O sionismo odeia negros

Imagem: Pedro Figueras
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Por LEONARDO SACRAMENTO*

Os mesmos deputados e senadores que defendem o direito de grupos neonazistas de dizerem que negros não deveriam existir se opõem ao direito de reação dos palestinos

EUA

Claudine Gay foi nomeada reitora em meados de 2023, antes do genocídio iniciado por Benjamin Netanyahu, Likud e demais partidos supremacistas israelenses, incluindo-se os da “oposição sionista” e os autodeclarados “sionistas de esquerda”. Como era de se esperar, os estudantes das universidades norte-americanas, assim como em quase todo o planeta, engendraram protestos contra a política supremacista e racista do Estado sionista.

Os estudantes defenderam o direito palestino à reação. Na noite de Natal, Israel matou 78 pessoas em um campo de refugiados, fazendo questão de evidenciar que símbolos cristãos também não são bem-vindos ao Estado que não possui Constituição e exige teste genético, com parâmetros não científicos aceitos exclusivamente por Israel,[i] para conceder cidadania a povos e pessoas que se reivindicam judeus.

O direito à reação palestina é óbvio. Quem não quiser penetrar detidamente nos 76 anos de ocupação e eliminação étnica, basta analisar os últimos vinte anos, quando Israel passou a invadir terras e boicotar os Acordos de Oslo com avanço sobre a Cisjordânia e a criação de uma prisão a céu aberto. Entre 2008, 2012, 2014 e 2021, Israel matou oficialmente 120 mil palestinos.

Em 2024, soma-se 25 mil palestinos mortos até o momento. Quem conhece minimamente a história de Israel, pelo menos desde o Nakba, a expulsão de palestinos por nazi-sionistas liderados por Ben-Gurion em 1948, sabe que o plano sempre foi a expulsão e o genocídio dos palestinos para a colonização racial do território. Um genocídio apoiado e financiado pelos ingleses para impor uma frente imperialista no Oriente Médio, depois amplamente assumido pelos EUA. Uma Commonwealth Plus.

Por isso, de fato não há meias palavras. Hamas reagiu aos 120 mil mortos. Pouco importa se é um movimento religioso – até porque Israel se escora em mitos bíblicos para naturalizar o genocídio, o famoso sujo falando do mal lavado. Israel é um Estado teocrático e supremacista sem Constituição cuja cidadania plena, legalmente, se restringe aos judeus. Hamas e demais organizações na Faixa de Gaza são a frente anticolonialista e, no contexto, é o que importa, pois Israel é o agente colonialista, como os brancos sul-africanos.

Sob essa premissa simples, aplicada aos zulus e demais etnias sul-africanas pela esquerda enquanto a direita defendia o governo branco supremacista sul-africano por meio de Ronald Reagan, Margareth Tatcher e Commonwealth, os estudantes e movimentos sociais em defesa da Palestina defendem o direito de reação dos palestinos como direito inalienável dos povos colonizados em busca da autodeterminação.

Logo, a Intifada é um direito político dos palestinos, colonizados e objetos de genocídio pelos sionistas israelenses. Não é uma ironia do destino que os negros sul-africanos, hoje detentores da política institucional sul-africana, tenham feito uma denúncia de genocídio e crime contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional contra Benjamin Netanyahu e Israel. Logo Israel, que colaborou enormemente com o regime de apartheid sul-africano com venda de armas e atuação militar conjunta em Angola e na Namíbia.[ii]

A extrema direita norte-americana, embebida no sionismo cristão e defensora do mito do retorno dos supostos judeus como uma premissa para o regresso do messias, convocou os reitores de Harvard, Pen State e MIT. Nas perguntas realizadas por sionistas cristãos, evidenciou-se que Intifada seria antissemitismo ou genocídio judeu, remetendo-se ao fantasma do Holocausto, evento ocorrido na Europa e aplicado por cristãos.

Abordei em texto anterior[iii] que o sionismo cristão, em conjunto com o sionismo judaico, desvinculou o holocausto e o antissemitismo do continente europeu e da branquitude, transformando os antigos genocidas em lutadores perpétuos do antissemitismo, que agora seria prática específica dos muçulmanos e árabes, os quais não possuem qualquer registro histórico de perseguição sistemática e genocídio aos judeus.

