Uma crise fabricada

Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva/ Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil
image_pdf

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

Lula será candidato forte à reeleição em 2026. E seus indicados terão maioria folgada no Banco Central de janeiro de 2025 em diante. Os adversários estão inquietos e fabricam crises

O que provocou a turbulência no mercado financeiro e na mídia nas semanas recentes? Criou-se uma sensação de “crise”. Os desavisados devem ter pensado que estávamos ou estamos à beira de um abismo. A onda especulativa já arrefeceu, mas vale a pena discutir o que a desencadeou.

Afinal, houve motivos para tal nervosismo nos mercados cambial e financeiro, em especial para a alta do dólar? Creio que sim. Não foram, porém, primordialmente econômicos – e sim políticos. Os resultados econômicos e sociais do governo Lula estão entre bons e razoáveis. Veja-se, por exemplo, o crescimento do PIB, a inflação, o mercado de trabalho, os indicadores de pobreza, o balanço de pagamentos.

Quanto ao propalado “risco fiscal”, as informações disponíveis não sugerem de forma alguma que o Brasil venha caminhando para um colapso das contas governamentais. Aliás, as expectativas de mercado em relação ao déficit público (primário e total), assim como em relação aos demais indicadores macroeconômicos, praticamente não se mexeram no passado recente.

Menciono dois fatores de ordem principalmente política que ajudam a entender a instabilidade recente no sistema financeiro. E que nos autorizam a dizer, acredito, que a “crise” foi em larga medida fabricada.

As eleições de 2026

Primeiro fator: nos últimos meses, ficou evidente que Lula pretende disputar e será um candidato forte à reeleição em 2026. A tradicional direita neoliberal, que controla o sistema financeiro e a mídia, não vê isso com bons olhos, para dizer o mínimo.

Vou ser mais claro. Não vamos nos iludir. Boa parte dessa direita – que tem a cara-de-pau de se apresentar como “centro” – nutre ódio a Lula e à centro-esquerda. Senão ódio, desprezo. Senão desprezo, profunda desconfiança e rejeição. Ela constitui um agrupamento pernicioso, de gente reacionária, mentalmente estreita e profundamente antinacional. O perigo para o Brasil está também nessa gente, e não apenas na ultradireita bolsonarista.

Infelizmente, diga-se de passagem, o governo Lula está infestado de neoliberais, alguns bem militantes, o que explica a sua dificuldade de avançar. A “Arca de Noé”, montada por Lula em 2022, tem o seu preço – e não é pequeno. Apesar disso, ele tem conseguido significativos resultados econômicos e sociais, o que deixa os adversários ainda mais alarmados.

O presidente da República tem dado muitos sinais de paz e tomado decisões conciliatórias. Perfeitamente compreensível. É um jogo que ele joga bem. Mas com que resultado nesta temporada política? Fica às vezes a sensação de que o seu esforço de conciliação possa estar sendo visto como indício de fraqueza. Apesar dos esforços de pacificação, a execrável plutocracia local continua militantemente contra o governo, buscando toda e qualquer oportunidade para atacá-lo.

Como se sabe, a direita tradicional tem muito poder – político, financeiro e midiático. Mas sofre de um pequeno problema: não tem votos para vencer eleição presidencial. Gostaria de viabilizar uma candidatura de “terceira via” para 2026, mas percebe provavelmente que será muito difícil. Uma opção mais viável para ela seria construir uma “Arca de Noé” pela direita com Tarcísio de Freitas como candidato.

A ideia é combinar os votos de Jair Bolsonaro com um candidato mais amplo e aparência um pouco mais “civilizada”. Os liberais de quinta categoria da direita tradicional não teriam nenhum escrúpulo em se aliar de novo com o bolsonarismo. Os seus porta-vozes mais chinfrins já clamam em público por um “bolsonarismo moderado”.

Portanto, o que se procura, desde logo, é enfraquecer e manietar Lula para que ele chegue desidratado à próxima eleição presidencial – de preferência com cara de terceira via. Um Lula fraco, com jeito de terceira via, poderá ser derrotado. Ou, no mínimo, forçado a negociar com a direita tradicional, ou parte dela, nova frente ampla que mantenha um eventual Lula 4 nessa mesma condição atual de parcialmente bloqueado e cerceado na sua capacidade de promover mudanças.

A sucessão no Banco Central

Mas há um segundo fator por trás da “crise”. E mais imediato do que 2026. Trata-se da escolha por Lula de quem exercerá a presidência do Banco Central. Até o final do ano, o presidente da República terá de escolher não só o presidente, como também dois novos diretores para o Banco Central. Os indicados de Lula no Comitê de Política Monetária terão maioria folgada a partir de janeiro de 2025.

Consequência? A turma ou melhor turba da bufunfa ficou na espreita e, no momento que julgou adequado, tratou de providenciar uma turbulência econômica, com a ajuda prestimosa de Roberto Campos Neto. Para quê? Para tentar intimidar o presidente da República e o ministro da Fazenda. A mídia corporativa, em sua maior parte um mero puxadinho da Faria Lima, entrou em campo com alertas dramáticos.

Armínio Fraga, um funcionário do status quo, veio a público ameaçar o presidente da República com um “fiasco político” e uma grave crise caso erre na escolha do novo presidente do Banco Central. Edmar Bacha, outro funcionário do status quo, disse textualmente: “Lula tem que se comportar”. Veja só, leitor ou leitora, a imensa arrogância dessa gente (estava para escrever “corja”, mas me contive).

Querem mesmo é que Lula indique um deles para o cargo. Alguém tipo Henrique Meirelles, ou o próprio Armínio Fraga, ou tipo Ilan Goldfajn, para mencionar apenas alguns nomes do longo rol de fiéis serviçais do capital financeiro. Não sendo isso possível, aceitam que seja indicado alguém cooptável.

Nesse momento, já há quatro indicados por Lula na diretoria do Banco Central. Andam bem mansos, no geral. Nada dizem, nada fazem – até onde se pode perceber. Acredito que estejam envolvidos em um cauteloso movimento tático, esperando o não tão distante janeiro de 2025.

Espero que seja mesmo apenas tático. De janeiro em diante, o jogo tem de mudar. Evidentemente, ninguém vai dar um cavalo-de-pau numa instituição da complexidade do Banco Central. Mas não pode ser mais do mesmo.

O Banco Central tem funções da maior importância – conduz a política monetária, emite moeda, supervisiona e regula o sistema financeiro, integra e secretaria o Conselho Monetário Nacional, administra as reservas internacionais do país, funciona como emprestador de última instância em períodos de crise financeira sistêmica, entre outras. Não deve, portanto, ser conduzido de forma independente do resto do governo e da política econômica – e alinhado apenas com o lobby financeiro privado.

É importante acertar na escolha do presidente e dos dois novos diretores. O futuro presidente do Banco Central deve ser, na minha modesta opinião, alguém não só com conhecimento e experiência, como também muito próximo do presidente da República. Assim, ficará mais viável estabelecer a indispensável sintonia entre a política monetária e o resto da política econômica.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa)[https://amzn.to/44KpUfp]

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 12 de julho de 2024.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES