer do contrário, existe um limite para a manipulação e a capacidade de influenciação das massas. A maior parte dos eleitores que ganha até dois salários mínimos ainda votou no PT em 2018 e deve repetir o voto em 2022; a maior parte dos que ganham entre 2 e 5 salários mínimos ainda prefere Bolsonaro a Moro, a Huck ou a Doria. E, se o capital Faria Limers fosse o suficiente para mudar essa realidade e colocar um dos seus interlocutores entre Bolsonaro e Lula, já o teriam feito.

Mas a consciência social não funciona assim. Há sempre uma relação entre a consciência social e os fatos verificáveis. Muito embora a propaganda possa, em alguns casos, adiar relação direta entre fatos e consciência, a tendência é que sempre as narrativas tenham que se sustentar nos acontecimentos. Intuitivamente Bolsonaro sabe muito bem o que isso significa: sua base social não vai aguentar a prostração financeira com inflação e inseguridade Social. Não é a consciência que determina a vida material, mas a vida material que determina a consciência social.

Com o fracasso da gestão da covid, a falta de vacinas e o adiamento da retomada econômica, a inflação e a queda de renda e de consumo; não são os Faria Limers que sofrem com seus negócios. O golpe da retomada da inflação e os problemas que a crise tem gerado abatem salários e vendas entre os mais pobres. Bolsonaro apostou em saídas para a pandemia que preservavam a economia. Manteve o discurso contrário ao lockdown mesmo sabendo que isso teria um custo alto em relação as vidas humanas. De alguma forma o presidente sabia que se preservasse ou retornasse a economia, manteria a falsa consciência que seu governo luta pelos pobres.

Sobre a segunda das características da crise política atual e aberta com o golpe de 2016– nenhuma força política (nem mesmo os “campos”) têm condições de isoladamente vencer sozinha as eleições. A direita neoliberal aliou-se e deu o governo ao Centrão para derrubar Dilma. Bolsonaro junto se com os lava-jatistas e o mercado financeiro em 2018 para vencer o PT. O dinheiro dos neoliberais não os concede automaticamente um candidato viável. Bolsonaro precisa da anuência dos grandes veículos de comunicação e do e do Judiciário para manter sua estratégia. As esquerdas têm dificuldade de enfrentar as redes de extrema-direita sem que haja uma comunicação de massas que sustente o desmascaramento das fake news. Nesse contexto, se eximir do debate político, pregar anti-política, ou isentar-se favorece a Bolsonaro. De outro lado, agir de forma a demonstrar os danos causados pelo negacionismo científico e as fake news favorece altamente as esquerdas e particularmente ao PT. Mas de fato não há neutralidade possível.

Bolsonaro tem esse cenário claro na sua análise política e desfruta da cômoda posição que o mantém como única alternativa viável ao PT. Mesmo que a certeza de que venceria Lula ou candidato petista no segundo turno esteja perdendo densidade, tem ainda a cartada de  manter a inviabilidade eleitoral do ex-presidente como gordura política para queimar – ao se medir pelas recentes movimentações de Fachin, da Lava Jato e da PRG, vai precisar colocar essa opção em prática.

Assim, se utilizarmos a regra metodológica de Maquiavel, Bolsonaro se enquadra na metáfora da raposa e usa ardilosamente os meandros do poder para se viabilizar: seu cálculo baseia-se na ideia de que vai manter sua comunicação digital baseado nas fake news e no negacionismo e não vai ser enfrentado pelos veículos de comunicação tradicionais, jornais e revistas. Porque, ao polarizar-se contra o PT, as mídias oligopolizadas vão preferir mantê-lo ao ter o petismo de volta. Ele sabe e entende que o cálculo empresarial da Faria Lima e seus associados é que seu governo se trata do mal menor. Com essa estratégia ele já leva seu governo até 2022 e colocar-se de modo estratégico no xadrez político.

Conta feita, só uma variável pode provocar um resultado diferente: a variável internacional.

Divulgado pelo site PROOF no dia 06 de março, há uma denúncia de que Flávio Bolsonaro tenha participado da reunião que organizou a invasão do Capitólio em 05 de janeiro. Isso pode colocar a política externa do Governo Bolsonaro contra a maior parte do establishment político dos Estados Unidos. Mesmo Biden não morrendo de amores pelo PT e tendo outras preferências políticas, é possível que haja na contramão das opções das elites locais e defina que o PT é o mal menor em relação a Bolsonaro.

De outro lado, soma-se a este fato, a preocupação Mundial de que o Brasil estando na contramão dos protocolos de saúde, possa estar prejudicando a superação do mundo em relação ao combate ao coronavírus. Essa visão já é muito clara em termos de gestão ambiental quando se olha para este governo, não é difícil sustentar somadas.

Esses dois pontos originados do cenário internacional podem tornar-se suficientemente fortes para provocar uma revisão interna das posições políticas de parte das elites, permitindo que se deixe de ter anuência com o negacionismo das fake News bolsonaristas e assim enfrentar a máquina de propagação de propaganda bolsonarista nas redes. Resta saber se como poder ser operado a partir do efeito colateral da volta do PT?

*Luis Fernando Vitagliano é mestre em ciência política pela Unicamp.

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