O triste fim da operação Lava Jato

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por RAFAEL VALIM*

Tudo foi estrategicamente urdido para alcançar propósitos políticos e pessoais

O enredo era previsível. Os atores, sofríveis. Mesmo assim, multidões afluíam ao teatro e não só aplaudiam aquele espetáculo insólito, como hostilizavam duramente quem o criticava. Nada podia atrapalhar aquele momento apoteótico.

Após anos de intensa exibição, o teatro da Operação Lava Jato se aproxima de um fim melancólico. A título de “combater” a corrupção, resultou no maior escândalo do Sistema de Justiça brasileiro.

Revelações recentes de mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram entre membros do Ministério Público e o então juiz Sergio Moro dão conta de uma profusão de ilegalidades cometidas contra inúmeros acusados, entre os quais se coloca o ex-Presidente Lula. Combinação de atos processuais entre acusação e juiz, orientações do juiz à acusação, utilização de prisões cautelares como meio de tortura para obtenção de delações premiadas, monitoramento de advogados, quebras ilegais de sigilo fiscal, desrespeito às regras de competência jurisdicional, tratativas com agentes públicos estrangeiros à margem dos canais oficiais, articulação de atos processuais com a imprensa, incluindo vazamentos ilegais de informações, são alguns dos exemplos que podemos assinalar.

A qualquer observador razoável tais revelações não soam propriamente como uma novidade, mas é preciso reconhecer que os pormenores das conversas entre os membros da Operação Lava Jato impressionam pela absoluta desconsideração aos mais comezinhos princípios que informam um Estado de Direito. Tudo era estrategicamente urdido para alcançar propósitos políticos e pessoais. Os papéis de investigador, acusador, julgador se fundiam em um autoritarismo de punhos de renda perigosíssimo, camuflado no hermetismo da linguagem jurídica.

Alguns dos resultados da Operação Lava Jato já são amplamente conhecidos. Profundo abalo da economia nacional, notadamente do mercado de infraestrutura, destituição de uma Presidente da República sem a ocorrência de crime de responsabilidade e a ascensão de um líder populista à chefia do Poder Executivo.

Descortina-se, porém, outra grave consequência da Operação, qual seja, um retrocesso nas estruturas que efetivamente ajudam a enfrentar a corrupção no Brasil. Basta mencionar os sucessivos ataques à lei de acesso à informação pública nos últimos anos. Ironicamente, portanto, os “heróis” do combate à corrupção podem vir a se tornar os heróis dos corruptos.

Agora todas as atenções estão voltadas para o Supremo Tribunal Federal. Sobram elementos para a anulação de diversos processos da Operação Lava Jato, mas já ecoa a preocupação com a histórica imagem de que os poderosos sempre se livram das garras da Justiça.

É certo que o desmoronamento da Operação Lava Jato frustra expectativas legítimas de todos os brasileiros de viver em um país sério, íntegro, livre da chaga da corrupção. O Estado de Direito, porém, não admite atalhos. A Operação Lava Jato sucumbirá por seus próprios erros e assim deve ser, para que não tenhamos mais aventuras da mesma natureza.

*Rafael Valim, advogado, é doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP, onde lecionou de 2015 a 2018. Autor, entre outros livros, de Lawfare: uma introdução (com Cristiano Zanin e Valeska Zanin Martins) (Editora Contracorrente).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eleonora Albano Paulo Fernandes Silveira Bernardo Ricupero Marcus Ianoni Jean Marc Von Der Weid Dennis Oliveira Daniel Costa João Paulo Ayub Fonseca Paulo Martins Plínio de Arruda Sampaio Jr. Leonardo Boff Renato Dagnino João Lanari Bo Paulo Capel Narvai Manchetômetro Samuel Kilsztajn Paulo Nogueira Batista Jr Luiz Roberto Alves Alexandre de Lima Castro Tranjan Maria Rita Kehl Igor Felippe Santos Rafael R. Ioris Benicio Viero Schmidt Julian Rodrigues Flávio Aguiar Yuri Martins-Fontes João Adolfo Hansen Daniel Afonso da Silva Jean Pierre Chauvin Francisco de Oliveira Barros Júnior Chico Whitaker Flávio R. Kothe Fernando Nogueira da Costa Gabriel Cohn André Singer Vladimir Safatle José Geraldo Couto José Micaelson Lacerda Morais Osvaldo Coggiola Sergio Amadeu da Silveira Daniel Brazil Alexandre de Freitas Barbosa Bruno Fabricio Alcebino da Silva Gerson Almeida Caio Bugiato Francisco Fernandes Ladeira Marilena Chauí João Carlos Salles Ricardo Musse Fábio Konder Comparato Alysson Leandro Mascaro Vanderlei Tenório Henri Acselrad Ladislau Dowbor João Sette Whitaker Ferreira Antonino Infranca José Raimundo Trindade Ricardo Fabbrini Ronald León Núñez Kátia Gerab Baggio Elias Jabbour Eliziário Andrade Henry Burnett Andrés del Río Anselm Jappe Jorge Branco André Márcio Neves Soares Marjorie C. Marona Dênis de Moraes João Carlos Loebens Francisco Pereira de Farias Everaldo de Oliveira Andrade Luiz Bernardo Pericás Alexandre Aragão de Albuquerque Antonio Martins Marcos Aurélio da Silva Liszt Vieira Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Antônio Sales Rios Neto Tales Ab'Sáber Luiz Renato Martins Celso Favaretto Remy José Fontana Paulo Sérgio Pinheiro Leonardo Avritzer Valerio Arcary Denilson Cordeiro Marilia Pacheco Fiorillo Salem Nasser Jorge Luiz Souto Maior Ronaldo Tadeu de Souza Tarso Genro Luís Fernando Vitagliano Celso Frederico Annateresa Fabris Luis Felipe Miguel Michael Löwy Manuel Domingos Neto Heraldo Campos Carla Teixeira Luiz Carlos Bresser-Pereira Afrânio Catani Airton Paschoa Sandra Bitencourt Ari Marcelo Solon João Feres Júnior Ronald Rocha José Luís Fiori Armando Boito Carlos Tautz Juarez Guimarães Leda Maria Paulani Slavoj Žižek Matheus Silveira de Souza Luciano Nascimento Luiz Eduardo Soares Priscila Figueiredo Otaviano Helene Tadeu Valadares Gilberto Lopes Rubens Pinto Lyra Eugênio Bucci Boaventura de Sousa Santos Berenice Bento Walnice Nogueira Galvão Mariarosaria Fabris Lorenzo Vitral Chico Alencar Marcelo Módolo Lincoln Secco Luiz Werneck Vianna Rodrigo de Faria Érico Andrade Lucas Fiaschetti Estevez Marcos Silva José Machado Moita Neto Bruno Machado Milton Pinheiro Claudio Katz Marcelo Guimarães Lima Eugênio Trivinho Ricardo Abramovay Luiz Marques Mário Maestri Andrew Korybko Gilberto Maringoni Ricardo Antunes Michel Goulart da Silva Vinício Carrilho Martinez Eleutério F. S. Prado Eduardo Borges Atilio A. Boron Fernão Pessoa Ramos José Costa Júnior Michael Roberts Valerio Arcary Bento Prado Jr. José Dirceu Leonardo Sacramento Thomas Piketty

NOVAS PUBLICAÇÕES