Por JOSÉ VERÍSSIMO TEIXEIRA DA MATA*
Nada deve desviar o Brasil de buscar os nichos que assegurem a melhora da pauta de exportações brasileiras
Os sinais que vemos, anunciam que o crescimento da economia brasileira em 2023 será modesto por razões como juros altos ou as limitações impostas por decisões tomadas pelo governo que passou. Aqui vale o oxímoro, o que já passou de alguma forma continua, como se se dissesse que um governo que passa, não passa, apenas porque passou. O horizonte parece dizer que não se chegará aos indicadores positivos do ano passado. Os 2,9% em números então alcançados enquanto absolutos, isto é, sem um detalhamento de seu impacto na vida da população, talvez ainda escondam a possibilidade de que consigamos um pouquinho mais, mesmo com um crescimento menor.
Lembremos, a esse propósito, o caso da Rússia, país em que se espera uma leve recuperação em 2023, e onde o encolhimento da economia, de 2,1% em 2022, foi acompanhado de uma pequena melhora no nível geral de vida dos trabalhadores. A guerra permitiu que se dividisse um pouquinho mais o bolo enquanto ele diminuía, até porque o desemprego chegou ao seu menor nível histórico.1
A China, cuja economia deu um grande salto com sua abertura para o exterior, vem combinando a sua pauta de exportações com mais ênfase ao seu próprio mercado interno, explorando, de modo consistente, a elevação de vida de sua população como o mais importante motor de sua economia, apontando assim para a elevação dos salários e de outros componentes que atuam em favor do bem-estar geral, inclusive com a eliminação da pobreza absoluta.
A China emprestou considerável impulso à pauta de exportações brasileira onde, como se sabe, se compreendem itens como minérios, produtos agrícolas ou carne. O fim das restrições à COVID, esperado com impaciência, foi recebido com alívio sobretudo por uma infinidade de pequenos e médios empresas à beira do desespero.2 A China deve crescer cinco por cento esse ano, e é claro, com a emergência do consumo interno, as nossas empresas pequenas e médias podem ter lá a sua chance.
A Índia que vem aí, tendo tido crescimento de sete por cento no ano que passou, deve, segundo últimas projeções, repetir o aumento de sete por cento em seu PIB em 2023.3 A África do Sul terá um crescimento que, em princípio, não chegará a dois por cento no corrente ano.
As pequenas e médias empresas brasileiras têm agora e no futuro nesses países, integrantes do BRICS, e nos países africanos da comunidade de língua portuguesa, grande campo de possiblidade de expansão, e o mesmo se pode dizer de suas possibilidades na América Latina. Todavia, isso requer condições preliminares oferecidas pelo Estado, condições que demandam investimento e tempo.
Diante do fôlego curto do mercado interno, devemos tanto buscar vitalizá-lo quanto apostar fichas nas exportações, a despeito de todas as dificuldades próprias de nosso horizonte estrutural e conjuntural. Nada nos pode desviar de buscar os nichos que assegurem a melhora da pauta de exportações brasileiras. E devemos, ao contrário do que tem sido feito, apostar em uma pauta tanto industrial quando de serviços em exportações.
O objetivo deste artigo é mostrar que, mesmo na crise, há espaço razoável para o avanço das exportações brasileiras (e, assinalo, o que é esquecido pela obsessão por commodities de nossas autoridades) das exportações industriais e de serviços, havendo, sobretudo, enorme espaço em países como a África do Sul, a China, a Índia e a Rússia, que junto com o Brasil formam o grupo político de cooperação BRICS. Destinos para o quais a pauta aqui lembrada é esquecida.
Para isso o Estado brasileiro deverá fazer uma inflexão em direção às nossas pequenas e médias empresas na pauta de exportações, e deixar de apenas fazer o lobby das grandes corporações. Com esse objetivo, deve-se prover pequenas e médias empresas de apoio suficiente para enfrentar mercados em franca diversificação e mobilidade ascensional de camadas sociais. Aqui as enormes desigualdades históricas do país, desgraça enorme, podem eventualmente significar vantagens estratégicas do ponto vista do conhecimento comercial acumulado.
