A Comuna de Paris – uma recuperação memorial

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por NILDO VIANA*

Considerações sobre a recepção da primeira tentativa de revolução proletária da história.

A Comuna de Paris foi um acontecimento histórico extraordinário por ter sido a primeira tentativa de revolução proletária da história. Assim, a maioria daqueles que se dizem defensores da luta pela transformação social rememoram a Comuna. Muitos destes buscam comemorar e rememorar a Comuna de Paris, assim como aqueles que são conservadores buscam esquecê-la ou recuperá-la. Existe uma verdadeira luta pela memória social em relação à Comuna de Paris e ela se torna mais forte a cada dez anos, tal como ocorre com os grandes acontecimentos históricos considerados revolucionários[i]. Assim, enquanto acontecimento memorável para muitos, que alguns buscam esquecer, ela é comemorada e rememorada sob várias formas.

A Comuna de Paris é vítima da adaptação memorial através da recuperação, assim como é reconstituída historicamente em alguns casos. Porém, geralmente a Comuna é transformada em algo que ela não é. Ela se transforma em lenda, fábula, ficção. E inclusive alguns fabricantes de ficções sobre a Comuna ainda podem escrever dizendo que seus adversários (muitas vezes imaginários) criam “mitos” sobre ela. Na maior parte dos casos o que ocorre é uma recriação imaginária da Comuna de Paris. Esse processo é complexo e revela uma verdadeira luta pela memória da Comuna, que é parte de algo mais amplo, a luta cultural entre as classes sociais na sociedade moderna.

Isso mostra a importância de analisar a luta pela rememoração da Comuna de Paris. O que foi a Comuna de Paris? Essa é uma questão fundamental, mas ao invés da Comuna como ela realmente foi, temos recriações imaginárias da mesma, ao lado de rememorações que aparentemente são “interpretações científicas”, busca de esquecimento, etc. O nosso objetivo aqui será realizar uma discussão geral sobre a luta pela rememoração da Comuna e destacar as recriações imaginárias da primeira experiência histórica de autogestão proletária através da recuperação memorial que é efetivada sobre ela.

A Comuna de Paris entre o Passado e o Presente

Em 1871 ocorreu o fenômeno histórico, concreto, da Comuna de Paris. A sua existência foi produto de processos sociais que apontam para diversas determinações, envolvendo não apenas milhares de indivíduos, mas também países, concepções políticas, organizações, etc. Ela foi um momento de radicalização da luta de classes e, nesse contexto, milhares de indivíduos lutaram e morreram por ela ou contra ela. Alguns acontecimentos que formaram o conjunto de processos sociais que foi a Comuna de Paris foram registrados. Os jornais da Comuna, algumas fotos, cartas, documentos diversos (tal como os arquivos da polícia), ainda existem e podem ser consultados. Existem também os testemunhos dos comunardos e outros indivíduos que participaram deste evento histórico. Quando os comunardos escreveram os textos que compuseram os jornais da Comuna, entre outros, bem como eles deram seu testemunho através de artigos, livros, autobiografias, etc., eles exteriorizam as suas recordações, transformando-as em rememorações[ii].

Assim, poderíamos retomar a distinção historiográfica entre “fonte primária” e “fonte secundária”. A rememoração como reconstituição histórica do que foi efetivamente a Comuna de Paris deveria partir, fundamentalmente, de fontes primárias. Contudo, seria ingenuidade pensar que isso é suficiente (ou que seria impossível realizar tal reconstituição via fontes secundárias). É preciso analisar criticamente as fontes primárias e as fontes secundárias são complementares e importantes no processo analítico[iii], bem como distinguir entre as diversas fontes e seu significado no contexto do acontecimento. Porém, a maioria dos intérpretes da Comuna realizam uma rememoração que não possui preocupação teórica e metodológica e nem realizam análises mais profundas, especialmente ativistas políticos, principalmente na contemporaneidade.

O que interessa, no entanto, é que a Comuna de Paris foi um conjunto de acontecimentos que ocorreu efetivamente e envolveu milhares de indivíduos (com posições, interesses, objetivos distintos), ideias (mais ou menos claras, mais ou menos desenvolvidas, sendo algumas opostas ou até antagônicas), ações, organizações, etc. Essa experiência histórica teve um significado. Ela expressou mudanças reais na sociedade e uma vez que foi derrotada deixou exteriorizado o que ela efetivamente foi. Porém, a rememoração pode ser resgate memorial, que reconstitui o acontecimento tal como ele ocorreu, ou pode ser recuperação, adaptação memorial que é mais invenção do que realidade.

