Por JOSUÉ PEREIRA DA SILVA*
O debate sobre a instituição de uma renda básica incondicional é fundamental para o futuro tanto de Estado de bem-estar social quanto para a cidadania social
“É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário” (Art. 1o, Lei 10835, de 08/01/2004).
Este artigo tem um triplo objetivo: discutir o significado da lei que instituiu no Brasil a renda básica de cidadania; vincular o debate contemporâneo sobre renda básica à teoria da cidadania, que desempenhou, e ainda desempenha, um importante papel nos debates sobre modernização social; e relacionar ambos, renda básica e cidadania, ao atual processo de mercadorização das relações sociais.
Que eu saiba, o Brasil foi o primeiro país a ter uma lei instituindo a renda básica universal. Esse foi certamente um evento importante na história da cidadania social neste país, embora isto não signifique que a lei seja de fato implementada. E a principal dificuldade para se implementar uma renda básica de cidadania é que ela se dá num contexto global caracterizado por um abrangente processo de mercadorização das relações sociais.[i]
Uma vez que a implementação da renda básica contribuiria para diminuir a dependência das camadas mais pobres da população em relação às forças de mercado, pode-se argumentar que a instituição da cidadania social no Brasil enfrenta a situação contraditória, ou no mínimo paradoxal, de conviver com as duas tendências opostas de mercadorização e de desmercadorização.[ii] Seu resultado depende, portanto, principalmente da luta entre essas duas forças conflitantes.
Desenvolvo meu argumento nas três seções seguintes. Na primeira, discuto o significado dessa lei a através do debate sobre renda de cidadania no Brasil; na segunda, vinculo o problema da renda básica com a teoria da cidadania; e, na terceira, discuto tanto a renda básica quanto a cidadania em relação com o problema da mercadorização.
1.
Pelo menos simbolicamente, essa lei da renda básica é de grande importância para a política social (não apenas) no Brasil. Ela estabelece que a partir de 2005 todo cidadão brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil há pelo menos cinco anos tem o direito a uma renda básica, independentemente de sua condição sócio-econômica. Essa renda, a ser paga mensalmente em dinheiro, será em igual montante para cada beneficiário. O montante da renda básica, que deve ser suficiente para cobrir os custos mínimos com alimentação, educação e saúde, será determinado pelo Estado. Será implementada gradualmente, começando pelos segmentos mais pobres da população. Além dessa limitação da implementação gradual, a lei da renda básica está subordinada às restrições da lei de responsabilidade fiscal.
A despeito dessas limitações, a lei representa, pelo menos simbolicamente, um avanço no desenvolvimento da cidadania no Brasil. Isso é verdade especialmente se considerarmos, de um lado, a dimensão da pobreza na sociedade brasileira e, de outro, a forte resistência à ideia de uma renda de cidadania desvinculada do trabalho. Portanto, essa lei da renda básica representa uma vitória simbólica nessas duas frentes.
Fora um artigo publicado em 1975 no qual o economista Antonio Maria da Silveira postulava a implementação de um imposto de renda negativo como forma de combater a pobreza (Silveira, 1975), e outra proposição apresentada por Roberto Mangabeira Unger e Edmar Bacha, em 1978, que basicamente mudava o foco da proposta de Silveira do indivíduo para a família (Unger e Bacha, 1978), a primeira tentativa de introduzir uma renda de cidadania no Brasil ocorreu em 1991, quando o Senador Eduardo Matarazzo Suplicy apresentou ao Senado brasileiro seu projeto de renda mínima.
Daí em diante, Eduardo Suplicy se tornou o principal proponente de uma renda de cidadania no Brasil. Mas, desde então, sua concepção de renda de cidadania mudou, progredindo da ideia inicial de renda mínima, ainda vinculada à concepção de imposto de renda negativo, para a de uma renda básica universal. Durante o período de mais de uma década, sua luta para transformar sua proposta numa lei federal tornou-se quase uma obsessão. Escrevendo artigos para jornais e para revistas acadêmicas, dando palestras e tomando parte em debates com políticos, sindicalistas, intelectuais, estudantes e outras pessoas de diversos setores da sociedade brasileira, ele conseguiu persuadir muita gente da relevância de seu projeto.