É tempo de valer-se das linhas de crédito do Banco do BRICS e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de modo prioritário em favor de pequenas e médias indústrias em um projeto orgânico de exportações, criando de fato uma rede de apoio e de inserção de indústrias brasileiras. Quanto me refiro aqui a pequenas empresas, estou falando das assim consideradas em sentido próprio, e não daquelas que são meros apêndices das grandes empresas e que a essas estariam integradas, conforme já notara Rudolf Hilfeding.
Ao apoiar essas empresas – pequenas e médias –, não estaremos explorando de modo pioneiro um planeta novo, pois Alemanha e Itália já colocam em tais espaços, como a Rússia e a China, milhares de empresas pequenas e médias, ao lado de suas pujantes corporações. Apenas para tornar mais palpável a natureza dessa pauta exportadora, pode-se dizer que há espaço tanto para o passador de roupas (antigo ferro elétrico), para as próprias roupas, quanto para materiais de construção, indo do vaso sanitário trabalhado à banheira, ou a linhas diferenciadas de guardanapos, ou ao cinema, passando ainda pelas cortinas e por sua instalação, entre outras coisas.
Para alcançar, todavia, esse objetivo em exportações, é preciso que o Estado brasileiro ofereça apoio muito mais amplo do que o oferecido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).
Alavancar as exportações passa pela velha ladainha da pauta política nacional: educação. Educação e tecnologia.
Esse objetivo supõe, para além de prover pequenas e médias empresas de um suporte logístico e crédito nas exportações, programas integrados dentro das universidades brasileiras que esquadrinhem, com conhecimentos multidisciplinares e específicos, os territórios visados dos mercados citados, em regiões determinadas da Índia, da Rússia, da China, ou da África do Sul, da própria América do Sul ou da África portuguesa. Esses programas devem visar tais espaços, do ponto de vista de várias perspectivas: geografia, língua, institutos jurídicos, mercado, etc. Uma linha de pesquisa em tal direção e com tal rubrica deveria ser instituída.
Sem tal apoio, sem esse conhecimento profundo, pequenas e médias empresas brasileiras jamais entrarão onde já deveriam estar, seja oferecendo produtos e serviços, seja mesmo em joint ventures. Grandes empresas podem com algum arrojo e apoio lá chegarem, mas pequenas e médias precisam efetivamente de uma retaguarda estatal que não subsiste no país.
Apenas para ilustrar, cito um pequeno exemplo de como as nossas possibilidades comerciais são sacrificadas pela ausência de autênticas políticas de Estado no país. O hindi, primeiro idioma da Índia, e um dos mais falados no mundo, praticamente não é ensinado no Brasil. Como uma empresa média brasileira de alimentos poderia colocar produtos para diabéticos em nicho mercadológico regional diante dessa carência de recursos culturais?
Alemanha e Itália estão com milhares de pequenas e médias empresas em países como a Rússia ou a China com vendas de produtos e serviços, que vão da lavanderia ao perfume. E nós, por que não podemos, senão basicamente pelas razões aqui expostas? Não querendo cansar o leitor, podemos lembrar de números muito expressivos: cerca de cinco mil empresas alemãs estão na China, e por volta de seis mil4 estavam na Rússia até pipocar a Guerra na Ucrânia. Desses números, pode-se dizer que as grandes nem chegam a dez por cento. E, é claro, Itália e Alemanha não chegam a impedir que as pequenas continuem a operar na Rússia, a despeito de todas as dificuldades. E, convenhamos, se grandes empresas podem deixar a Rússia e continuarem a operar em outros quadrantes, com eventual risco de prejuízo irreparável, pequenas e medias, se abandonam suas operações na Rússia, simplesmente viriam a bancarrrotar.
Por último, é preciso que o tema das pequenas e médias empresas passe a integrar a agenda internacional do Poder Executivo, e que, quanto a esse aspecto, tanto a Presidência da República quanto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços passem a contar com assessoramento institucional em tais áreas. Aliás, é de se esperar que, em viagens do chefe do Poder Executivo, não estejam presentes apenas os representantes dos grandões. Essa parece ser a posição mais equilibrada, quando se leva em conta o perfil da economia brasileira e o que dele se pode esperar como projeção externa.
Acresce que, considerando o perfil de nossa formação econômica, a presença de pequenas e médias empresas, na atual quadra histórica, deve ser vista como importante fator de estabilidade das relações internacionais. Isso é sabido nos demais países dos BRICS com sua inteligência e experiência dos espaços geopolíticos. Se o Brasil tivesse logrado implantar massivamente pequenas e médias empresas na Venezuela, dificilmente algum dos nossos chefes de Estado, por mais destruidor que fosse seu ímpeto, conseguiria acabar com as relações comerciais e institucionais com o nosso vizinho.
Nesse caso, mais que culpar esse ou aquele por suas limitações ideológicas ou políticas, seria o caso de perguntar pela nossa incapacidade de criar laços bem amarrados e difusos institucional e economicamente, aproveitando o baixo nível da composição orgânica do capital no país, laços, cuja natureza seria inconcebível para aquele que vive no Japão ou na Coreia do Sul.
*José Veríssimo Teixeira da Mata, consultor da Câmara dos deputados, é mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP).
Notas
1 https://rg.ru/2023/03/01/rosstat-bezrabotica-v-rossii-snizilas-do-istoricheskogo-minimuma-v-36.html
Demais, há aqueles que sustentam, como Putin, que o encolhimento pelas estatísticas tradicionais de 2,1% esconde um ganho enorme de soberania, onde muitos empreendimentos estão em via de ser retomados. A soberania, aliás, é um valor caro tanto a Putin como ao seu par chinês, Xi Jimping, o presidente chinês, e Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano. Ora, com a melhora da renda média, ainda que “um pouquinho mais”, podemos antever um pouquinho mais de chances para nossas pequenas empresas ali…agora temos de garantir mecanismos de transferência de valores entre os bancos estatais brasileiros e os russos, considerando as sanções do Ocidente.
2 É de notar que as condições distintas produzidas em determinada formação econômica levam a posições e avaliações contraditórias: enquanto um sem-número ia às ruas pedindo o fim das restrições, operários em conglomerados exigiam o contrário, como mais máscaras e testes, a identificação e afastamento dos potencialmente contagiantes. Ao final, prevaleceu o levantamento total das restrições e, talvez, já fosse mesmo o momento. De todo modo, os Estado foi surpreendido, e o Global Times afirmou então que os dirigentes locais não estavam interpretando com correção as diretrizes gerais das restrições impostas durante a pandemia. Vide: https://www.globaltimes.cn/page/202211/1280574.shtml
3 https://economictimes.indiatimes.com/news/newsblogs/economic-survey-2023-live-news-and-latest-updates/liveblog/97469145.cms
4 A guerra da Ucrânia não alterou muito esse quadro, pois apenas uma pequena parte de empresas deixou a Rússia, e, claro, isso diz respeito, especialmente, a uma parte das grandes empresas”. Ainda se poderia computar o número das pequenas que partem de volta, porque estão acopladas aos projetos das grandes. Todavia, essas (em sua maioria), para usar um conceito de Hilferding, não seriam nem sequer empresas autônonas no sentido próprio, mas meros apêndices das corporações. Sobre a permanência das empresas ocidentais na Rùssia, a gazeta Welt de 20/01/2023 escreveu:“Es herrscht die Annahme, dass die meisten westlichen Firmen ihre Aktivitäten in Russland eingestellt haben. Eine neue Untersuchung zeigt: nur ein kleiner Teil der in Russland investierten Unternehmen hat dort komplett aufgehört. Besonders deutsche Unternehmen machen weiter Geschäfte”. Por sua vez, lê-se no Manager Magazin, de 23/01/2023: “apenas nove por cento das empresas ocidentais deixaram a Rússia, e mais de noventa um por cento permanecem, as quais em sua maioria tem a matriz na Alemanha.(“Nach Beginn des Ukraine-Krieges haben westliche Unternehmen ihren Rückzug aus Russland angekündigt. Doch mehr als 91 Prozent sind letztlich geblieben – und die meisten davon haben ihren Hauptsitz in Deutschland.”). E, é claro, esse juízos dizem respeito às grandes empresas e corporações.