Sionismo na América Latina

Imagem: Frank Barning
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MARTÍN MARTINELLI*

O sionismo é utilizado na América Latina como instrumento para tentar exercer a dominação dos EUA e fragmentar uma possível unidade latino-americana

Um dos objetivos do binômio Israel e Estados Unidos é a influência política, econômica, midiática e cultural do sionismo na América Latina. O sionismo é utilizado na América Latina como instrumento para tentar exercer a dominação dos EUA e fragmentar uma possível unidade latino-americana, região que considera o seu “quintal”. O militarismo, os negócios e a ideologia do sionismo fortaleceram as relações com os governos de direita da América Latina.

Atualmente, com apoio a governos de extrema direita, pretendem impedir o aumento da influência da China, da Rússia e dos BRICS+ (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, este ano aderiram Arábia Saudita, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos).

Há também casos de países com maior soberania ou que rejeitam mais explicitamente estas influências.

Sionismo, judeofobia e imperialismo

A “política de perseguição” de Israel face à alegada judeofobia, que existe, tem sido usada como arma para obstruir todas as críticas à política externa israelita e aos palestinos. Por exemplo, a declaração da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) tenta equiparar as críticas ao sionismo e à sua política externa belicista com opiniões negativas sobre o judaísmo.

Por esta razão, é necessário distinguir o que seriam posições antijudaicas de posições anti-sionistas e anti-Israel. A primeira posição é racista, a segunda é anticolonial e a terceira seria algo semelhante a uma perspectiva antiamericana, no sentido de que expressa uma rejeição genérica ao imperialismo encabeçado por aquela potência.

Como explica Michel Prior em seu livro A Bíblia e o colonialismo. Uma crítica moral, desde a sua concepção no final da década de 1890, o sionismo coincidiu em vários aspectos com os nacionalismos e colonialismos europeus do século XIX. Acompanhou as ações colonialistas e imperialistas do Reino Unido em relação ao Médio Oriente (para evitar a sua unificação) e em detrimento do desenvolvimento da América Latina até meados do século XX.

Desde a década de 1970, Israel é um país que podemos chamar de co-imperial, que atua em linha com as prioridades geopolíticas do imperialismo norte-americano. Para tanto, colabora na pressão financeira e junto às embaixadas dos EUA na América Latina.

O sionismo apoiou golpes de estado, apoiou a imposição neoliberal e apoia a actual tentativa americana de recuperação da ascensão de outras potências.

A interferência do sionismo nas ditaduras da América Latina

Um dos espaços através dos quais o militarismo do sionismo permeia as suas ideias é através dos meios de comunicação. Vários meios de comunicação latino-americanos representam um endosso da extrema direita às políticas de Israel apoiadas pelos Estados Unidos, ao mostrarem notícias e imagens sobre o Médio Oriente descontextualizadas com a consequente desumanização dos palestinos, que agiriam sem discernimento ou motivos.

Outra é que, historicamente, Israel treinou e vendeu armas a forças militares ou estatais, como nas ditaduras do Paraguai (1954-1989), Guatemala (1963-1966 e 1982-1985), Chile (1973-1990) e Argentina (1976-1983), Equador (1976-1979), Nicarágua (1937-1979), El Salvador (1931-1979 e a guerra civil até 1992).

Além disso, acompanhou esta política imperialista com imposições neoliberais em ação conjunta com os Estados Unidos.

Isso foi investigado por Israel Shahak no livro O Estado de Israel armou as ditaduras da América Latina, no qual detalha a atuação de Tel Aviv nas ditaduras latino-americanas. Ele destaca como lhes forneceu armas nas décadas de 1970 e 1980, e cita comentaristas europeus: “Essas pessoas (mulheres, meninas, freiras, padres) caíram sob as balas da Uzi, a Galil; “Esta aldeia foi bombardeada por aviões Arava construídos em Israel.”

Também no jornal El País da Espanha, Julio Huasi em 1983 referiu-se a uma Cúpula em Nova Delhi sobre a interferência militar israelense na América Latina, onde afirmou: “A interferência militar de Israel na América Latina, por acordo expresso com os Estados Unidos, foi condenada pelos cem membros do Movimento dos Não-Alinhados (NAM) […] As vendas de armas e a formação fornecida pelos conselheiros de Tel Aviv aos regimes militares da América Latina são atualmente estimadas em cerca de três bilhões de dólares”.

Ideologia e sionismo na extrema direita recente na América Latina

O sionismo está em estreita relação com governos de extrema-direita e aqueles estabelecidos através dos chamados golpes suaves (ou guerra jurídica) e perseguições políticas.

Exemplo disso são os casos Lava Jato no Brasil, ligados ao golpe de Estado contra Dilma Rousseff e a prisão de Lula da Silva, ou os processos abertos contra Rafael Correa no Equador e contra Cristina Fernández de Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, ou Pedro Castillo no Peru.

Os governos de extrema direita estabelecidos através destas manobras políticas procuraram apoio em Israel e nos Estados Unidos. O governo ditatorial de Jeanine Áñez na Bolívia (2019-2020) pediu contribuições israelenses para “combater o terrorismo de esquerda”.

Desta forma, a influência do sionismo na América Latina é mantida através do militarismo. Israel continuou a treinar as forças repressivas na região, especialmente durante os governos mais conservadores. Israel é o décimo maior exportador de armas do mundo – e tecnologia de espionagem como a aplicação Pegasus – e o nono maior importador.

Ideologicamente, isso pode ser visto na forma como colaborou no estabelecimento do neoliberalismo, nas suas estreitas relações com as ditaduras e com os governos de direita que as deram continuidade. Os principais representantes, Jair Bolsonaro no Brasil e Javier Milei na Argentina, procuram distanciar-se da influência chinesa e russa e aliar-se aos Estados Unidos e a Israel.

O sionismo na América Latina é um elemento inseparável da Doutrina Monroe dos Estados Unidos. Ou seja, tentar dominar “a América (o continente) para os americanos (americanos)”, e considerar o centro e o sul deste continente, de forma depreciativa, o seu “quintal”.

Martín Martinelli é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidad Nacional de Luján (Argentina).

Publicado originalmente no portal TRT español.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A desqualificação da filosofia brasileirafilosofia brasileira 25/12/2024 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: Em nenhum momento a ideia dos criadores do Departamento de Filosofia da USP foi formar única e exclusivamente leitores e intérpretes de texto filosófico europeu, mas foi o que acabou acontecendo
  • A faca no pescoçopexels-minan1398-694740 19/12/2024 Por MARILENA DE SOUZA CHAUI; LUÍS CÉSAR OLIVA & HOMERO SANTIAGO: Reflexões sobre o novo modelo de pós-graduação das universidades públicas paulistas.
  • A sociologia da ficção científicaCultura_ 22/12/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: A Ficção científica é o gênero literário que talvez mais nos faça pensar em saídas para problemas possivelmente insolúveis
  • Nota sobre o ataque especulativoJoão Carlos Brum Torres 20/12/2024 Por JOÃO CARLOS BRUM TORRES: A disparada do dólar é um ataque especulativo do mais poderoso dos atores políticos do Brasil, o partido do mercado, cujo objetivo é impedir que o atual governo venha a haurir qualquer reconhecimento pelo excelente momento da economia
  • A chantagem do andar de cimaandar de cima 20/12/2024 Por LEDA PAULANI: Campos Neto cumpriu com bravura covarde sua missão pusilânime de iniciar o movimento de reversão das expectativas positivas que se desenhavam para o cenário econômico sob o governo Lula
  • O pobre de direita e a miséria da sociologiadireita 20/12/2024 Por RENATO NUCCI JR. & LEONARDO SACRAMENTO: O termo pobre de direita é um meio de segmentos da esquerda se livrar da responsabilidade que têm pela situação política e social que nos encontramos
  • Quem critica o governo ajuda o fascismo?elenira_vilela 18/12/2024 Por ELENIRA VILELA: Há uma esquerda que gosta de se autoproclamar revolucionária e radical, mas que é apenas sectária e coloca sua auto construção como projeto estratégico
  • Seria possível uma transição gradual ao socialismo?Valério Arcary 25/12/2024 PorVALERIO ARCARY: Para as correntes marxistas que excluíram a hipótese de uma transição gradualista, que tinha um enfoque mais politicamente evolucionista que econômico, o problema teórico permanecia colocado
  • Realismo neoliberalDennis de Oliveira_edited 21/12/2024 Por DENNIS DE OLIVEIRA: O embate ideológico entre defesa do capital e luta contra o capital se reduz a quem defende só os ricos ou quem se preocupa com a pobreza
  • A cultura dos juros altosLuiz Carlos Bresser-Pereira 19/12/2024 Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: A economia brasileira está presa em círculo vicioso da quase estagnação

Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES

Assine nossa newsletter!
Receba um resumo dos artigos

direto em seu email!