No início, o projeto, cujo objetivo era combater a pobreza, aparecia na forma de renda mínima. Era de alcance restrito e visava pessoas com renda muita baixa. Em seu texto “A construção de uma economia política civilizada”, Eduardo Suplicy apresentava os principais traços de sua concepção de uma renda mínima garantida: “Gostaria que vocês pensassem no conceito de renda mínima garantida, que será paga a cada pessoa que não tivesse rendimento até um certo patamar, digamos 50.000 cruzeiros. A pessoa teria o direito de receber, na forma de taxação negativa, numa proporção de 50% sobre a diferença entre o seu rendimento e aquele patamar definido como mínimo, para que sempre houvesse o incentivo ao trabalho. Portanto, uma pessoa adulta que recebesse zero cruzeiro de renda teria direito a 50% de 50.000 cruzeiros, ou 25.000 cruzeiros. A pessoa que fazendo alguma atividade – e aí vem a dificuldade administrativa de saber – vendendo cachorro-quente ou fazendo serviço de limpeza, ganhasse 10.000 cruzeiros mensais, portanto, receberia 50% da diferença entre 50 e 10.000. Seu rendimento aumentaria de 50% de 40.000, passando de 10 para 30.000 cruzeiros. Assim, todas as pessoas adultas, cujos rendimentos não atingissem o patamar definido, independentemente de estarem trabalhando ou não, receberiam aquele complemento” (Suplicy, 1992: 21).
Em sua primeira versão, o projeto de renda mínima, apresentado ao Senado brasileiro por Eduardo Suplicy, inspirava-se na ideia de imposto de renda negativo, formulada pelo economista Milton Friedman, da Escola de Chicago, em seu livro Capitalismo e liberdade, de 1962. No capítulo sete de seu livro, no qual lida com o problema da pobreza, Friedman argumenta que sua proposta objetiva mitigar a pobreza, sem distorcer o funcionamento dos mecanismos de mercado (Friedman, 1984).
A despeito de seus nomes diferentes, o imposto de renda negativo e a renda mínima têm a mesma estrutura básica. Ambos partilham a preocupação de combater a pobreza e contêm um mecanismo objetivando encorajar seus potenciais beneficiários a procurarem emprego. Assim, estabelece-se uma linha de pobreza e sugere-se dar a cada indivíduo com uma renda abaixo dessa linha 50% da diferença entre a renda conseguida no mercado de trabalho e tal linha de pobreza. Se, por exemplo, a linha de pobreza é fixada em R$ 100 por mês e a pessoa tem uma renda mensal de R$ 40, ela receberia R$ 30, isto é, 50% da diferença entre R$ 40 e R$ 100. O objetivo é duplo. Em ambos os casos, a ideia de dar apenas 50% em vez da totalidade diferença, ou seja, R$ 30 em vez de R$ 60, é entendida como um mecanismo para impedir que pessoas preguiçosas evitem o mercado de trabalho.
Embora o projeto de renda mínima de Eduardo Suplicy visasse toda pessoa adulta com renda inferior à linha de pobreza, a despeito de estar empregada ou não, esse mecanismo de incentivo ao trabalho aparecia explicitamente em sua proposta. Na verdade, na proposta de Eduardo Suplicy, esse mecanismo é até mesmo reforçado. Se, no exemplo acima, o beneficiário que trabalha e tem alguma renda conseguida no mercado recebe 50% da diferença, os que não trabalham e não têm renda recebem apenas 30% da diferença. Dessa forma, mesmo considerando que os valores brutos recebidos por ambos possam ser do mesmo montante, a renda recebida pela pessoa que não trabalha equivale a uma porcentagem menor do valor estabelecido para a linha de pobreza.
Como economista e político, Eduardo Suplicy sabia muito bem que seu projeto seria criticado principalmente por seus colegas conservadores. Também parecia estar ciente dos possíveis contra-argumentos dos defensores de uma reciprocidade baseada na ideologia do trabalho. Nisso ele não estava errado, como mostram claramente as críticas que seu projeto recebeu durante os debates no Senado. A propósito, as palavras dos senadores José Eduardo Andrade Vieira e Beni Veras são bons exemplos. Durante o debate sobre o projeto de Eduardo Suplicy, Vieira afirmou que todos estavam de acordo que aqueles que trabalham merecem ganhar um salário suficiente para cobrir os custos com alimentação, vestimenta, educação e habitação, mas ele não podia ver como dar dinheiro àqueles que não trabalham, àqueles que não estavam aptos a produzir ou desempenhar uma atividade porque lhes faltava qualificação.
