O terceiro governo Lula – reconstruir os Direitos Humanos

Jack Butler Yeats, Uma rosa entre muitas água, 1952.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JULIAN RODRIGUES*

O neofascismo bolsonarista desconstituiu décadas de conquistas. Um governo democrático-popular precisa ter os Direitos Humanos como núcleo programático

Desmoralizar na sociedade tudo que se refere aos direitos humanos e destruir, uma a uma, o conjunto das políticas de defesa, proteção e promoção desses direitos são eixos do governo de Jair M. Bolsonaro. O neofascismo vem executando uma ofensiva brutal no terreno político-cultural-ideológico – contra as ideias de solidariedade, diversidade, pluralismo e dignidade.

O golpe em progresso sob o qual vivemos, iniciado em 2016, permitiu a transformação do bolsonarismo em principal vetor da dominação burguesa no Brasil. A fusão do neoliberalismo de Paulo Guedes ao autoritarismo de Jair Bolsonaro resultou neste que é o pior e mais regressivo governo da nossa história.

O neofascismo faz incessantemente luta política, ideológica e cultural  – alvejando os direitos das pessoas e  as liberdades democráticas. Discursos de ódio que priorizam o ataque às mulheres, às LGBTI, às pretas, aos indígenas,  aos pobres – e à cultura, à ciência, à educação.

Portanto, a tarefa principal da esquerda, do campo progressista, do  PT e de Lula: enfrentar, desde já, esse tsunami das trevas. Sem medo, tergiversações (ou suposto-equivocado pragmatismo eleitoral). É hora de hastear bandeiras e ir para o embate: reafirmar o que somos, proclamar nosso conjunto de  valores  democráticos, libertários, humanistas, feministas, antifascistas e  antirracistas.

A campanha de Lula contra o ex-capitão não será  uma   corriqueira    disputa eleitoral. Só terá sentido porque  virá a ser  um vendaval social, popular, político, cultural, – mobilizando milhões, empolgando sobretudo a juventude,  colocando  em movimento o  que de melhor há no país (como  fizemos em 1989).

Esse terceiro governo Lula (o presidente sabe disso)  está destinado a ser excepcional. Ou não será. Em primeiro lugar terá de re-constitucionalizar o país. Ou seja, revogar o desmonte que  foi operado nos últimos anos. Logo de saída. Além disso, para atender às expectativas e necessidades da maioria do povo precisará ter ousadia para conseguir fazer muito mais do que  fizemos nos governos anteriores. Não só reconstruir, mas avançar. Muito.

A pauta dos direitos humanos  deve estar  necessariamente localizada no núcleo articulador central do programa. Um vetor de mobilização social e cultural. O terceiro governo Lula desfazerá todas desgraças de Bolsonaro, colocando  o povo em movimento, inovando.

A começar logo  no primeiro dia: haveremos  de   revogar, em uma canetada,  todos decretos, portarias e medidas administrativas de Damares/Bolsonaro. Dissolver os retrocessos infralegais de uma só vez. Lula recriará o  Ministério dos Direitos Humanos,   o Ministério das Mulheres,  da Igualdade Racial, da Cultura – e vai   reestruturar  a Secretaria Nacional da Juventude. Logo nos primeiros dias  de janeiro de 2023 o/a Ministro(a) de DH vai convocar uma gigantesca Conferência Popular de Direitos Humanos, que terá a tarefa de aprovar as linhas mestras do Plano Nacional de DH 4.

Na construção dessas propostas  (em articulação/aliança com universidades, movimentos sociais, lideranças partidárias), há algumas ideias que já contam com razoável acúmulo e precisam  inspirar o programa do PT, de Lula e de todo  campo progressista. Vamos a elas.

