Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*
Uma seleção de filmes sobre padrões impostos por uma sociedade patriarcal e a luta das mulheres por direitos, com a indicação da plataforma em que estão disponíveis
Levantes: a marcha das mulheres
Sátira e contestação
Mulheres Perfeitas (2004) – dir.: Frank Oz. Refilmagem de As Esposas de Stepford (1975), dir.: Brian Forbes. Uma sátira de terror à suburbanização da classe média americana do pós-guerra, modelo de conformismo e uniformidade, sendo sua marca a transformação das esposas em robôs impecáveis. YOUTUBE
Virada no Jogo (2011) – dir.: Jay Roach. Divertidíssima ficção sobre a campanha republicana de John McCain para a Presidência dos Estados Unidos em 2008, focalizada na candidata à vice-presidência Sarah Palin. Ensaio-geral para outro candidato populista de direita que viria logo depois. Sarah Palin, felizmente, era boa de comício, mas ruim de voto – o que, infelizmente, não aconteceria com esse outro, que se elegeu. Ela, que cometia desastre sobre desastre, ainda era contida por McCain, que a admoestou para parar de dizer que Barack Obama, contra quem concorriam, era um “terrorista muçulmano”. Era esse tipo de coisa que ela fazia, leve prenúncio do que viria depois, em campanha republicana vitoriosa. Humor negro e instrutivo.
Shirley Valentine (1989) – dir.: Lewis Gilbert. Filme inglês em que uma modesta dona de casa expõe suas frustrações, numa vida medíocre ao lado do marido embrutecido, que não lhe dá a mínima atenção, e dos filhos egoístas. Uma amiga a convida para uma excursão gratuita à Grécia, onde, em meio a um cenário deslumbrante, ela vai descobrindo o que é liberação. YOUTUBE Irina Palm (2007) – dir.: Sam Gabarski. Uma avó faz qualquer coisa para fornecer ao neto, acometido de uma doença rara, os recursos para comprar um medicamento caríssimo. Só consegue emprego numa boate de stripper, onde ficará famosa pelo trato manual que, escondida atrás de um tabique, dá aos fregueses. É assim que conquista o apelido, que é um galardão, do título. YOUTUBE
Um Número Muito Quente (2011) – dir.: Markus Goller. Três pacatas provincianas alemãs, com seu mercadinho à beira da falência, criam um Sex Phone e resolvem vender brinquedos eróticos. E ganham muito dinheiro, apesar das dificuldades de se manterem clandestinas num lugar pequeno.
Ricki and The Flash – De Volta Para Casa (2015) – dir.: Jonathan Demme. Meryl Streep em mais uma espetacular atuação, como uma roqueira de meia-idade que abandonou marido rico e filhos para entregar-se a uma carreira medíocre, mas que a realiza pessoalmente. Como ganha-pão, é caixa num supermercado. Sua banda toca em lugares baratos, bares e churrascarias. Penteado excêntrico, com cortina de cabelos louros de um lado e três tranças longas do outro. Muita maquiage, piercings e tatuagens, entre elas a bandeira americana nas costas, roupas pretas de couro e botas. Ela, o namorado guitarrista e os velhos da banda não ligam para dinheiro.
Proibido Homens (2015) – dir.: Mark Sawers. Este divertidíssimo filme canadense apresenta uma utopia sem homens, na qual o sexo masculino se extinguiu naturalmente: a própria natureza se encarregou de obsoletizá-lo, sem qualquer violência. Finge ser um documentário e os depoimentos dos homens consternados são de morrer de rir: a seu ver, as mulheres no poder conseguiram paz mundial e bem-estar para todos, objetivos desprezíveis porque bom mesmo é guerra etc.
Eu Não Sou Um Homem Fácil (2018) – dir.: Eléonore Pourriat. Comédia francesa que explora a inversão de papeis, desde o título. Um dia, o protagonista acorda numa realidade paralela, em que vigora o matriarcado. Daí em diante, tudo está ao contrário, e ele próprio numa posição subalterna, sujeito a todos os estereótipos que antes eram aplicados às mulheres. NETFLIX
Toilet (2017) – dir.: Shree Narayan Singh. Divertido filme indiano que, ao modo de Lisístrata de Aristófanes, mostra greve de recém-casada ao descobrir que a casa da família do marido, em que vai morar, não tem banheiro. Os homens usam o quintal e as mulheres o mato nos arredores da aldeia à noite, onde os homens as espionam e molestam, debochando delas. Isso sem falar que têm que se segurar o dia todo… A rixa do casal que se ama vai pondo a nu as desigualdades tremendas da Índia ainda hoje, e mesmo na casta brâmane a que ambos pertencem. Tudo conspira contra as mulheres, porque a presença de um banheiro feminino na casa implicaria sacrilégio e profanação, pois elas são impuras por natureza, como decretam os livros sagrados. NETFLIX
Breves Diálogos com Homens Horríveis (2006) – dir.: John Krasinski. Que não se perca por falta de originalidade. O filme procura reproduzir, em ficção, o livro de David Foster Wallace de mesmo título. Uma moça sai pedindo depoimentos (fictícios) a alguns homens sobre suas relações com as mulheres, registrando-os no que será este filme. Inteligente, irreverente e hilário. E os homens que entrevista são mesmo horríveis! YOUTUBE
Reflexões
Mulher (2017) – Extraordinário documentário, feito por uma mulher, Anastasia Mikova, que entrevistou e filmou 2 mil mulheres mundo afora, em cinquenta países. Apresenta uma pequena seleção com cada uma em separado, quadro por quadro, frontalmente, dizendo alguma coisa para a câmera; também podem ficar caladas. Sem apelar para exotismo de National Geographic, mostra mesmo mulheres fora de esquadro: índias, negras, tibetanas, exóticas de todo tipo – demonstrando pela imagem como são semelhantes, com problemas semelhantes. O fotógrafo é o ambientalista francês, que já dirigiu Human (2015), Yann Arthus-Bertrand, que é o idealizador do projeto e o compartilha agora com a cineasta. TELECINEPLAY
Uma Canta, a Outra Não. L´une chante, l´autre pas (1977) – dir.: Agnès Varda. Feminista a vida toda, esta cineasta de originalíssima obra foi signatária do Manifesto das 343, em que as mulheres francesas vieram a público reivindicar a legalização do aborto, em apoio à campanha liderada por Simone Veil, ministra da Saúde. E, entre outras maravilhas, fez esta ficção sobre o aborto. TELECINEPLAY
Aborto: Histórias Contadas por Mulheres (2016) – dir.: Tracy Droz Trago. Excelente documentário da HBO. Dirigido por uma mulher, mostra as complicações que cercam a decisão de abortar. E isso mesmo num país como os Estados Unidos onde o aborto é legal desde 1973, quando a Suprema Corte legislou no célebre pleito Roe vs. Wade. Ainda assim todo tipo de dificuldade é posto no caminho do exercício de um direito de todas as cidadãs pela sociedade, pelos políticos com objetivo eleitoreiro e pelos religiosos. É sempre, por isso, uma causa em risco. YOUTUBE
Half the Sky (2012) é um documentário de quatro horas, apresentado pelo Canal Home & Health, sobre a violência contra a mulher, em vários países do mundo. Cada país recebe uma estrela de Hollywood para discorrer sobre os problemas locais, entre elas Meg Ryan, Gabrielle Union, Diane Lane, America Ferrera, Eva Mendes, Olivia Wilde. Os países vão do Camboja à Índia, passando por Paquistão, Somália, Vietnã, Nigéria. São horrores sobre horrores, desde a mutilação genital até o tráfico sexual de crianças. YOUTUBE
She’s Beautiful When She´s Angry (Ela fica linda quando está brava) (2014) – dir.: Mary Dore. Precioso filme que resgata o movimento feminista dos anos 1960 e 1970, ou Segunda Onda. Estuda a origem de organizações importantes que surgiram nesta época, como a NOW, ou National Organization for Women. Dedica-se a filmar e fazer falar as feministas, pesquisa as organizações e documenta as mais importantes manifestações públicas e de massa. Notável trilha sonora, com Janis Joplin, Aretha Franklin, Velvet Underground e muitos outros da época. YOUTUBE
Questão de Vida (2005) – dir.: Rodrigo Garcia. O futuro diretor do impressionante Albert Nobs (ver abaixo), e filho de Gabriel Garcia Márquez, filma nove fragmentos ou sequências de ficção, cada uma contando a história de uma mulher, frequentemente sem desenlace, cada uma expondo seus problemas. Atrizes extraordinárias, como Glen Close. Um experimento formal interessantíssimo. E ele se firma como diretor “de mulheres”. YOUTUBE
Albert Nobbs (2011) – dir.: Rodrigo Garcia. Percurso de uma mulher que passa a vida vestida de homem. Na miséria e impedida por seu sexo de encontrar emprego, torna-se garçom e camareiro num hotel de Dublin no século passado. O filme mostra como Albert Nobbs viveu e morreu. Desempenho extraordinário da grande atriz Glen Close, paralisada e engessada na negação de seu corpo, onde só os olhos se mexem. Isso é que é violência contra a mulher. LOOKE
Perder a Razão (2012) – dir.: Joachim Lafosse. Premiadíssimo filme belga. A descida de uma mulher aos infernos, a partir do casamento e de um filho atrás do outro até totalizar quatro, mais marido e sogro em cuja casa vivem. Aos infernos e à loucura, até levar a atos inomináveis. Maravilhoso, mas, apesar de muito discreto, sem brutalidade e sem gritaria, difícil de assistir. Suspense incrível, o espectador sente que algo terrível vai acontecer.
Alice Guy-Blaché – A história não contada da primeira mulher cineasta do mundo (2018) – dir.: Pamela B. Green. Como de costume, as mulheres são invisibilizadas, como é o caso de Alice Guy-Blaché na França: só se sabe de Méliès, mas ela foi anterior a ele, e fez cerca de 1.000 filmes de ficção, começando em 1895. Documentário com material de arquivo e interessantíssimas entrevistas. TELECINEPLAY, NOW
*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Senac/Ouro sobre azul).
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Publicado originalmente na revista Teoria e debate.