Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Nas revoluções socialistas, no século XX, a participação popular foi intensa, com operários, camponeses e soldados desempenhando papéis centrais nas revoluções
1.
O Manifesto Comunista foi elaborado por Karl Marx e Friedrich Engels e publicado pela primeira vez em 21 de fevereiro de 1848. O contexto no qual foi escrito é crucial para entender sua mensagem e impacto.
As Revoluções de 1848 ficaram conhecidas em conjunto como a Primavera dos Povos por ter contado com participação popular de trabalhadores urbanos. Nas principais cidades europeias, trabalhadores participaram de levantes e manifestações. Em várias regiões rurais, os camponeses se revoltaram contra as condições de vida e trabalho impostas pelas estruturas feudais.
O contexto histórico, social e econômico influenciou a elaboração do manifesto marxista. A Revolução Industrial, surgida na Grã-Bretanha no fim do século XVIII, havia se espalhado para a Europa e estava transformando a economia e a sociedade. As fábricas estavam surgindo, e novas tecnologias estavam mudando a produção e o trabalho.
A industrialização trouxe consigo condições de trabalho extremamente precárias para os trabalhadores. Longas horas, salários baixos, trabalho infantil e condições insalubres eram comuns.
A rápida industrialização criou uma classe trabalhadora urbana, conhecida como o proletariado – só possuidor de prole, isto é, filhos. Estes trabalhadores industriais viviam em condições miseráveis e tinham pouco poder ou direitos.
Marx e Engels observaram os trabalhadores estarem sendo superexplorados pelos capitalistas. Acumulavam riqueza à custa da força de trabalho do proletariado, alienados diante os produtos de seus trabalhos.
A Europa estava passando por uma série de agitações sociais e políticas. Havia um crescente descontentamento entre as classes trabalhadoras e camponesas, bem como entre os burgueses em busca de mais poder político diante das nobrezas com propósito de restauração do poder monárquico.
As tensões culminaram nas Revoluções de 1848, também conhecidas como a Primavera dos Povos, em várias regiões da Europa. Essas revoluções buscavam mudanças políticas, sociais e econômicas, e embora muitas tenham sido suprimidas, elas demonstraram o desejo generalizado por reforma.
O contexto intelectual é importante de ser considerado para verificar as influências filosóficas, por exemplo, do hegelianismo. Marx foi influenciado pela filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, especialmente sua dialética, adaptado por ele para desenvolver sua teoria do materialismo histórico.
Em economia política, Marx e Engels contribuíram com a crítica à economia clássica de Adam Smith, David Ricardo e outros. Argumentaram ela não ser capaz de explicar as relações de exploração intrínsecas ao capitalismo.
Havia uma variedade de movimentos socialistas e comunistas na Europa, muitos dos quais influenciaram Marx e Engels. Eles estavam em contato com outros teóricos socialistas e participavam ativamente de debates e organizações em busca de transformar a sociedade.
Foram incumbidos pela Liga dos Comunistas, uma organização socialista internacional, de elaborar um manifesto de modo a explicar seus objetivos e ideais. A Liga, anteriormente era conhecida como Liga dos Justos, buscava uma sociedade sem classes, baseada na propriedade comum dos meios de produção.
A publicação inicial do Manifesto Comunista foi em Londres, pouco antes das Revoluções de 1848, e rapidamente se espalhou por toda a Europa e além. O manifesto é uma análise crítica do capitalismo e uma convocação à ação para a classe trabalhadora. Defende a abolição da propriedade privada dos meios de produção, a criação de uma sociedade sem classes e o fim do sistema capitalista.
O Manifesto tornou-se um dos textos mais influentes na história do pensamento político, inspirando inúmeras revoluções e movimentos socialistas ao longo dos séculos XIX e XX. Até hoje, é estudado e debatido como um documento fundamental da teoria marxista e da crítica ao capitalismo.
