Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
No Brasil, o grande fator de enriquecimento dentre a maioria das Pessoas Físicas foi obter renda do trabalho com salário de quem possui qualificação do Ensino Superior durante toda a vida profissional ativa
Remediado é quem se remediou. Tem situação financeira não muito folgada, mas ela lhe permite atender aos seus gastos. Tem alguma coisa de seu: uma moradia, um veículo… Sou eu! Bilionários só dois eu vi, pobres muitos eu vejo – e da pobreza me afastei.
Afinal, neste país, não é de bom tom ninguém se apresentar como rico. No máximo, alguns bilionários obsessivos avisam: – “Bill Gates, estou chegando…” Novos-ricos ou “celebridades” se exibem como consumistas compulsivos – até o dinheiro acabar.
Individualmente, eu não posso dar remédio a quem está doente. Posso, no entanto, compor, corrigir, arranjar a vida de quem pede aconselhamento em Finanças Pessoais.
Digo logo: a maior fonte de enriquecimento não é o mercado de capitais, mas sim a renda do trabalho. Investimentos financeiros protegem o poder aquisitivo do acumulado com essa renda laboral. Apenas no ciclo final da vida financeira os rendimentos dos juros devem superar os rendimentos do trabalho, no caso, costuma de ser da aposentadoria.
Se a pessoa não impedir, evitar por si só a entrar na miséria, é difícil socorrer, auxiliar quem não se esforça via estudos. Para se prover do indispensável, a partir da infância, é necessário investir em educação até o nível superior, quiçá a pós-graduação.
Economistas denominam acumulação de capital humano o acréscimo gradativo da capacidade pessoal de ganho. É o conhecimento (e/ou habilidade) adquirido e capaz de lhe prover de renda até a morte, sem a incapacitação física ou mental com a demência.
A Doença de Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal. Ela se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária com alterações comportamentais. Esta doença, embora seja consequente do aumento da longevidade humana, ainda não tem cura. Seria prioritária a pesquisa de seu medicamento preventivo ou um remédio para a curar.
Em situação social de pobreza, é possível socorrer-se a si próprio, procurar por si só os recursos dos quais carece?
“Seja o senhor quem for, eu sempre dependi da bondade de estranhos”. Essa frase da peça (e filme) Um bonde chamado desejo, autoria de Tennessee Williams, é confirmada no dia a dia, quando nos deparamos diante de alguém com empatia.
Ela tem a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer: sair de uma situação difícil. Altruísmo é um tipo de comportamento encontrado em seres humanos com ações voluntárias em benefício de outros.
A empatia envolve aprimorar três componentes. O componente afetivo baseia-se em compartilhar ou ter compreensão de estados emocionais de outros. O componente cognitivo refere-se à capacidade de deliberar sobre os estados mentais de outras pessoas. A regulação das emoções lida com o grau das respostas empáticas.
Caso não se tenha a sorte de encontrar pessoas com essas virtudes, o caminho é recorrer às políticas públicas – educação, saúde, segurança, habitacional etc. – como o direito da cidadania. Para tanto, é necessário fazer Política, isto é, ações coletivas em busca delas.
Pobreza é indigência, penúria, carência, escassez, precisão, aperto, mingua, pauperismo, falta de recursos, curteza de meios, desamparo, necessidade, pindaíba. Este miserê leva à angústia, privação, pobreza franciscana…
O sufoco é falta de dinheiro. Ficar na dureza, em circunstâncias difíceis, é uma curteza de meios de sobrevivência. Com a bolsa vazia não se deve apelar para a mendicância, mas sim para a política social.
Cuidar-se em Postos de Saúde (SUS) é um sufoco, mas não há escapatória, quando mesmo um Plano de Saúde de “remediados” não oferece tudo quanto um de quem vive na riqueza principesca ou nababesca. Escolas, colégios e universidades públicas já foram – e ainda se encontram – com a melhor qualidade de ensino. Dou meu testemunho pessoal por sempre ter cursado nesses estabelecimentos sem jamais pagar pelo ensino.
Afinal, quem neste país é capitalista, nababo, plutocrata, (multi)milionário, miliardário, biliardário? Quantos tem a burra cheia, a bolsa repleta e pertence à aristocracia do dinheiro, plutocracia, elite, Classe A? Quais são os graúdos, os detentores das riquezas, os possuidores das fortunas colossais?
A imagem pública de ser rico é nadar em dinheiro como o Tio Patinhas, rolar em riqueza, ter a bolsa bem provida com meios para viver folgadamente. Para ser um poço de dinheiro, jorrar dinheiro pelo ladrão, ser homem de muitas posses, viver na opulência, girar com milhões, ganhar mundos e fundos, lavar a égua, é ter o destino da “sorte do berço… de ouro”?
