O golpe falhou, mas até quando?

Imagem: Eugene Liashchevskyi
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Por DIJACI DAVID DE OLIVEIRA*

No cenário atual todo e qualquer governo precisa da chamada governabilidade

A invasão do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto ocorrida no dia 8 de janeiro em Brasília se tornou uma marca na história do Brasil. Isto porque demonstra e denuncia a fragilidade de sua democracia.

O evento pareceu atabalhoado, mas pelo contrário foi ordenado e orquestrado para que servisse de estopim para uma nova tentativa de insurreição das Forças Armadas. O que os líderes desses movimentos esperavam? Criar o ambiente para que a cúpula militar usasse o dispositivo do artigo 142 da Constituição Brasileira que afirma que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais” diante de uma “desordem”.

Isso se tornaria mais evidente, claro, se o movimento de invasão repercutisse noutras lugares do país tais como Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina além de outros Estados da base eleitoral do Bolsonaro. Mas ainda não foi o estopim. Isto porque o quebra-quebra repercutiu negativamente e acabou por afastar a ida de outras pessoas para as ruas.

A primeira tentativa evidente foram as ações de obstrução de rodovias em várias partes do Brasil. No mês de novembro de 2022 chegaram a ter mais de 500 pontos em rodovias federais e estaduais. Esse movimento foi seguido da organização de acampamentos em mais de 23 estados em frente aos quarteis do Exército. A partir dessas concentrações se produziram outros episódios tais como a e a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal (PF) no dia da diplomação do presidente eleito (Lula) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 12 de dezembro e a tentativa de explosão de um carro tanque no aeroporto de Brasília na véspera do Natal.

Em todos esses momentos, fica evidente que as lideranças esperavam por uma explosão popular pelas ruas. Esperavam o que aconteceu nas chamadas jornadas de junho de 2013 em que ocorreram levantes populares em mais de 500 cidades do Brasil e todas eles convocados por meio das redes sociais.

É isso que esperam as lideranças bolsonaristas. Não clamam pelo apoio dos eleitores do Lula, apenas dos seus. Foram mais de 58 milhões de votos. Isso seria possível, pois contam com uma potente rede própria de comunicação. Boa parte de seus eleitores estão conectados por uma rede de empresas que lhes fornecem diariamente notícias, vídeos, áudios entre outros documentos de forma a induzir uma leitura completamente favorável ao que defendem.

Mas porque precisam disso? Porque as forças militares se sentem desconfortáveis em dar um golpe clássico, mas sem o respaldo popular (além de que o modelo jurídico e parlamentar utilizado em 2016 não tem como ser posto em prática dessa vez). Também pesa contra o fato de que há uma forte pressão internacional em favor da legalidade e da legitimidade da eleição do Lula, além de que há um grande respaldo intelectual e midiático no Brasil em favor do respeito ao processo democrático.

No caso específico desse evento do dia 8 de janeiro, ficou evidente a omissão do governo do Distrito Federal (governador Ibaneis Rocha Barros Junior), assim como do Comando da Polícia Militar do Distrito Federal, da Polícia Legislativa, e do Batalhão Presidencial. No caso das instituições militares, isso mostrou claramente que elas deixam transparecer que não são favoráveis ao governo eleito.

Lula terá que enfrentar isso. Mas não será fácil. No cenário atual todo e qualquer governo precisa da chamada governabilidade. Isso só é possível com uma coalizão ampla. No caso do governo Lula, isso implica em aceitar inclusive setores que se aproximaram do bolsonarismo. Contudo, precisa desmontar a tendência de golpismo que está incrustada nas agências militares (Gabinete de Segurança Institucional – GSI, Agência Brasileira de Informação – ABIN, Polícia Federal – PF e nas Forças Armadas).

Em seu favor, agora conta com uma ação mais coordenada com o Judiciário que desde o primeiro ano do governo Bolsonaro tem sido ostensivamente atacado. E agora, após a invasão do Congresso, espera-se um apoio maior do Legislativo. Se se mantiver o ostensivo discurso em favor da proteção do Estado Democrático de Direito e a estigmatização dos bolsonaristas como grupos criminosos, Lula terá condições de enfraquecer e controlar qualquer tentativa de ascensão de um governo de militarista e de extrema direita no Brasil.

*Dijaci David de Oliveira é professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG).

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