O que a crença na conspiração esconde?

Imagem: Kris Lucas
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Por THAIS KLEIN & ÉRICO ANDRADE*

O que está no centro dos ataques a Bolsonaro e a Trump não é uma armação coordenada de uma internacional fascista, mas a violência como forma de lidar com o diferente

Uma das características da violência é que ela é o poder do árbitro. Poder de decidir sobre a eliminação daquilo que se opõe ao que desejamos, daquilo que ameaça o frágil narcisismo. Nesse sentido, a violência está marcada pela atribuição de poder sobre a vida pela reafirmação da capacidade de lhe destituir.

Talvez, por isso, a violência possa ser um impulso mortífero dirigido ao outro, mas com vistas à afirmação de si mesmo. Afirmação do lugar daquele que é responsável por destinar a violência sem a qual não é possível reconhecer o outro como aquele que é fraco e objeto da violência. A violência afirma o lugar daquele que realiza a violência.

A extrema direita tem na violência o seu modo de operar, se reproduzir e se firmar como uma massa. Isso é notável na apologia das armas e das fantasias de onipotência – os homens que não brocham. Essa construção se ergue como se todas as pessoas fossem invencíveis e imunes à violência que elas mesmas produzem. Como se o pacto da força bruta pudesse retirar do campo qualquer possibilidade de que esta se volte contra quem a fomenta no nível ideológico e na práxis social.

Com efeito, parece que é mais fácil acreditar numa conspiração com a qual a própria extrema direita se alimenta do que na compreensão de que a violência se define pelo seu não controle. Parece que conferimos mais poder ainda à extrema direita quando não consideramos que, apesar do seu discurso de onipotência, eles são tão humanos e vulneráveis como nós todos somos.

Tomar a violência dirigida aos líderes de extrema direita como casos isolados ou tomá-la como uma grande conspiração é seguir de mãos dadas com o discurso de onipotência. É não perceber que promover a violência é também ser atravessado por ela. Sustentar um discurso que prega a violência é fomentar seus efeitos pelo mundo como se a violência não tivesse a participação de agentes intencionais.

A onipotência da extrema direita constrói um discurso que lhe retira de qualquer possibilidade de ser responsável pelos efeitos nefastos de seus atos violentos, na medida em que intenta escamotear a vulnerabilidade que também lhe atinge. É somente na posição de vítima que a extrema direita pode se apropriar do que ela mesmo fomenta, uma vez que é na condição de vítima que ela justifica o uso da força.

A lógica é cindida, produz o equívoco: a vitimização enquanto única forma de figurar a agência da violência acaba por servir de motor para o próprio discurso de ódio que é sempre dirigido ao outro que não compõe o grupo. O paradoxo é que a violência almeja destruir o outro, mas depende do outro para se afirmar enquanto atribuição de poder sobre a vida e reafirmação da capacidade de lhe destituir.

O que está no centro dos ataques a Jair Bolsonaro e a Donald Trump não é uma armação coordenada de uma internacional fascista, mas a constatação de que a violência não pode ser controlada quando ela é a forma propagada para lidar com a diferença. A extrema direita não apenas prova do seu próprio veneno como reforça a certeza de que o discurso de ódio pode produzir mártires e agressores para manter a sociedade refém de quem pretende a destruir.

*Thais Klein é psicanalista e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminens (UFF).

*Érico Andrade é psicanalista e professor de filosofia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Autor do livro Negritude sem identidade (n-1 edições) [https://amzn.to/3SZWiYS].


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