Que tal negociarmos?

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Por RAFAEL CARDOSO SAMPAIO & LEON VICTOR DE QUEIROZ BARBOSA*

Não são as greves os principais problemas atuais da educação

Toda a sociedade já sabe da greve dos professores e dos técnicos das Universidades federais. Muitos já estão enfadados do assunto inclusive, o que provavelmente inclui alguns leitores deste site (que se tornou um excelente fórum da discussão, diga-se). E, na verdade, os próprios servidores da educação superior. A população brasileira tem outras preocupações mais urgentes. Afinal, o Brasil assiste atônito às repetidas tragédias no Rio Grande do Sul. Um estado inteiro encoberto por água com vidas e cidades inteiras arrasadas.

Vê-se nas mídias e nas redes sociais digitais o sofrimento diário do povo gaúcho e a solidariedade do povo brasileiro. E, da mesma forma, assusta a desinformação (assimetria informacional brutal), a mentira e as fake news fake que circulam de forma célere, imparável e irreparável. Elas tentam minimizar a atuação do Estado e buscam emplacar um perigoso enquadramento de “o povo pelo povo”, como se o país não tivesse governo e como se este não estivesse atento e diligente diante de tamanha tragédia.

Em meio a tantos desafios, o governo precisa priorizar seus gastos e sua atenção. Um esforço talvez não tão óbvio que pode aliviar uma frente de trabalho é buscar o fim da greve da educação superior. Para além de ser menos uma preocupação, que pode ser capturada a qualquer momento pela extrema direita, as universidades públicas podem contribuir diretamente no apoio às vítimas das inundações e, principalmente, na reconstrução do estado, de inúmeras formas (como fizeram durante a pandemia).

Diversas instituições e pesquisadores dos institutos e universidades federais do Rio Grande do Sul têm tido papel importante na mitigação da crise. São infindáveis os exemplos, mas alguns merecem atenção. Raquel Recuero, professora da UFPEL e da pós-graduação na UFRGS, publicou um texto bastante interessante com recomendações para lidar com a desinformação na mídia social em momentos de crise. A professora Maria Helena Weber, aposentada pela UFRGS, reforça a importância da comunicação pública nesse momento em que governantes locais parecem perdidos e há essa cacofonia de discursos.  Essas recomendações deveriam estar sendo usadas passo a passo pelos governos federal, estadual e municipais no tratamento da crise informacional.

Por sua vez, professores da faculdade de Ciências Econômicas (UFRGS) já apresentaram importantes recomendações a governantes para enfrentar a crise no RS, o que significa que qualquer ideia de contratar empresas estrangeiras para isso é desperdício de dinheiro público, conhecimento e tempo.  O Instituto de pesquisas hidráulicas da UFRGS atua ativamente na divulgação de níveis das águas do Guaíba, ajudando os órgãos públicos. E esses são só alguns exemplos entre tantos outros das universidades gaúchas.

Portanto, a principal razão pela qual a greve da educação deve acabar é justamente para o (re)conhecimento e o serviço de todas as universidades públicas, que podem ajudar diretamente os atingidos por essas e outras tragédias. Novamente, a título de exemplo, os purificadores de água doados ao Rio Grande do Sul têm tecnologia desenvolvida pela UFSCar.

Que outras tantas tecnologias desenvolvidas pelas universidades públicas poderiam ajudar neste momento? A greve mostra tão somente o quão desprestigiada está a categoria docente bem como as Instituições Federais de Ensino Superior, que amargam há anos a redução dos recursos de investimentos, vendo seus prédios e infraestrutura se degradarem, caírem e até mesmo pegarem fogo, como na UFRJ.

É importante o fim da greve. Todavia, greves não acabam com tanta facilidade e o governo federal perdeu uma chance excelente de encerrá-la em sua última proposta de 15 de maio. Na verdade, a proposta foi tão desalentadora que 58 universidades federais (de um total de 69, ou seja 84,06%) já resolveram continuar com as paralisações, mesmo havendo esse sentimento geral de que a greve precisa acabar. A ideia de assinar paralelamente com associação de considerável menor representação e sem capacidade legal (por falta de carta sindical)  foi uma tentativa de acelerar o fim da greve.

Apesar de haver bons motivos para ser considerada uma razoável saída, por problemas e distorções diversas, ela acabou se provando a pior. Foi derrubada na justiça (justamente por falta de capacidade legal de representação de classe) e apenas alimentou a discordância do principal representante sindical, reacendendo a vontade de muitos docentes permanecerem em greve.

