Quinta-coluna

image_pdf

Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A ironia da quinta-coluna reside na sua habilidade de transformar a defesa de interesses estrangeiros em um ato de suposta proteção nacional, enquanto enfraquece as próprias bases do país

1.

A expressão “quinta-coluna” tem origem militar e política. Seu significado está diretamente associado à traição interna – refere-se a quem, de dentro de um país ou organização militar, trabalham secretamente para favorecer o inimigo externo.

A origem da expressão remonta à Guerra Civil Espanhola (1936–1939), quando o general franquista Emilio Mola preparava o cerco a Madri. Ele afirmou: suas forças se dividiam em quatro colunas militares marchando sobre a capital, mas havia uma “quinta coluna” já dentro da cidade: simpatizantes franquistas infiltrados entre os republicanos, prontos para sabotar e enfraquecer a resistência por dentro.

Desde então, “quinta-coluna” passou a designar indivíduos ou grupos, sob aparência de lealdade, prontos para colaborar com um inimigo ou sabotarem os interesses nacionais a partir do interior do país. Ou fazendo lobby contra o Poder Executivo e o Poder Judiciário na própria sede do Império.

Quando o filho do Capachonaro atravessa fronteiras e atua como lobista de uma potência estrangeira, solicitando ao Imperador Donald a imposição de um tarifaço de 50% contra produtos brasileiros, com o objetivo claro de pressionar as instituições brasileiras – sobretudo o STF – a não julgar os crimes de seu pai, ele incorre sim em uma atitude, à luz do conceito histórico e político, possível de ser caracterizada como típica quinta-coluna.

Ele não age apenas como adversário político dentro do Brasil, mas como aliado ativo de uma potência imperial interessada em enfraquecer a soberania nacional. E não se trata de uma divergência legítima sobre política externa, mas sim de um pedido para o Brasil ser deliberadamente prejudicado economicamente a fim de proteger seu pai investigado por crimes contra a democracia.

2.

Juridicamente, “traição à pátria” é um conceito grave, regulado por critérios legais específicos. No Brasil, por exemplo, é tratado na Lei de Segurança Nacional ou no Código Penal Militar, em contextos de guerra. Mas do ponto de vista ético e político, o comportamento do Capachonarinho subverte o interesse nacional em nome de interesses familiares e ideológicos.

Assumidamente, solicitou a intervenção punitiva de um governo estrangeiro contra o Brasil, algo equivalente a pedir uma “invasão tarifária”. Utilizou a relação internacional como ferramenta de chantagem institucional, ferindo a soberania da Justiça brasileira.

Portanto, pode-se dizer sim, sua atitude é compatível com o conceito de quinta-coluna, embora ainda não tipificada formalmente como traição no sentido jurídico-estrito. Na esfera simbólica e política, porém, o gesto é claríssimo: colocar os interesses de um líder extremista e de um império decadente acima do povo brasileiro e da economia nacional.

O “Capachonarinho” não apenas é um capacho diplomático do neofascismo global, mas se apresenta, sim, como quinta-coluna do Império do Norte, operando de dentro de suas redes de relacionamento da direita internacional para enfraquecer as instituições brasileiras e sabotar a soberania do país. Antes era apenas grotesco, agora beira a criminoso infame.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
5
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
6
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
7
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
8
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
9
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
12
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
13
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
14
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
15
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES