O império contra-ataca – e os militares brasileiros?

Imagem: Jimme Deknatel
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Por LISZT VIEIRA*

Se por acaso prevalecer a subserviência, e o Brasil entregar as “Terra Raras” com minerais estratégicos para empresas americanas, o presidente Donald Trump provavelmente vai dizer que nunca ouviu falar de Jair Bolsonaro

1.

Os militares brasileiros sempre tiveram relações estreitas com os militares dos EUA, país considerado tradicionalmente como amigo. Aceitaram a submissão aos EUA durante a guerra fria, e apoiaram as dezenas de guerras de intervenção dos EUA em outros países, tudo em nome do combate ao comunismo.

Esses acordos vão desde frequentes exercícios militares conjuntos, como o previsto para novembro próximo na Amazônia, até o acordo militar da Base de Alcântara, no Maranhão, para lançamentos espaciais, além de acordos na indústria de defesa, envolvendo tecnologia militar.

Tudo isso vem do século passado. Mas o Muro de Berlim caiu em 1989, a União Soviética desmoronou em 1991, a Guerra Fria terminou, e muitos militares brasileiros ficaram defendendo uma ideologia anticomunista ultrapassada, continuam vivendo no século XX, não compreendem, ou não querem compreender, as novas relações geopolíticas que surgiram no século XXI.

A ascensão econômica da China, candidata a potência, ameaça a hegemonia unilateral dos EUA e aponta para um mundo multipolar. A multipolaridade vai acarretar o enfraquecimento do poder político e econômicos dos EUA, ameaçando o peso do dólar como moeda universal. Essa transição não se faz sem conflitos e guerras.

Os EUA deixaram de ser uma democracia, tornaram-se hoje um regime de exceção, para dizer o mínimo, com fortes características autocráticas, já que o atual Presidente, com vocação de ditador, controla o Legislativo e parte do Judiciário. Com pose de imperador do mundo, como afirmou Lula, Donald Trump começou a tumultuar as relações comerciais até então reguladas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que se tornou letra morta, e passou a impor sobretaxas em produtos importados pelos EUA, atingindo diversos países como Canadá, México, Japão, Coreia do Sul, Austrália, China, União Europeia etc.

As relações comerciais tornaram-se caóticas, com decisões e recuos de Donald Trump. Sua tática é colocar o elefante na sala, e depois negociar tirando o elefante e deixando um cabrito, que antes não existia. Donald Trump rompeu com compromissos internacionais dos EUA em diversas áreas, como o Acordo de Paris sobre clima, e retirou seu país de organizações internacionais como, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde (OMS).

2.

Em relação ao Brasil, a taxação de 50% dos produtos brasileiros exportados para os EUA veio acompanhada de pressão política para favorecer seu aliado Bolsonaro que, como ele, tentou dar um golpe de Estado. Os bolsonaristas ficaram sem discurso, já que a taxação de Donald Trump prejudica o Brasil como um todo, afetando indústria, comércio, agricultura, empregos etc. Isso deu a Lula a oportunidade de defender a soberania nacional ameaçada por Donald Trump que atacou até o Pix para defender os interesses de empresas americanas.

Senadores democratas acusaram o presidente dos EUA, Donald Trump, de abuso de poder ao impor sobretaxa de 50% a produtos brasileiros para beneficiar Jair Bolsonaro. Na carta enviada à Casa Branca, os parlamentares de oposição expressam preocupação com a ameaça de “uma guerra comercial” que prejudicaria famílias americanas. “Tudo porque o presidente quer corromper um processo judicial estrangeiro para ajudar seu amigo pessoal”, afirmam (O Globo, 25/7/2025).

E os militares brasileiros? O que vão fazer? Vão continuar defendendo seus interesses corporativos, apoiando os EUA e afrontando a soberania nacional e os interesses do Brasil? Ou terão coragem para defender o Brasil e cancelar ou pelo menos adiar os acordos militares em curso?

Segundo notícia da CNN, de 23/7/2025, as Forças Armadas reforçam aliança com EUA ante assédio de China e Rússia. E, ainda segundo a CNN, seria Donald Trump quem proporia sanções militares ao Brasil após operação contra Jair Bolsonaro. E, segundo alguns jornalistas, alguns parlamentares e militares brasileiros apoiam o ataque de Donald Trump contra o Brasil.

Diante disso, caberia ao governo Lula organizar um Encontro de representantes da Indústria, Comércio, Agricultura, Sindicatos para lançar um documento de defesa nacional e apelando para cancelar ou adiar acordos militares, até mesmo como instrumento de negociação.

3.

Se por acaso prevalecer a subserviência, e o Brasil entregar as “Terra Raras” com minerais estratégicos para empresas americanas, o presidente Donald Trump provavelmente vai dizer que nunca ouviu falar de Jair Bolsonaro, uma sobremesa dispensável. Mas seu prato principal é atacar o BRICS que poderia, a médio prazo, enfraquecer o dólar.

A extrema direita mundial encontrou em Donald Trump seu grande líder autocrático, com traços neofascistas, que destrói as instituições democráticas nos EUA, mostrando o caminho a ser seguido.

A antiga ordem internacional foi desmantelada e, num mundo sem regras, predomina as posições de força, sem aparências de democracia e liberdade, confinadas apenas aos discursos retóricos. Cabe relembrar aqui a famosa frase de Antonio Gramsci em seus Cadernos de Cárcere: “O velho mundo agoniza, o novo tarda a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros”.

Já surgiram, liderados pelo criminoso (segundo a Justiça norte-americana) presidente dos EUA, em marcha acelerada para transformar seu país em um regime autocrático neofascista. Diante desse quadro, os militares brasileiros não dispõem de muito tempo para decidir entre a civilização e a barbárie.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]


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