Os efeitos, segundo Andrade Vieira, seriam desastrosos: “Acho que todos concordamos que aqueles que trabalham, aqueles que têm uma profissão, aqueles que desenvolvem uma atividade seja no Rio Grande do Sul, seja no Rio Grande do Norte, no Acre ou no Espírito Santo, merecem um salário digno; merecem uma renda, fruto do seu trabalho, que lhes permita não só alimentar as suas famílias, mas vesti-las, educá-las, abrigá-las numa moradia decente, com água encanada, com luz, com aqueles confortos mínimos que o mundo moderno oferece aos seus cidadãos. Mas estender uma renda mínima àqueles que não trabalham, que não produzem, que, por razões de ordem educacional, não têm condições de desenvolver uma atividade que lhes permita um ganho adequado, acho que é uma temeridade, pelas conseqüências adversas que pode acarretar esse projeto” (Vieira, in Suplicy, 1992: 85).
A argumentação de Beni Veras tem o mesmo teor. Segundo Veras, para quem a inclinação natural da maioria das pessoas não é o trabalho, dar dinheiro a elas sem exigir uma contrapartida levaria à paralisia social: “As pessoas não são necessariamente boas ou más, mas a tendência delas não é o trabalho e o dinamismo. Há pessoas de várias naturezas, as que se motivam para o trabalho e as que, recebendo um seguro desse tipo, seriam estimuladas a cruzar os braços e a perder a iniciativa. Teríamos, portanto, muito breve, a possibilidade de uma sociedade anestesiada em sua iniciativa, pessoas que receberiam seguro-desemprego, perderiam completamente o estímulo a lutar pela vida. Essa questão deve nos preocupar, porque é uma verdade que pode comprovar nos países que adotaram sistemas semelhantes e tiveram uma diminuição da iniciativa das pessoas ao trabalho” (Veras, in Suplicy, 1992: 106).
Em outro momento do debate, Beni Veras também se mostrou preocupado com o financiamento da renda mínima. Esta última, segundo Veras, seria financiada apenas pelas pessoas que trabalham: “(O) que gera riqueza na sociedade é o trabalho porque ele agrega alguma coisa a mais, cria um valor adicional. Esse valor adicional pode ser utilizado pela sociedade como um todo para incentivar a iniciativa e o trabalho das pessoas. À medida que cedemos às pessoas recursos sem pedir delas uma contrapartida, há muita generosidade, soa muito bem ao nosso coração. Mas o que essas pessoas adicionam ao conjunto da riqueza da sociedade que possa ser uma riqueza de fato? Porque quando distribuímos a troco de nada, não estamos agregando nada à sociedade, que é quem vai pagar, no fim, toda a conta. Não há ninguém mais para pagar a conta senão os que trabalham, os que têm iniciativa, os que têm negócios, os que suam a camisa, os que trabalham o campo” (Veras, in Suplicy, 1992: 115).
Mas não podemos deixar de considerar que o próprio Eduardo Suplicy não estava livre da influência da mesma ideologia do trabalho. Ele estava sempre propenso a enfatizar sua preocupação em manter em seu projeto um mecanismo que impedisse as pessoas de escolher a indolência em vez do trabalho. Isto fica claro nas palavras citadas a seguir: “Uma importante vantagem, que há que se observar, é que sempre é conveniente trabalhar em relação à situação de não trabalhar” (Suplicy, 1992: 30). Por esta razão, argumenta Eduardo Suplicy, não há risco de alguns indivíduos evitarem o mercado de trabalho por causa da renda mínima; assim, segundo seu projeto, trabalhar tornar-se-ia automaticamente a preferência de todos.
Essa mesma preocupação ainda persiste em sua concepção mais recente sobre renda básica, apresentada em seu livro de 2002 sobre o tema: “A renda básica faz sempre valer o esforço do trabalho. Uma vez que a pessoa pode manter o valor integral de sua renda básica, quer esteja trabalhando ou não, ela com certeza estará numa situação melhor quando estiver trabalhando do que quando estiver desempregada” (Suplicy, 2002: 94).
Depois de um longo debate, o Senado aprovou uma versão modificada do projeto de renda mínima de Eduardo Suplicy. É interessante notar que ao modificar a proposta original, o Senado introduziu uma mudança que eliminava parcialmente o peso do mecanismo que incentivava as pessoas a procurar trabalho. A intenção dos senadores era reduzir o valor total dos pagamentos. Mas ao reduzirem o valor dos pagamentos aos beneficiários empregados de 50% da diferença entre a estabelecida linha de pobreza e o montante de dinheiro ganho por eles no mercado de trabalho para 30% dessa diferença, elas colocaram os que trabalhavam e os que não trabalhavam na mesma condição. Assim fazendo, eles inadvertidamente enfraqueceram o mecanismo original de incentivo ao trabalho.
O Senado brasileiro aprovou a versão modificada do projeto de renda mínima em 16 de dezembro de 1991, precisamente oito meses depois de Eduardo Suplicy tê-lo apresentado ao Senado. Daí, o projeto foi para a Câmara dos Deputados, permanecendo lá por quatro anos. Nesse meio tempo, projetos semelhantes foram apresentados à Câmara dos Deputados, mas nenhum deles conseguiu jamais ser aprovado. Embora a discussão de seu projeto de renda mínima não avançasse na Câmara, Suplicy continuou a refinar sua proposta, procurando preencher as eventuais lacunas, que foram reveladas durante os debates no Senado e em outros setores da sociedade.
A esse respeito, vale a pena lembrar que Eduardo Suplicy submeteu dois outros projetos ao Senado ambos com o objetivo de pavimentar o caminho para a implementação de sua proposta anterior. O primeiro pretendia estabelecer uma linha oficial de pobreza.[iii] A identificação e a medida da pobreza possibilitaria o planejamento de longo prazo para sua erradicação; ao mesmo tempo, permitiria estabelecer o patamar de onde começar a implementação da renda de cidadania. O segundo projeto procurava definir as fontes de financiamento da renda de cidadania.[iv] Assim, Suplicy pretendia responder a uma das principais críticas ao seu projeto de renda mínima, que se referia à falta de recursos para financiá-lo (Suplicy, 2002: 342-30).
No processo de reelaboração de sua proposta original, Eduardo Suplicy beneficiou-se tanto das experiências concretas quanto dos debates acadêmicos e políticos sobre o assunto. Nisso, pelo menos, sua luta foi bem-sucedida. Em 1995, o debate recebeu o impulso dos primeiros experimentos. Brasília, Campinas e Ribeirão Preto, três importantes cidades brasileiras, adotaram programas de renda mínima (Fonseca, 2001; Suplicy, 2002).
Apesar dos programas de renda mínima adotados desde 1995 nas três cidades, assim como em outras localidades, apresentarem importantes diferenças em relação à proposta original de Suplicy, dificilmente poderíamos imaginar tais experimentos sem fazer referência ao projeto de Suplicy. No entanto, enquanto a proposta de renda mínima de Suplicy estava dirigida a indivíduos, a maioria dos programas de renda mínima implementados em algumas cidades brasileiras se dirige a famílias com crianças em idade escolar, e são condicionados, entre outras coisas, à frequência dessas crianças à escola.
A mudança de foco do indivíduo para a família e o condicionamento do benefício à frequência escolar das crianças foram inspirados pelo economista José Marcio Camargo. Ele sugeria que o programa devia começar focalizando as crianças em idade escolar, em vez dos mais velhos como sugerido por Eduardo Suplicy. Em desacordo com a proposta de Eduardo Suplicy de começar a implantar o programa de renda mínima com os idosos, Camargo sustentava que a melhor solução para o problema da pobreza no Brasil seria um programa que complementasse a renda de todos os trabalhadores formais, desde que condicionado à frequência escolar de seus filhos. Para ele, esse novo foco poderia resolver o problema da informalidade, obrigando os empregados a exigir trabalho formal a seus empregadores, e ajudaria a escapar da armadilha da pobreza, incrementado a educação das gerações futuras (Camargo, 1992).
Ana Fonseca analisa essa mudança de foco do indivíduo para a família em seu livro de 2001, sobre família e a política de renda mínima (Fonseca, 2001). Para ela, essa mudança implicava uma perda da importante dimensão da universalidade, que era parte do projeto de Eduardo Suplicy. Ela argumenta que o indivíduo é um cidadão e que como tal tem o direito a uma renda. Por essa razão, a renda para o indivíduo contribui para expandir os direitos de cidadania. Ao focalizar em famílias com criança em idade escolar, os programas implementados em muitas cidades brasileiras perderam essa dimensão universal, a despeito de seu objetivo ser quebrar a armadilha da pobreza (Fonseca, 2001: 20).