Nem sempre, embora muitos bilionários da lista Forbes sejam herdeiros de bilionários mortos. O caminho para enriquecer, enricar, enriquentar, apotentar, opulentar, não é locupletar-se ao ganhar dinheiro ilícito. Para arranjar a vida, desempobrecer, adorar o bezerro de ouro, nem todos conseguem obter um grande dote do casamento.
Vale o provérbio “onde fala o ouro, cala a razão”? Ora, é mais adequado usar a razão para escapar de estar com uma mão atrás e outra na frente, sem eira nem beira…
Outro provérbio sugere “pobreza não é vileza, apenas rareia-lhe o dinheiro no bolso”. Daí o roto, coitado, desgraçado, desvalido, despossuído (como ex-escravo), por se sentir desamparado, deve recorrer ao crédito ou à confiança no cartão recebido?
Abrir conta-corrente e ter cartões de crédito passou a ser quase universalmente acessível no mundo digital das fintechs e dos neobancos. No fim de 2011, eram 78,4 milhões de cartões de crédito e 84,9 milhões cartões de débito ativados. No fim de 2022, já eram 208,8 milhões cartões de crédito ou 2,5 vezes mais. Cartões de débito foram 172,3 milhões ativados, acima do dobro nesses onze anos.
Mas dívida é obrigação, compromisso, responsabilidade. Atraso, quando não um calote, leva em cada dois devedores de crédito rotativo, um ser inadimplente. O justo adimplente paga por esse pecador, porque bancos não podem perder o dinheiro de outros clientes. Daí os juros impagáveis… Parece usura, agiotagem, mas é obrigação.
Pesquisa do Anuário Bancário Brasileiro 2023 sobre perfil dos clientes dos bancos revela a estratificação social da população atendida: metade (53,7 milhões) tinha renda baixa, 40% (43 milhões) renda média, 9% (9,7 milhões) renda alta, o 1% mais rico era composto por 1,1 milhão pessoas. Quando considerava a massa de rendimentos, os 50% de renda baixa tinham 11,6% dela, os 40% da renda média, 23,4%, os 9% da renda alta, 17,4% e o 1% da renda superior, 47,3%. Há concentração dentro do topo!
Esses números explicam o sentimento de quem não pertence ao 1% não se apresentar como “rico”, mas sim como “remediado”. Mas aquilo é fluxo de renda recebida, outra concentração se encontra no estoque de riqueza acumulada (financeira, imobiliária, automotores, joias etc.), segundo DIRPF AC2022.
Entre os declarantes, o centil 100, sozinho, apropria 32% do total de bens e direitos. Somando os 5 centis superiores possuem 50%, ou seja, os centis de 95 a 99 possuem 18% do total. Os 10 centis superiores concentram 59% da riqueza nacional, logo, os centis de 90 a 94 possuem 9% do total.
Aqui, ganhar acima de cinco salários-mínimos (R$ 7.000) já entra nos 10% mais ricos, acima de dez (R$ 14.000) nos 5% mais ricos e acima de trinta (R$ 42.000) no 1% do topo.
No Brasil, o grande fator de enriquecimento dentre a maioria das Pessoas Físicas foi obter renda do trabalho com salário de quem possui qualificação do Ensino Superior durante toda a vida profissional ativa. A partir do planejamento de sua vida financeira, enricou quem soube usar a política de juros reais, na renda fixa, substituta da correção monetária, para proteger seu poder aquisitivo em longo prazo.
Entre 1995 e 2000, os juros nominais mensais estiveram acima de 2%. Nas últimas décadas, houve os ciclos de 2001-2008 (16,8% de taxa de juro anual média contra 7% de taxa de inflação), 2009-2013 (9,6% contra 5,9%), 2014-2017 (12,2% contra 6,6%), 2018-2021 (4,9% contra 5,7%) e 2022-2023 (12,7% contra 5,1%).
Depois do ciclo inicial (2001-2008) de juro real médio anual de 9,2%, o último (2022-23) foi o maior (7,2%). Superou até o do “ciclo golpista” (2014-17) de 5,2%.
Similarmente, em dezembro de 2023, os segmentos do Varejo Tradicional, Varejo de Alta Renda e Private Banking acumularam cada qual quase R$ 2,2 trilhões, somando o volume financeiro total de R$ 6,5 trilhões. Porém, eram respectivamente 143 milhões, 16 milhões e 159 mil clientes. A proporção da riqueza financeira per capita aproximava-se de R$ 13.000 no “varejão”, R$ 130.000 dos “remediados” e R$ 13.000.000 dos “ricaços”: dez vezes mais entre os primeiros, cem vezes entre os segundos, ou seja, mil vez entre os dois extremos. Ser “remediado” é ser menos pobre ou ser mais rico?
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]
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