O antissemitismo transformou-se em uma face do identitarismo branco eurocêntrico, instrumentalizando-se em dispositivo de intervenção política e militar no Oriente Médio e no norte da África. E isso é positivo ao sionismo judaico, pois transforma Israel em protetorado da OTAN com enorme autonomia em virtude da simbologia mitológica do sionismo cristão, a ponto de impor pautas ao presidente dos EUA em discursos arrivistas no Congresso.

Os reitores não aceitaram a equivalência entre Intifada e antissemitismo. Desde então, passaram a sofrer pressões para se demitirem. A que mais sofreu pressão foi Claudine Gay, a segunda reitora da história da Havard e a primeira negra. A resposta dela e dos outros reitores pautou-se na 1ª emenda norte-americana, a pedido dos advogados, tão bradada pelos conservadores e neonazistas, que desfilam a suástica e a bandeira dos confederados pelas ruas estadunidenses.

Os mesmos deputados e senadores que defendem o direito de grupos neonazistas de dizerem que negros não deveriam existir se opõem ao direito de reação dos palestinos, pois, no caso, seriam os filisteus que impediriam a formação da Grande Israel, premissa para o retorno do messias. Em suma, proíbem qualquer manifestação pró-Palestina, transformando-a em antissemitismo.

Ela renunciou, sobretudo, diante da ameaça de diminuição de doações à universidade. Em outras palavras, lobby sionista[iv] – caberia um bom debate sobre a “autonomia universitária” com uma instituição tão submetida a “doações privadas” de empresários. Procuraram citações com denúncia de plágio, o que não se configurou – ou seja, a vida dela foi vistoriada em um pente fino. Encontraram paráfrases, algo comum nos textos acadêmicos, tão comum que a universidade pediu apenas correção, algo extremamente comum.

Claudine Gay escreveu uma nota, na qual denuncia racismo, o que, de fato, aconteceu: “Ficou claro que é do interesse de Harvard que eu renuncie para que nossa comunidade possa navegar. […] Em meio a tudo isso, tem sido angustiante ter dúvidas sobre meus compromissos de enfrentar o ódio e defender o rigor acadêmico – dois valores fundamentais que são fundamentais para quem eu sou – e assustador ser submetido a ataques e ameaças pessoais alimentados por uma animosidade racial”.

Brett Stephens, jornalista conservador e reacionário do The New York Times, se apressou a defender que a saída de Claudine Gay era um alento contra “a política de diversidade” que teria destruído a “excelência que vigorava antes”. O friedmaniano foi coerente: Milton Friedman enxergava qualquer política pública, inclusive escolas não segregadas, como medidas antiliberais.

Mais do que o sionismo judaico, o sionismo cristão inventou uma fake news e viralizou por meio de suas redes negacionistas. Por quê? Porque ela é negra, a priori não competente (discurso da meritocracia) e teria se tornado reitora como consequência da “cultura woke”. Obviamente, não houve plágio e a equivalência entre Intifada e antissemitismo é uma espécie de “racismo reverso”. O agente racista é Israel. Algumas dessas redes também defendem que Holocausto não existiu. Diante desse fato, o sionismo judaico prefere tentar enfiar a cabeça no buraco. Mas o sionismo não é um avestruz. É uma ema que corre em direção da cloroquina.

Israel

Israel é fruto de um movimento político europeu. O sionismo atual é síntese do sionismo cristão e do sionismo judaico assimilado, moldado ao eurocentrismo ocidental. Como tal, além do explícito e escancarado racismo contra os árabes, que no ideário sionista deve ser eliminado e substituído etnicamente e racialmente por judeus ashkenazi (brancos europeus), os judeus não oriundos da Europa são objetos da racialização branca e supremacista dos brancos israelenses, hoje ampla maioria. Esse fato é uma característica ontológica do sionismo.

Após o Nakba, a expulsão e o genocídio de palestinos e o roubo de suas terras pelos ashkenazi, judeus oriundos do Oriente Médio e do norte da África foram obrigados a se mudarem para Israel, pois passaram a ser vistos como representantes dos colonialistas. A grandíssima maioria não queria sair de seus países originais, mas a intervenção colonialista e imperialista anglo-saxã remodelou toda a região. É o caso dos judeus mizrahim, que foram demograficamente representativos até meados do século XX, quando o Estado de Israel passou a promover com mais afinco uma política de imigração de judeus ashkenazi após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a anexação imperialista de territórios, uma evidente política de embranquecimento aos moldes da ocorrida no Brasil no século XX.