O terceiro governo Lula, ousado e participativo, radicalmente popular, se compromete a:

(I) Instituir uma política de  reparação e punição.   Memória, Verdade e Justiça. Processar e punir os responsáveis pelo genocídio (Covid), criar uma política de reparação. Tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices;

1 – Implantar e articular medidas para acabar com o extermínio  em massa de jovens pretos,  focar na redução dos  homicídios – hoje são  45 mil pessoas por ano;

2 – Rever e propor ao Congresso a mudança da arquitetura institucional  da Segurança Pública. Reorganizar, unificar  e desmilitarizar as polícias;

3 – Cessar a guerra às drogas: regular, descriminalizar de fato, promover redução de danos, educação e saúde;

4 – Trabalhar para reverter  o encarceramento em massa de pretos e pobres, a começar pelos milhares de presos provisórios;

5 – Estruturar uma política nacional de educação e cultura de direitos humanos, com propaganda massiva de valores democráticos, pluralistas, enfrentando o neofascismo;

6 – Criar o  Sistema Nacional de Direitos Humanos –    com marco legal aprovado no Congresso,  estrutura federal, estadual e municipal –  uma política federativa, com   definidos e substanciais recursos  orçamentários e  planos organizados;

7 – Desarmar o país, campanha massiva anti-armas,  rever toda legislação bolsonarista, política radical de redução do número de armas, retomar Estatuto do Desarmamento;

8 – Reconstruir todas políticas para as pessoas com deficiência, em todas áreas do governo, ir além do “viver sem limites”, assegurar mais recursos e estrutura;

9 – Recomeçar as ações pró  cidadania  LGBTI; estruturar uma política nacional de defesa e promoção dos direitos da população LGBTI, com recursos garantidos, marco legal, indução de ações, transversalidade; criar o Transcidadania nacional;

10 – Incluir a questão do envelhecimento entre as  prioridades governamentais, enfrentar a violência contra os idosos; colocar de pé uma política articulada de promoção dos direitos integrais, da saúde, da assistência, criar  uma rede pública  que vai garantir o bem-viver  dessa população

11 – Nortear  todas  ações relacionadas às crianças e adolescentes tendo a revalorização do  ECA  como fundamento. Romper com as manipulações conservadores dessa pauta –  criando e fortalendo políticas que de fato protejam crianças e adolescentes de abusos sexuais, do trabalho infantil, da violência,  do abandono,  priorizando   espaços de participação social, como os Conselhos tutelares;

12 – Fortalecer os programas de proteção dos defensores de direitos humanos;

13 – Reconhecer a cidadania plena das pessoas migrantes, através de políticas públicas de acolhida, integração económica, social e cultural-  lutar pelo direito ao voto e garantir espaços de participação; revogar o decreto de Temer que regulamenta a Lei 13445 de 2017 , regulamentar o artigo 120 que institui uma política nacional de migração ampla, participativa e acolhedora.

14 – Reconstruir a  política de saúde mental respeitando  os  direitos humanos,  valorizar a rede de atenção psicossocial, retomar o  investimento nos CAPS; focar no SUS –  voltar às  diretrizes da reforma psiquiátrica,  sem nenhum financiamento às organizações privadas auto-denominadas “comunidades terapêuticas”;

15 – Garantir investimento em todas as políticas de DH; sem recursos  não há políticas públicas; o orçamento  para  o conjunto dos planos  de promoção e defesa dos DH  será  substancialmente ampliado.

Com as escusas da maioria dos leitores não petistas, acrescento uma nota interna, neste final.

O Partido dos Trabalhadores passa nesse segundo semestre por um processo de mobilização e renovação dos seus coletivos, secretarias/setoriais temáticos (Mulheres, Juventude, Combate ao Racismo, Meio Ambiente, Cultura), e claro, Direitos Humanos (entre muitos outros).

Em meados de novembro, depois de discussões e encontros por todo o país, o PT elegerá um novo coletivo e um novo Secretário Nacional de Direitos Humanos. Muito orgulho. Reparem na qualidade dos nomes que estão à disposição do Partido para liderar a Secretaria de DH: Adriano Diogo (ex-deputado estadual paulista, referência na luta por memória verdade e justiça); Marcelo Mascarenhas (ativista social, procurador de justiça no Piauí), Nilmário Miranda (primeiro Ministro DH de Lula, ícone da causa), Pedro Batista (liderança movimento antirracista) e Renato Simões (ex-deputado estadual paulista, autor da primeira lei anti-homofóbica).

Qualquer um deles que venha a ser  eleito, a Secretaria de Direitos Humanos do PT – tenho certeza, estará em  muito boas mãos –   preparada, mobilizada  e motivada para liderar as articulações, debates, formulações, ou seja o conjunto da  campanha dos direitos humanos de Lula, dos nossos governadores, senadores, deputados federais e estaduais.