A tendência da política social brasileira de focalizar a família em vez do indivíduo foi reforçada pelo Programa Bolsa Família, cujo objetivo foi unificar os diversos programas federais de transferência de renda. Embora a unificação dos diversos programas existentes represente um avanço para a política social, esse programa ainda é muito restritivo. Ele condiciona o benefício a um conjunto de contrapartidas, alcança um número limitado de beneficiários (somente pessoas em condições de extrema pobreza), e distribui aos beneficiários um montante muito pequeno de dinheiro.[v] A despeito dessas limitações, o próprio Eduardo Suplicy considera esse programa um primeiro passo na trajetória de implementação da renda básica.
As experiências concretas de programa familiar de renda mínima motivaram muitas pesquisas e debates, cujos resultados podem ser vistos na considerável literatura já existente sobre o assunto (Suplicy, 2002: 131). Além desses experimentos e do debate brasileiro sobre o assunto, a interação de Suplicy com a Basic Income European Network (BIEN) contribuiu muito para sua mudança de posição da renda mínima para a renda básica. Na verdade, os trabalhos de Philippe Van Parijs e de outros membros da BIEN foram de importância crucial para todo o debate internacional sobre o assunto. Eles contribuíram para transformar a renda básica num tema central da agenda social e política contemporânea. As atividades políticas e intelectuais de Eduardo Suplicy estão entre as principais contribuições a esse debate, mas isso não diminui a importância de suas conexões com a BIEN como provavelmente a mais importante fonte de influência para sua mudança de posição da renda mínima para a renda básica.
As principais diferenças entre renda mínima e renda básica podem ser assim resumidas. A renda mínima visa apenas as pessoas em condições de pobreza, que receberiam certo montante de dinheiro durante um período de tempo limitado[vi]; a renda básica visa todos os membros da sociedade, que receberiam um certo montante de dinheiro, suficiente para cobrir suas necessidades básicas com alimentação, educação e saúde.
Antes de completar esta seção, acho necessário lembrar que o Presidente Lula sancionou a lei que cria o Programa Bolsa Família um dia depois de sancionar a lei da Renda Básica. Acredito que por trás da adoção desse programa alternativo estava a intenção de reduzir a influência das ideias de Suplicy. Não se deve esquecer que no início de 2002, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) decidiu que Luis Inácio Lula da Silva seria seu candidato à presidência do Brasil, Eduardo Suplicy também apresentou seu nome como candidato alternativo.
Nessa época, na véspera da decisão do PT confirmando o candidato de sua escolha, Eduardo Suplicy publicou um artigo na imprensa no qual prometia, como futuro presidente, implementar a renda de cidadania já em 2005. Ele argumentava então que “a renda de cidadania será importante para simultaneamente ajudar o Brasil a combater a pobreza, elevar o nível de emprego, melhorar a distribuição de renda e assegurar maior grau de liberdade e dignidade a todas as pessoas” (Suplicy, 2002a: 3). Diferentemente da proposta de Eduardo Suplicy, a campanha de Lula enfatizava a busca do pleno emprego, além do programa Fome Zero. Embora a diferença entre eles pareça ser apenas a ênfase no emprego, ela é mais profunda do que parece à primeira vista.
Como mostrado acima, o projeto de Suplicy também pretendia combater o desemprego, mas não estava amarrado ao paradigma trabalhista do pleno emprego. Por essa razão, ele é mais sensível às mudanças tecnológicas contemporâneas e seus efeitos sobre o emprego. Ao propor uma renda básica incondicional, o projeto de Eduardo Suplicy também contribui para se repensar a relação entre cidadania e trabalho, colocando em questão o postulado segundo o qual a cidadania das pessoas pobres deve inevitavelmente estar condicionada a suas performances no mercado de trabalho.
2.
Para os objetivos deste artigo, a melhor forma de analisar a relação entre renda básica e a teoria da cidadania é começar com o conceito de cidadania de T. H. Marshall, uma vez que a dimensão social da cidadania se refere diretamente à reprodução material da sociedade (Marshall, 1965). Embora alguns autores prefiram, neste caso, o termo cidadania econômica, acredito que o conceito de cidadania social é mais apropriado para uma teoria sociológica. Por outro lado, escolher a teoria de T. H.Marshall justifica-se por sua forte influência nos estudos sobre processos de modernização, como se pode ver nos trabalhos de autores como Talcott Parsons (1967; 1971) e Reinhard Bendix (1996).