Tanto é assim que em 1975 a ONU equiparou sionismo a racismo por meio da Resolução 3.379 da Assembleia Geral das Nações Unidas, com voto favorável do Brasil, que, mesmo atrelado aos EUA em virtude da Ditadura Civil-Militar, concordou que o expansionismo e a forma de tratamento dispensado aos árabes comprovavam que sionismo equivaleria a racismo oficial.

A Resolução condenava as seguintes práticas israelenses: “(1) Anexação de partes dos territórios ocupados”; (2) “Estabelecimento de assentamentos neles e a transferência de população estrangeira para eles”; (3) “Destruição e demolição de casas árabes”; (4) “Expropriação e o confisco de propriedades árabes”; (5) “Evacuação, deportação, expulsão, desenraizamento e transferência dos habitantes árabes dos territórios ocupados, e a recusa de seu direito de retorno”; (6) “Prisões em massa, detenções administrativas e maus tratos da população árabe”; (7) “Pilhagem de propriedades arqueológicas e culturais”; (8) Interferência nas liberdades e práticas religiosas, assim como nos direitos e costumes familiares”; (9) “Exploração ilegal das riquezas naturais, recursos e população dos territórios ocupados”.[v]

O sionismo foi textualmente equiparado ao apartheid e ao colonialismo português em Angola e Moçambique. A União Soviética propôs um texto que equiparava o sionismo ao nazismo e ao neonazismo. Cumpre constatar que todos os votos favoráveis a Israel vieram de países europeus, não apenas por conveniência geopolítica, mas por se identificarem com o racismo colonialista praticado. Afinal, como condenar Israel por racismo e neocolonialismo se os países europeus lucraram e lucram com racismo e neocolonialismo? Para além de um apoio protocolar ao braço político e militar do Ocidente no Oriente Médio, há também uma identificação histórica e ontológica.

O que não se tinha em mira até então é que o racismo não se dava exclusivamente contra os árabes, mas contra uma parcela da população que até meados do século XX representava 45% da população israelense, os judeus mizrahim, também conhecidos por judeus orientais. Os mizrahim ficavam nos chamados “campos de transição” em condição de miséria. Os “campos de transição” tinham por objetivo realizar uma espécie de “transição” ao ocidentalismo em oposição à “barbárie” dos orientais indevidamente arabizados – vieram de países árabes.

Seus filhos foram raptados para que não tivessem contato com comportamentos não brancos dos pais.[vi] Foram também usados para serem anteparos a colonizações arriscadas em terras palestinas e posteriormente expulsos pela especulação imobiliária para o avanço dos assentamentos de judeus ashkenazi (europeus e brancos). Por isso, formaram um grupo político de oposição na década de 1970 denominado Panteras Negras.

Pode-se afirmar que o colonialismo sionista envolve a substituição racial e étnica dentro da própria comunidade judaica israelense. Os judeus vistos como arabizados passaram por campos de concentração alcunhados de “campos de transição” para “civilizarem-se”, nos moldes dos aldeamentos cristãos sobre povos indígenas que existiram até o fim do século XIX no estado de São Paulo.

Os judeus vistos como “bárbaros” pelos ashkenazi classificaram todo o processo como uma dominação racial, a ponto de criar um movimento político em homenagem aos Panteras Negras. Ou seja, viam similaridade com a conjuntura norte-americana, em que os brancos anglo-saxões impunham barreiras e instituíam uma política violenta de dominação sobre os trabalhadores negros.

O caso dos judeus beta israel, oriundos da Etiópia, corrobora como o sionismo é uma teoria racial branca e europeia contra todos os povos não brancos, particularmente os negros e os árabes (os enegrecidos da região para o espírito israelo-europeu). Chamados de Felashas pelos judeus ashkenazi, cuja tradução seria “invasor” ou “estrangeiro”, foram para Israel depois da Resolução 3.379/1975, sob uma iniciativa estatal para provar que sionismo não era equivalente a racismo.

Os judeus etíopes, que viviam isolados – provavelmente são muito mais próximos geneticamente e fenotipicamente aos judeus mitificados da diáspora do período romano pelo sionismo –, foram reconhecidos apenas em 1977, 27 anos depois da Lei do Retorno e apenas dois anos da Resolução – que coincidência!. Chegaram em peso apenas na década de 1980 após o aprofundamento da guerra civil etíope por meio de operações militares de Israel para provar (sic!) a inexistência do racismo dos brancos supremacistas israelenses.

Assim como os judeus mizrahim, os etíopes foram para campos de assimilação e de transição, ou campos de concentração. Da mesma forma que as crianças mizrahim, as crianças beta israel foram para escolas específicas para retirar qualquer influência africana ou não ocidental dos pais. Contudo, em 1980 e 1990, havia algumas inovações tecnológicas a serviço dos judeus ashkenazi para o controle dos “bárbaros”. Mulheres beta israel foram esterilizadas com Depro-Provera[vii] e o sangue para doação de todos foram descartados pelo Ministério da Saúde na década de 1990.

Nada mais simbólico do que a busca pela pureza do que esterilização forçada e proibição de doação de sangue de judeus beta israel (negros) para judeus ashkenazi (brancos).[viii] E antes que se diga que são águas passadas, em 2013 o Magen David Adom, o equivalente em Israel à Cruz Vermelha, rejeitou o sangue da deputada Pnina Tamano-Shata. Em cena gravada, a enfermeira explicou à deputada que “segundo as diretrizes do Ministério da Saúde, não era possível aceitar sangue de origem judaica etíope”. Mesmo quase todos chegados na década de 1980 (40 anos atrás) e os mais jovens nascidos em Israel, o Ministério da Saúde israelense explicou em nota que a proibição se dava em função de riscos de “transmissão de HIV”.[ix]

Assim como os judeus orientais, os judeus etíopes são um fardo para os judeus europeus e brancos – ambos formam a parcela empobrecida da população israelense. Na prática, uma instrumentalização para tremular que Israel não seria racista. Daí a política de segregação, esterilização e eliminação. São negros demais para uma Israel branca cercada por árabes “bárbaros”. Negros demais para uma Israel imaginada branca e europeia.

Brasil

No Brasil, o sionismo teve a maior aderência a um projeto de poder fascista nacional. Uma identificação honesta. Imbricou-se com um sionismo cristão radicalizado pelo neopentecostalismo e se engajou enormemente na construção do bolsonarismo e na campanha de Jair Bolsonaro. Escritório de advocacia, hospital e praticamente toda a institucionalidade judaica no Brasil vinculada a Israel engajaram-se com recursos e pessoal no bolsonarismo, com grande protagonismo para a Conib,[x] entidade que hoje persegue críticos ao sionismo.

Jair Bolsonaro agradeceu atrelando o país a Israel, a ponto de comprar ilegalmente um programa de espionagem israelense em uma viagem ridícula cuja justificava foi a aquisição de um spray israelense inexistente contra Covid.[xi] Algo em torno de 30 mil brasileiros foram espionados, todo inimigos do bolsonarismo e de Israel, o qual armazena as informações pessoais em nuvem de empresa sediada em Tel Aviv, uma gravíssima traição nacional do agente duplo Jair Bolsonaro.

O bolsonarismo, por sua vez, se construiu sob a perspectiva da supremacia branca, para a qual o movimento negro deveria ser extirpado. Coerente, Jair Bolsonaro abordou a questão em sua visita de cortesia ao Hebraica-RJ, quando comparou o que há de mais caro ao movimento negro brasileiro, os quilombolas, a gado – seria como comparar bairros judaicos remanescentes na Europa a biotérios de ratos, já que na legislação escravista africanos eram propriedades semoventes arroladas e comparadas monetariamente a gados. Ao fundo do fascista, tremulava uma bandeira de Israel sob o som de aplausos com risos. Também prometeu que não daria um centímetro de terra para demarcação indígena, agudizando a sua voz para deixar bem demarcada a sua disposição com a promessa, também acompanhada por aplausos e gritos.

Anos depois, a institucionalidade judaica no Brasil não abandonou o bolsonarismo, o fascismo e o racismo proselitista neoconservador, como se viu na ação das entidades judaicas com o embaixador israelense em ato ilegal no Congresso Nacional. Jair Bolsonaro foi convidado por Israel. Aliou-se e continua aliada a um projeto fascista e racista que destruiu as políticas de assistência a população negra e procurou dizimar os povos indígenas, como se viu com os Yanomami. Paradoxalmente, iniciou uma campanha, no esteio das organizações israelenses, para tratar crítica ao sionismo como racismo (antissemitismo).

Primeiramente, não existe antissemitismo no Brasil. Aqui, os autodeclarados judeus são brancos, descendentes de europeus que vieram para cá porque havia autorização exclusiva para brancos, conforme Decreto nº 528/1890, que proibia a entrada de “indígenas” da “África e da Ásia”. Após a II Guerra Mundial, Vargas corroborou a perspectiva exclusivista a brancos e proibitiva a negros no Decreto nº 7.967/46, afirmando que os imigrantes deverão atender a “necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia”.

Alguns problemas pontuais aqui e acolá, mas entraram no Brasil porque foram considerados brancos. Os brancos autodeclarados judeus vivem muito bem, obrigado. Podem se autodeclarar o que bem entenderam, mas na racialização brasileira são brancos e sempre serão brancos. A rigor, a população brasileira não se importa com a judeidade de um sujeito que é fenotipicamente branco em uma sociedade na qual o racismo brasileiro é aplicado por brancos contra negros e indígenas. É a brincadeira que Spike Lee faz em Infiltrados na Klan com o investigador judeu vivido por Adam Driver que só se reconhece judeu quando se infiltra como branco e supremacista em uma célula da Ku Klux Klan. Fora dali, é branco porque sempre foi classificado como branco.

Segundo, o bolsonarismo atua contra o movimento negro reforçando a ideia segundo a qual racismo não existe. A institucionalidade judaica, sobretudo a carioca, reproduziu esse discurso e se engajou na campanha e na aproximação entre Benjamin Netanyahu e Jair Bolsonaro. Não apenas emprestou clube e palco. Assim, temos uma direita sionista que nega o racismo contra os negros por meio do bolsonarismo enquanto afirma que existe racismo contra judeus. E isso no Brasil. É um caso sui generis de hipocrisia branca e fascista. Brancos ricos, de classe média, evangélicos, católicos e judeus, residentes no Brasil, consideram-se antirracistas contra o racismo direcionado a… brancos. Há pessoas que falaram e escreveram mais a palavra antissemitismo em um mês do que racismo em toda a sua vida.

Um exemplo é Alexandre Schwartsman, notório representante do mercado financeiro e dos bancos, que se opôs à vinculação um tanto quanto óbvia entre Teto de Gastos e racismo feita por Silvio Almeida. O texto sofrível e até infantil “O Teto e a raça: o que dizem os números” reproduz aquela velha ladainha de deslegitimação de um branco cercado por muros de condomínio: “pegando carona no movimento que justificadamente se formou na esteira do assassinato de George Floyd, em Minneapolis, a última investida contra o controle de gastos públicos no Brasil tenta associar tal política ao racismo”.[xii]

É negros brasileiros… pegando carona no assassinato dos outros… Explico: “Vocês tinham que ter apresentado essa tese para Alexandre, o grande, antes da morte de Floyd. Aí, coitado, a realidade é a sua vida. Ele viu Floyd pela televisão porque não é obrigado a ter contato com vocês em sua vida condominial, e achou que essa discussão surgiu com Floyd. Coloquem-se no lugar dele. Quem não pensaria que vocês não estariam sendo oportunistas com a morte de Floyd?”. Mas e Agatha, Luana e muitos outros mortos por policiais no Brasil antes da publicação de seu brilhante texto, em agosto de 2019? “Entendam, ele só vê canais internacionais. Possui hipermetropia com o que ocorre ao redor porque não tem contato com o som ao redor”.

Interessante em seu argumento é que o movimento criado na esteira do assassinato de Floyd foi “justificadamente”. Por que ele não considera “justificadamente” a reação dos palestinos às balas das Forças Armadas israelenses em crianças desde 2008 é um mistério, resolvido pela hipocrisia e o silêncio. Chuto: ele considera uma guerra justa como uma guerra santa. Chuto que ele considera uma guerra entre “a civilização contra a barbárie”, como expressaram Benjamin Netanyahu e a política israelense contra árabes, judeus orientais e judeus etíopes.

É um friedmaniano, aquele economista norte-americano que se opôs a escolas não segregadas em 1962, no auge da luta pelos direitos civis, porque considerava uma medida antiliberal. O texto da afirmação contém erros e mais erros impressionantes. Ele trata do aumento do orçamento da saúde em 2019. Nesse ano, a saúde perdeu 20 bilhões[xiii] e foi o ano com a menor taxa de investimento nos últimos 50 anos.[xiv] Talvez em um futuro texto possamos nos debruçar nas mediocridades e suas minudências, como a sua defesa abrupta da reforma administrativa para superar o racismo no serviço público (sic!). Que frase: “Houvesse, portanto, preocupação real com políticas que prejudicam a população negra, os ‘progressistas’ deveriam estar na linha de frente pela reforma, mas ainda não tive a chance de vê-los lá”. Que frase, senhoras e senhores!