Portanto, ele foi elaborado em um período de grande turbulência e transformação social na Europa, marcado pela industrialização, exploração da classe trabalhadora, e crescente agitação política. Marx e Engels buscaram fornecer uma análise e um programa para a emancipação do proletariado e a criação de uma sociedade sem classes, refletindo e contribuindo para os movimentos revolucionários de sua época.
Posteriormente, mais sindicatos e partidos de origem trabalhista surgiram em diferentes países e em momentos distintos ao longo do século XIX e início do século XX. Eles desempenharam papéis fundamentais na luta por melhores condições de trabalho e vida para os trabalhadores.
2.
As primeiras organizações de trabalhadores possíveis de serem reconhecidas como “sindicatos” foram as guildas e associações de ofícios. Embora distintas dos sindicatos modernos, no fim da Idade Média e no início da Era Moderna, forneceram alguma forma de organização e proteção para os trabalhadores.
Os primeiros sindicatos modernos começaram a surgir na virada do século XVIII para o XIX, especialmente nas indústrias emergentes como têxteis, mineração e construção. Em muitos países, os sindicatos enfrentaram resistência e repressão dos governos e empregadores, com leis anti-sindicais e proibições de greve.
Houve a expansão das lutas por direitos trabalhistas e a consolidação no século XIX, quando os sindicatos se tornaram mais organizados e eficazes na luta por salários justos, condições de trabalho seguras e horas de trabalho razoáveis. Os movimentos sindicais internacionais, como a Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional), fundada em 1864, buscaram solidariedade entre os trabalhadores de diferentes países.
A pressão dos sindicatos e dos movimentos trabalhistas levou à introdução de leis trabalhistas com regulamentações diversas como a proibição do trabalho infantil. Estabeleciam limites de horas de trabalho, introduziam a compensação por acidentes de trabalho e estabeleciam padrões de segurança no local de trabalho.
Os sindicatos ganharam poder através da negociação coletiva com empregadores, garantindo melhores salários e condições de trabalho para seus membros. Em muitos países, os sindicatos desempenharam um papel importante na criação de sistemas de seguridade social, incluindo seguro-desemprego, aposentadoria e assistência médica.
3.
No século XIX, antes do surgimento dos partidos socialistas de origem trabalhista modernos, existiam movimentos como o socialismo utópico e o anarquismo. Defendiam também os ideais de justiça social e igualdade.
Em meados do século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels desenvolveram o socialismo científico, proporcionando uma base teórica para os partidos socialistas. A Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como Primeira Internacional, foi um fórum para diferentes correntes do socialismo e do movimento operário.
O Partido Social-Democrata Alemão só foi fundado, em 1875, como o primeiro partido socialista moderno a ganhar uma representação significativa no parlamento. O Partido Trabalhista Britânico surgiu em 1900 como uma coalizão de sindicatos e grupos socialistas, tornando-se um dos principais partidos políticos do Reino Unido.
As revoluções burguesas do século XVII ao XIX envolveram a participação de diferentes camadas da sociedade, incluindo a burguesia, pequenos proprietários, artesãos, trabalhadores urbanos e camponeses. A participação popular era crucial para mobilizar apoio e legitimar as mudanças políticas e sociais.
Nas revoluções socialistas, no século XX, a participação popular foi ainda mais intensa, com operários, camponeses e soldados desempenhando papéis centrais nas revoluções. Os movimentos socialistas frequentemente se baseavam em organizações populares como sovietes, milícias camponesas e conselhos de trabalhadores para coordenar e implantar a revolução.
Em ambas as tradições revolucionárias, a participação popular foi essencial, mas a natureza dessa participação variou conforme o contexto e os objetivos específicos de cada movimento. Nas revoluções burguesas, o foco estava em acabar com o feudalismo e estabelecer o capitalismo, enquanto nas revoluções socialistas, a meta era substituir o capitalismo por um sistema baseado na propriedade coletiva e na igualdade social. É uma longa re-evolução sistêmica.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]
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