A teoria da cidadania de T. H. Marshall é formada pelos seguintes elementos distintos analiticamente: cidadania civil, cidadania política e cidadania social. Segundo T. H. Marshall, cada uma dessas dimensões da cidadania corresponde a um conjunto de direitos. A cidadania civil refere-se aos direitos necessários para a liberdade individual; a cidadania política refere-se aos direitos necessários ao exercício do poder político; e, por fim, a cidadania social inclui, além de segurança e bem-estar econômicos, o direito de partilhar da riqueza socialmente produzida, i. é., o direito a viver uma vida digna de acordo com padrões civilizados (Marshall, 1965: 78-9).
De acordo com T. H. Marshall, cada um desses três elementos da cidadania apareceu em um século diferente. Assim, ao analisar a cidadania na história britânica, ele relaciona a cidadania civil com o século dezoito, a cidadania política com o século dezenove e a cidadania social com século vinte. Embora T. H. Marshall não defenda uma prioridade lógica ou histórica no advento de cada um desses três elementos da cidadania, sua análise, baseada na experiência britânica, se generalizada pode alimentar concepções evolucionárias da cidadania (Mann, 1987).
Sua concepção de cidadania influenciou, dessa forma, diversos estudiosos dos processos de modernização societária. Parsons, por exemplo, uma das principais figuras da teoria da modernização, apóia-se na análise de T. H. Marshall, embora tenha a intenção de ir além desse último, como ele mesmo escreve no início de seu artigo sobre cidadania para os negros americanos: “gostaria de começar essa discussão com uma análise do significado do conceito de cidadania apoiando-me fortemente no trabalho de T. H. Marshall, embora tentando ir além dele em alguns aspectos” (Parsons, 1967: 423).
Em sua análise da evolução das sociedades europeias modernas, ao tratar do tema da cidadania, ele também adota o esquema evolucionário de T. H. Marshall. Reconhece novamente sua dívida a T. H. Marshall, ao escrever as seguintes palavras numa nota de rodapé: “toda a nossa discussão da cidadania deve muito ao trabalho de T. H. Marshall Class, Citizenship, and Social Development” (Parsons, 1971: 21). A despeito de sua crítica às teorias evolucionistas da cidadania, Bendix também baseia sua análise do desenvolvimento da cidadania nas sociedades europeias desde o século dezoito no esquema de T. H. Marshall (Bendix, 1996: 111).
A teoria de T. H. Marshall foi usada por José Murilo de Carvalho para estudar o desenvolvimento da cidadania no Brasil (Carvalho, 2001). Ao adotar a tipologia de T. H. Marshall para analisar o caso brasileiro, Carvalho conclui que no advento dos direitos de cidadania no Brasil há uma sequência diferente daquela identifica por T. H. Marshall para a Grã-Bretanha. Para José Murilo de Carvalho, a cidadania é um fenômeno histórico, que segue diferentes trajetórias de acordo com a história particular de cada país. Assim, ainda que, na tradição ocidental, países diferentes tenham o mesmo objetivo de alcançar uma cidadania plena, as diversas experiências históricas indicam a particularidade dos processos em cada um deles. Além disso, ele acrescenta que as experiências reais não são lineares e às vezes inclui regressões e desvios não previstos por Marshall.
Por isso, José Murilo de Carvalho afirma, que “o percurso inglês foi apenas um entre outros. A França, a Alemanha, os Estados Unidos, cada país seguiu seu próprio caminho. O Brasil não é exceção” (Carvalho, 2001: 11). Ao comparar o caso brasileiro com o da Grã-Bretanha, José Murilo de Carvalho identifica duas diferenças principais. A primeira é que no Brasil houve uma maior ênfase nos direitos sociais que nos outros direitos. A segunda diferença tem a ver com a sequência seguida pela história da cidadania no Brasil, na qual os direitos sociais foram os primeiros a se materializar. Segundo José Murilo de Carvalho, “como havia lógica na sequência inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da cidadania. Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte-americano, e de um cidadão brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa” (Carvalho, 2001: 12).