Sionismo é bolsonarismo e bolsonarismo é sionismo. Bolsonarismo é o sionismo brasileiro contra povos indígenas e população negra. Sionismo é o bolsonarismo israelense contra árabes e judeus orientais e etíopes. Assim percebeu Benjamin Netanyahu ao propor para Jair Bolsonaro um pacto contra denúncias e processos de genocídios e crimes contra a humanidade.[xv] Em comum, a defesa do legado branco e europeu sobre os “não civilizados”, a tomada das terras, o genocídio, a dominação violenta cotidiana baseada na hierarquização racial, a defesa da agenda neoliberal, a radicalização da militarização, o roubo das matérias primas dos povos originários, o proselitismo religioso e a negação do futuro.

Genocídio

Israel matou 1% da população palestina. Se fosse no Brasil, seriam dois milhões de pessoas. O sionismo justifica e naturaliza essa contagem, como fez Bolsonaro na pandemia e com os Yanomami.

*Leonardo Sacramento é professor de educação básica e pedagogo do IFSP. Autor, entre outros livros, de Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo (Alameda).

Notas


[i] Para uma análise de um caso que o estado de Israel realizou testes de DNA, ver https://aterraeredonda.com.br/sionismo-etapa-superior-do-colonialismo-anglo-saxao/.

[ii] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131208_palestinos_israelenses_morte_mandela_gf_an.

[iii] Disponível em https://aterraeredonda.com.br/bolsonarismo-e-sionismo/.

[iv] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ex-alunos-judeus-de-harvard-cobram-acoes-contra-antissemitismo-e-ameacam-retirar-doacoes-a-universidade/.

[v] Citações da apresentação de Walid Rabah na Câmara dos Deputados. https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn/arquivos/arquivos-de-apresentacoes-em-eventos/2015-arquivos-das-apresentacoes/walid-rabah.

[vi] Para informações, ver https://www.bbc.com/portuguese/internacional-40350437 e https://www.rtp.pt/noticias/mundo/israel-a-bracos-com-o-caso-de-milhares-de-bebes-raptados_n973152.

[vii] Disponível em https://www.cartacapital.com.br/mundo/israel-admite-uso-de-contraceptivos-em-imigrantes-judeus-da-etiopia/. Outras fontes: https://revistaforum.com.br/global/2013/2/22/limpeza-etnica-em-israel-6490.html, https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/01/130123_israel_etiopes_gf e https://expresso.pt/internacional/israel-impoe-controlo-da-natalidade-a-judeus-etiopes=f783115.

[viii] Para informações, ver https://atarde.com.br/mundo/judeus-protestam-contra-descarte-de-sangue-em-israel-416265.

[ix] Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2013/12/11/interna_internacional,478406/escandalo-em-israel-envolvendo-doacao-de-sangue-de-deputada-negra.shtml.

[x] Disponível em https://www.diariodocentrodomundo.com.br/presidente-da-conib-que-ataca-lula-frequentava-bolsonaro-num-sentimento-pro-brasil/.

[xi] Para informações sobre a fakenews israelo-bolsonarista, ver https://jornal.usp.br/podcast/fake-news-nao-pod-55-vacina-em-spray-nasal-para-a-covid-nao-e-o-mesmo-produto-criado-em-israel/.

[xii] Disponível em https://www.infomoney.com.br/colunistas/alexandre-schwartsman/o-teto-e-a-raca-o-que-dizem-os-numeros/.

[xiii] Disponível em https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1044-saude-perdeu-r-20-bilhoes-em-2019-por-causa-da-ec-95-2016#:~:text=Somente%20em%202019%2C%20a%20perda,77%25%20da%20arrecada%C3%A7%C3%A3o%20da%20Uni%C3%A3o..

[xiv] Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/07/19/taxa-de-investimentos-e-a-menor-em-mais-de-50-anos-e-fica-mais-dependente-do-setor-privado.ghtml.

[xv] Para uma análise do pacto, ver https://aterraeredonda.com.br/bolsonarismo-e-sionismo/.


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