Reconstruir e avançar na luta por direitos humanos: a esquerda e o PT unidos contra o fascismo.

*Julian Rodrigues é professor, jornalista e ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Paulo Nogueira Batista Jr Luciano Nascimento Antonio Martins Valerio Arcary Ladislau Dowbor Annateresa Fabris Andrés del Río Antônio Sales Rios Neto André Singer Vladimir Safatle José Geraldo Couto Armando Boito Plínio de Arruda Sampaio Jr. Chico Whitaker Luiz Marques Michael Roberts Denilson Cordeiro Marjorie C. Marona Paulo Sérgio Pinheiro Bento Prado Jr. José Costa Júnior Kátia Gerab Baggio Luiz Werneck Vianna Alexandre de Lima Castro Tranjan Andrew Korybko Ricardo Musse Érico Andrade Slavoj Žižek João Paulo Ayub Fonseca Atilio A. Boron Claudio Katz Daniel Costa Henry Burnett Tarso Genro José Dirceu Alysson Leandro Mascaro Julian Rodrigues Leda Maria Paulani Osvaldo Coggiola Sergio Amadeu da Silveira Priscila Figueiredo Ricardo Antunes José Luís Fiori Berenice Bento João Carlos Salles Eliziário Andrade Henri Acselrad Bruno Fabricio Alcebino da Silva Marcos Silva Gabriel Cohn Mariarosaria Fabris Manuel Domingos Neto Ronald León Núñez Flávio Aguiar Luiz Roberto Alves Sandra Bitencourt Anselm Jappe Jorge Luiz Souto Maior Paulo Martins Rafael R. Ioris Paulo Fernandes Silveira Boaventura de Sousa Santos Ari Marcelo Solon Elias Jabbour Bernardo Ricupero Alexandre de Freitas Barbosa Gilberto Maringoni Michel Goulart da Silva Yuri Martins-Fontes Rubens Pinto Lyra Samuel Kilsztajn Salem Nasser Rodrigo de Faria Milton Pinheiro Remy José Fontana Eleonora Albano Manchetômetro Igor Felippe Santos João Adolfo Hansen Jean Marc Von Der Weid Afrânio Catani Renato Dagnino Caio Bugiato Vinício Carrilho Martinez Luiz Carlos Bresser-Pereira Francisco de Oliveira Barros Júnior Gerson Almeida Fernando Nogueira da Costa Gilberto Lopes Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Otaviano Helene Michael Löwy Lorenzo Vitral Lucas Fiaschetti Estevez Chico Alencar José Machado Moita Neto Leonardo Boff Marilia Pacheco Fiorillo Eugênio Bucci João Feres Júnior Carlos Tautz Luiz Eduardo Soares José Micaelson Lacerda Morais Bruno Machado Luiz Renato Martins Ronaldo Tadeu de Souza André Márcio Neves Soares Juarez Guimarães Carla Teixeira Marilena Chauí Maria Rita Kehl Airton Paschoa Alexandre Aragão de Albuquerque Valerio Arcary Flávio R. Kothe Eugênio Trivinho Dennis Oliveira Everaldo de Oliveira Andrade Liszt Vieira Celso Frederico Eleutério F. S. Prado Antonino Infranca Walnice Nogueira Galvão Dênis de Moraes Celso Favaretto Eduardo Borges Vanderlei Tenório Marcelo Guimarães Lima Leonardo Sacramento José Raimundo Trindade Francisco Fernandes Ladeira Heraldo Campos Thomas Piketty Ricardo Abramovay Tales Ab'Sáber Paulo Capel Narvai Jean Pierre Chauvin Mário Maestri Fábio Konder Comparato Ronald Rocha Benicio Viero Schmidt Luis Felipe Miguel João Lanari Bo João Carlos Loebens Marcelo Módolo Ricardo Fabbrini Marcus Ianoni Tadeu Valadares Lincoln Secco Daniel Brazil Daniel Afonso da Silva Leonardo Avritzer Francisco Pereira de Farias Fernão Pessoa Ramos Matheus Silveira de Souza João Sette Whitaker Ferreira Marcos Aurélio da Silva Jorge Branco Luís Fernando Vitagliano Luiz Bernardo Pericás

NOVAS PUBLICAÇÕES