No atual momento, o público, com toda razão, pode questionar se não se trata de mesquinharia ou falta de consciência por parte de professores e técnicos. Todavia, é preciso entender algumas questões que a envolvem. A proposta do governo não traz qualquer reajuste salarial em 2024 e, mesmo ao longo do mandato do governo Lula, ela não proporciona efetivamente nenhum aumento salarial, basicamente cobrindo a inflação no período. Para uma categoria que tem uma perda do poder de compra na ordem dos 25% na última década e que poderá chegar a 34% até o final deste mandato.

Cabe ainda compreender que ao assinar o contrato, os professores não podem mais reivindicar reajustes até 2027, pois os sindicatos estariam impedidos de convocar greves. Isso em um cenário no qual vimos diversas outras categorias do governo federal recebendo seus devidos aumentos em 2024, aumentando apenas a desproporção entre altos salários e menores exigências de capacitação. Tal situação naturalmente se torna frustrante para quem se dedica à docência e, especialmente, à pesquisa, podendo gerar outro tipo de fuga de cérebros, principalmente para a própria burocracia.

Como sabemos, os poucos estudos existentes evidenciam que investimentos em universidades públicas trazem benefícios econômicos tanto para ex-alunos quanto para a sociedade em geral em termos regionais. De acordo com um estudo da Finep, um aumento de 1% nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento resulta em um crescimento de 9,92% no Produto Interno Bruto de um país. Então, a ideia de que gastos na educação são, na verdade, investimentos não é apenas retórica, mas verossímil.

Então, definitivamente, é hora de o governo negociar. De verdade. A educação superior e a ciência em greve não são boas para ninguém, pois dificultam o acesso ao conhecimento e à inovação das universidades a tais demandas urgentes da nação. O governo pode até optar por fechar um acordo com uma pequena parcela da categoria e simplesmente esperar o restante se cansar. É uma tática funcional, mas que será desgastante para todos os envolvidos, a exemplo do que houve em 2012. Tal disputa levou apenas a uma nova greve em 2015, esta com duração de cinco meses, e que aconteceu em meio aos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Com as eleições locais se aproximando, certamente os ataques da extrema direita vão se intensificar buscando causar danos diretos à imagem de professores, universidades públicas e do próprio governo. Podem ter um efeito ainda mais danoso, o de gerar um discurso de que estão do lado da educação e dos professores e que o governo é o verdadeiro mesquinho da história.

A negociação com professores não deve se restringir aos valores da recomposição salarial em si, mas em uma melhora das perspectivas para a área. Um comprometimento em reestruturação da carreira (como acabar de vez com a Dedicação Exclusiva sem perda salarial e diminuir o tempo para se chegar ao teto da profissão, hoje em 19 anos), recomposição orçamentária das universidades e dos valores para pesquisa ao longo do mandato já seriam fortes argumentos. 

Já no caso dos técnicos administrativos da educação superior deve haver uma preocupação extra. São de fato os funcionários públicos menos valorizados em todo o governo federal. Precisam de uma reformulação completa da carreira para conseguirem manter as universidades públicas funcionando adequadamente. Tal reformulação não precisa ser para 2024, mas certamente precisa entrar na mesa de negociações. Em ambas as carreiras, o ideal seria termos um processo ampliado de discussão envolvendo docentes e técnicos, baseado em consultas públicas. Ele deveria envolver não apenas questões salariais ou da carreira, mas em medida o que esperamos de um projeto de nação baseado na educação.

Outro ponto é que os técnicos devem ocupar cargos de gestão como Direção de Centros, Faculdades ou Institutos. Um técnico graduado em pedagogia tem muito mais a contribuir para a coordenação de um curso do que um bacharel. Um técnico formado em administração tem mais condições de gerir um Centro de Ciências Médicas do que um médico. 

O custo político da manutenção da greve cresce diariamente. A grande maioria dos professores e técnicos deseja o fim da greve. Esta é a verdade. Talvez não seja exatamente a vontade de determinadas representações sindicais, mas certamente é o anseio da maior parte da categoria.

Todavia, ela não acabará do dia para a noite sem algum esforço. Ambos os lados precisam negociar urgentemente pelo seu fim e inclusive aceitando ceder em determinados pontos. No momento, existe uma questão mais urgente para resolver. Um estado inteiro precisa ser reconstruído e outras agendas urgentes, como enfrentamento a crises climáticas, combate à extrema direita, diminuição da polarização política na população, regulação das redes digitais, formulação e avaliação de políticas públicas em todas as áreas etc., podem se beneficiar diretamente.

Como bem sabemos, não são as greves os principais problemas atuais da educação. E se concordamos que ela deve acabar, que tal negociarmos?

*Rafael Cardoso Sampaio é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

*Leon Victor de Queiroz Barbosa é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).


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