Embora sua análise não seja uma defesa da linearidade, o quadro que descreve da história dos direitos de cidadania no Brasil aparece com uma sequência invertida do caso inglês. Assim, no caso brasileiro, a cidadania iniciou-se com os direitos sociais, teve continuidade com os direitos políticos e finalizou-se com os direitos civis. Para ele, “a inversão da sequência dos direitos reforçou entre nós a supremacia do Estado” (Carvalho, 2001: 227). Essa supremacia do Estado, que é concebido quase como o único responsável pela implementação dos direitos sociais, ajudou a criar uma concepção passiva de cidadania (Carvalho, 2001: 126). Além do mais, ele argumenta que o alcance limitado da política social, beneficiando apenas grupos de trabalhadores urbanos, reforçou a visão dos direitos como privilégio (Carvalho, 2001: 114).
Wanderley Guilherme dos Santos, outro estudioso da emergência da cidadania no Brasil, formulou o conceito de “cidadania regulada” para explicar as particularidades deste país (Santos, 1994). Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, o conceito de cidadania regulada, aplicado na análise do tipo de cidadania que emergiu no Brasil depois de 1930, encontra sua substância no vínculo entre cidadania e ocupação. Em outras palavras, “a cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei” (Santos, 1994: 68). Na verdade, a política de Vargas pretendia consolidar o controle político sobre a força de trabalho.
Todavia, no contexto da década de 1930 no Brasil, quando muitos políticos consideravam a questão social um caso de polícia muito mais que de política, vincular cidadania à ocupação significava reconhecer que categorias inteiras de trabalhadores mereciam a proteção da lei. Em comparação com a situação anterior a 1930, esses direitos representavam um avanço no desenvolvimento da cidadania no Brasil, mesmo que fossem implementados pelo Estado. Além do mais, seria justo reconhecer que a implementação dos direitos sociais de cima para baixo resultou pelo menos em parte das antigas demandas do movimento dos trabalhadores, cuja luta por direitos sociais antecipou sua implementação pelo Estado. Um bom exemplo, a esse respeito, é a luta pela jornada de trabalho de oito horas durante as três primeiras décadas do século vinte (Silva, 1996).
3.
O vínculo entre cidadania e ocupação, ou mais precisamente entre cidadania e trabalho, é, todavia, bem mais que uma particularidade brasileira. Toda a arquitetura do Estado de bem-estar social (welfare state), incluindo sua concepção de cidadania social, não poderia ser compreendida sem esse vínculo com o trabalho. Os estudos sobre os sistemas de welfare state mostram claramente como os direitos sociais estavam condicionados à performance no mercado de trabalho. Apesar de cada país ter sua própria especificidade, todos os sistemas de welfare state fundamentavam-se na ideia de pleno emprego, isto é, na expansão da mercadorização da força de trabalho. Por essa razão, a crise do welfare state não pode ser separada da crise de desemprego (Gorz, 1983; Offe, 1985).
Provavelmente a mais importante contradição do welfare state reside precisamente no fato de a própria noção de direitos sociais consistir na relativa desmercadorização do trabalho, enquanto sua manutenção depende de seu oposto, ou seja, do aprofundamento da mercadorização da força de trabalho promovida pelo pleno emprego. Parece ser isso o que Gosta Esping-Andersen quer dizer quando afirma, num livro recente, que “o conceito de desmercadorização só tem relevância para indivíduos já inseridos completa e irreversivelmente na relação de assalariamento” (Esping-Andersen, 2000: 35).
Em sua tipologia dos sistemas de welfare state, desenvolvida em outro livro, Esping-Andersen classificou-os de acordo com seu grau de desmercadorização, começando pelo modelo anglo-americano, o mais fraco, passando pelo modelo franco-alemão, considerado médio, até chegar no modelo nórdico, considerado o mais forte. Quanto mais mercadorizado o modelo, mais o bem-estar dos cidadãos pobres depende de sua performance no mercado de trabalho, e vice-versa (Esping-Andersen, 1990).
A teoria da cidadania de T. H. Marshall tem sido muito importante para os estudiosos dos sistemas de welfare state. Foi com o Estado de bem-estar social que os direitos sociais ganharam proeminência, dando substância à moderna concepção de cidadania. A conquista desses direitos pelos movimentos sociais, e sua garantia pelo Estado, significava limitar a ação livre das forças de mercado e proteger a sociedade de seus efeitos destrutivos (Polanyi, 1944).
