Por REGINALDO NASSER*
O processo de invasão unilateral e assimétrica, que provoca resistência por parte dos povos nativos ameaçados de aniquilação ou deslocamento, dificilmente pode ser chamado de “conflito”
A irrupção de protestos populares em Jerusalem Oriental e Cisjordania, o confronto entre as comunidades judaicas e palestinas no território de Israel, os lançamentos de foguetes do Hamas e os intensos bombardeios por parte das forças armadas de Israel voltaram a jogar luz na denominada Questão Palestina;
Mas, como podemos denominar esses acontecimentos? Já se tornou habitual na mídia e mesmo em muito circuitos acadêmicos qualificar esses eventos como: Conflito, confronto ou mesmo guerra entre Israel e Palestina. Nesse sentido, quando ocorre um cessar-fogo, envolvendo o governo de Israel e o Hamas, os ´´humanistas´´ respiram aliviados, pois a ´Paz´´´ foi restabelecida. É comum também as pessoas fazerem referência aos ´´dois lados´.
Mas, a realidade é teimosa e é impossível esconde-la por muito tempo. Bem, que a FSP ( FSP – ´No 1º dia do cessar-fogo, Gaza dimensiona danos e retira 5 corpos de escombros ´ 21.mai.2021 ) tentou, mas no meio matéria é possível encontrar os ´´dois lados´´ em estado concreto sem tergiversar. Samira Abdallah Naseer. ´´Eu não concordo com uma trégua. O que é trégua? O que significa?”, disse a mãe de 11 filhos, enquanto estava sentada perto dos destroços de um prédio em Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza.
Vamos agora ao outro lado. O estudante Dan Kiri, 25 anos, num café na cidade israelense de Ashdod, quer que Israel continue atacando Gaza . “O fato de estarmos sentados aqui, tomando café pacificamente e comendo nosso croissant, é só uma questão de tempo até a próxima operação em Gaza.”
Em relação as questões sociais e econômicas também há dois lados. — estimativa do custo da reconstrução de Gaza, com 243 mortos ( 55 crianças) onde quase 17 mil casas foram destruídas esta em torno de dezenas de milhões de dólares. Mas, ofensiva militar pode comprometer a recuperação econômica de Israel. Pois, Israel gastou muito em bombas e teve 12 mortos. Mas, mesmo reconstruindo, Gaza voltará a ser o que era. Isso é, um território cercado por terra e mar com 70 % da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
Se o problema for uma disputa entre dois países ou uma guerra civil entre dois nacionalismos, então um modelo de resolução de conflito, um acordo, um dialogo poderá resolvê-lo. Mas, é disso que se trata?
Para se entender esse longo processo é preciso voltar às origens. Em 1947, momento no qual a ONU estabelece a partilha da Palestina, os judeus que detinham 7% do território passam a possuir 56%. Por volta de 80% do povo palestino foi desprovido de suas casas, terras e negócios. Foram confiscadas por volta de 70% de todas as terras pertencentes a palestinos, antes de 1948, e cerca de 60% das terras pertencentes a palestinos que permaneceram e se tornaram cidadãos israelenses. Por volta de 370 cidades e vilas judaicas estabelecidas pelo governo israelense, entre 1948 e 1953, foram construídas em terras confiscadas dos palestinos. Entre 1949 e 1966, Israel sujeitou a maioria dos palestinos ao regime militar de Israel, confinou-os em dezenas de enclaves e restringiu severamente seus movimentos.
Portanto, a ocupação de território, a expulsão de palestinos e o regime de apartheid não começou em 1967, como acreditam os ´´sionistas de esquerda´´, e tem continuado sem cessar mesmo após os acordos de Paz de Oslo em 1993. Atualmente, a Autoridade Palestina (AP), liderada pelo Fatah, tem uma soberania muito limitada sobre um território equivalente a 10% do que era a Palestina Histórica. O total de casas demolidas, após Oslo, foram de 4 mil, desabrigando 22 mil pessoas. Quase 60 mil casas e estruturas de subsistência foram demolidas por Israel nos Territórios Ocupados desde 1967. Atualmente, Israel mais do que quadruplicou sua população de colonos, de 115.600 em 1993 para mais de 600.000 hoje.
Ondas massivas de expulsão e deslocamento, especialmente em 1948 e 1967, geraram uma população de refugiados de 7,2 milhões de pessoas. Sendo que 4,3 milhões de refugiados palestinos e seus descendentes deslocados, em 1948, vivem principalmente em campos de refugiados no Líbano, Jordânia e Síria. Além disso, Israel continua gerando novos refugiados todos os dias.
È essa a Paz que se almeja?
Ora, por que não compreender esse processo como uma forma de colonialismo? Mais especificamente, settler colonialismo, que preferimos denominar de Colonialismo por Povoamento, isso é, colonos não imigrantes que chegam a um território com o intuito de substituir a população nativa. Essa verdadeira invasão pode ser gradativa e não necessariamente usando meios violentos, pelo menos em seus estágios iniciais, como foi o sionismo na Palestina nos anos 30. O objetivo final é a constituição de uma nova sociedade de colonos sobre as ruínas daquilo que era a população nativa. Uma verdadeira “lógica de eliminação” inerente a todos os projetos coloniais que almejam o “desaparecimento” dos nativos através do deslocamento, marginalização, assimilação ou genocídio.
Claro que, esse tipo de colonialismo gera um conflito inevitável entre os colonos usurpadores e a população nativa. Portanto, trata-se de dois “lados” lutando por interesses ou agendas diferentes. Uma verdadeira luta colonial em que os nativos são vítimas, não o outro “lado”. Na verdade, trata-se de uma uma população dispensável, que deve ser “eliminada”, se não fisicamente aniquilada, pelo menos reduzida à presença marginal na qual se tornem incapazes de construir uma vida em nação autônoma.
Esse processo de invasão unilateral e assimétrica, que provoca resistência por parte dos povos nativos ameaçados de aniquilação ou deslocamento, dificilmente pode ser chamado de “conflito”. Assim, em vez de denominar de “Conflito Israelense/Palestino, é muito mais apropriado falar de um Colonialismo por Povoamento sionista.
*Reginaldo Nasser é professor de Relações Internacionais da PUC/SP, autor, entre outros livros, de Novas perspectivas sobre os conflitos internacionais (Unesp).
Publicado originalmente na Revista PUC Viva (28/5/2021).