A lógica que impulsiona os direitos sociais é, portanto, a luta contra a lógica do mercado. Seu leitmotiv é a desmercadorização do trabalho: não a perversa desmercadorização causada pelo desemprego, mas aquela que dá suporte aos direitos de cidadania independentemente de o indivíduo estar empregado ou não. A renda básica de cidadania pertence a essa categoria de direito. Ora, nas atuais circunstâncias de persistente crise de desemprego em massa, incapacidade do mercado de trabalho de absorver as novas gerações de potenciais empregados, além da crescente massa de pessoas liberadas do trabalho pela revolução tecnológica e da chamada reestruturação produtiva, a possibilidade de retorno do pleno emprego parece longe de ser uma possibilidade real (Offe, 1995).
É por isso que o debate sobre a instituição de uma renda básica incondicional se torna tão importante para o futuro tanto de Estado de bem-estar social quanto para a cidadania social, e não apenas no Brasil.
*Josué Pereira da Silva é professor aposentado da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Sociologia crítica e a crise da esquerda (Intermeios).
Publicado originalmente em Josué Pereira da Silva. Por Que Renda Básica?, São Paulo, Annablume, 2014.
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Suplicy, Eduardo M. (2002a), “Um Brasil justo e civilizado”, in Folha de S. Paulo, 17/03/2002, p.3.
Unger, Roberto M. & Bacha, Edmar L. (1978), Participação, Salário e Voto: um projeto de democracia para o Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Brasil: Lei No. 10.835, de 8 de janeiro de 2004: Institui a renda básica de cidadania e dá outras providências. (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2002-2006/2004/Lei/L10.835.htm).
Brasil: Lei No. 10836, de 9 de janeiro de 2004: Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2002-2006/2004/Lei/L10.836.htm).
Notas
[i] Segundo Gosta Esping-Andersen, desmercadorização consiste no esforço para reverter o processo de mercadorização levado a efeito pelo capitalismo: “O florescimento do capitalismo veio com o enfraquecimento da proteção social pré-mercadorizada. Quando a satisfação das necessidades humanas passou a implicar a compra de mercadorias, o problema do poder de compra e da distribuição de renda se tornou saliente. Quando, porém, a força de trabalho também se tornou uma mercadoria, o direito das pessoas de sobreviver fora do mercado está em risco. É isto que constitui a questão conflituosa central da política social. O problema da mercadorização jaz no coração da análise de Marx do desenvolvimento das classes no processo de acumulação: a transformação de produtores independentes em assalariados sem propriedade. A mercadorização da força de trabalho implicou, para Marx, em alienação” (Esping-Andersen, 1990: 35). Para outra abordagem recente das mudanças contemporâneas no capitalismo, com ênfase no aprofundamento desse processo de mercadorização, ver o livro de Jeremy Rifkin The Age of Access, do qual cito as seguintes palavras: “A característica distintiva do capitalismo moderno é a expropriação e transformação de várias facetas da vida em relações comerciais. Terra, trabalho humano, tarefas de produção e atividades sociais que antes ocorriam em unidades familiares foram absorvidas pelo mercado e transformado-as em mercadorias. Ademais, enquanto o comércio estava vinculado a transações discretas entre vendedores e compradores, a mercadorização estava limitado no espaço e no tempo tanto à negociação quanto à transferência de bens ou ao tempo gasto na performance de services. Todo o tempo restante ainda estava livre do mercado ou não subordinado a considerações de mercado. Na emergente economia imaterial, as forces das redes impulsionam todo o tempo livre remanescente para órbita commercial, tornando cada instituição e cada indivíduo em cativo de uma ‘comercialidade’ totalmente pervasiva’”(Rifkin, 2000: 96-97).
[ii] Ao falar sobre desmercadorização, Esping-Andersen afirma que “o conceito se refere ao grau a que os indivíduos ou famílias podem manter um padrão de vida socialmente aceitável independentemente de participação no mercado” (Esping-Andersen, 1990: 37).
[iii] Projeto de lei do Senado no. 2661, de 2000.
[iv] Projeto de lei do Senado no. 82, de 1999.
[v] Esses valores foram corrigidos diversas vezes, mas continuam muito baixos.
[vi] Ver capítulo 5 deste livro para mais detalhes sobe o Programa de Garantia de Renda Mínima.
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