As rememorações, portanto, são perpassadas por perspectiva de classes, interesses e concepções de indivíduos, grupos, organizações, e são determinadas por paradigmas, ideologias, doutrinas, concepções, interesses, valores, que são os do presente de quem rememora. A memória, como consciência latente do passado, é um imenso arquivo no qual buscamos reconstituir o que aconteceu, mas isso depende de quem realiza essa tentativa de rememorar. Uma coisa é o fenômeno real, outra coisa o fenômeno rememorado. Em alguns casos, há correspondência, mas, na maioria dos casos, na sociedade capitalista, há discrepância entre ambos. A rememoração é seletiva (HALBWACHS, 1990; STOETZEL, 1976; VIANA, 2020) e assim, há uma seleção de acontecimentos, ideias, indivíduos, etc. Alguns rememoram os embates militares da Comuna, outros as ações de determinados indivíduos (um ou outro comunardo, as mulheres, Louise Michel, etc.), entre outras seleções. Essas seleções não são gratuitas, podem ser direcionadas por ideologias, doutrinas, valores, interesses, etc., inclusive podem até ser contraditórias. Assim, existe um único fenômeno, mas diversas rememorações.

O conceito de memória social é útil para entendermos esse processo. A memória social é o conjunto de lembranças da sociedade como um todo e cujo material rememorado é o social, ou seja, a sociedade global ou algum fenômeno social específico (VIANA, 2020)[iv]. Uma parte da memória social é uma consciência latente, pois as lembranças estão materializadas em obras de arte, bens materiais, ou na memória individual não exteriorizada, mas precisam ser rememoradas (ou seja, exteriorizadas para se tornarem parte da memória social). Outra parte é uma consciência manifesta, sendo uma espécie de “banco de dados”, que é a memória dominante, pois não só existe como é rememorada constantemente (VIANA, 2020).

Assim como o indivíduo recorda momentos de sua vida e da história da sociedade através da evocação de lembranças, que é um processo social, a rememoração também é um produto social e histórico. Os mecanismos da rememoração são semelhantes ao processo de evocação social das lembranças (VIANA, 2020). A rememoração possui como principais mecanismos de seleção, a perspectiva de classe (mentalidade dominante), a imposição estatal, a hegemonia da classe dominante, as coletividades (marginalmente). Sem dúvida, a perspectiva de classe não é homogênea e se altera em certos elementos (de acordo com as mudanças sociais, com o regime de acumulação vigente, com as divisões e subdivisões no seu interior, com o paradigma hegemônico ou a força dos demais paradigmas ou do marxismo, etc.). A imposição estatal pode ser mais ou menos eficaz, mais ou menos intensa, entre outras possibilidades. A hegemonia da classe dominante e suas renovações hegemônicas são importantes para explicar as mutações da memória social. Assim, o que é rememorado durante o paradigma reprodutivista (1945-1980)[v] é o que é valorado, tal como a ciência e suas conquistas e descobertas, por exemplo. Já durante a vigência do paradigma subjetivista, o que é rememorado e valorado são indivíduos, grupos sociais, etc.

Ao lado da rememoração existe a memorização, o ato de fixar determinadas rememorações. Esse é o caso das datas comemorativas impostas pelo aparato estatal (“Proclamação da República”, “Dia da Independência”, etc.), que geram feriados e reprodução nas instituições escolares e meios de comunicação. Os principais mecanismos de memorização são a criação do memorável, a comemoração e a adaptação memorial (VIANA, 2020). Assim, a Comuna de Paris não é memorável para a perspectiva burguesa, e por isso ela deve ser esquecida ou apresentada negativamente ou, ainda, anulada. Em alguns casos, o proletariado consegue tornar algo memorável, mas logo ele é ressignificado pela burguesia, tal como ocorreu com o 1º de maio e o dia da mulher (VIANA, 2020).

A comemoração é uma conservação, cristalização e valoração de algo memorável. Esse ato coletivo é o de festejar, por exemplo, o nascimento de Jesus Cristo, o Natal. A comemoração gera valoração e conservação do memorável e, quando é hegemônica e a nível nacional ou internacional, serve para a reprodução da hegemonia estabelecida.

O outro mecanismo de memorização é a adaptação memorial. Ela pode ser uma recuperação (o que significa uma invenção, tal como faz a memória individual) ou um resgate (o que significa reconstituição histórica tal como efetivamente ocorreu). A recuperação memorial significa reinterpretar o significado das lembranças e, por conseguinte, o que (e como) deve ser lembrado e do que deve ser esquecido, a partir da perspectiva da classe dominante e visando reintegrar as lembranças na sociedade capitalista (VIANA, 2020). A recuperação memorial é constante, pois é preciso marginalizar, esconjurar, apagar, as versões distintas da história[vi]. A recuperação memorial tem algumas fontes principais, como o aparato estatal, a historiografia hegemônica, as mutações do capitalismo, renovações hegemônicas, etc.

Os processos recuperadores são diversos[vii], tais como a limitação linguística (especialmente expresso no campo linguístico do paradigma hegemônico em determinada época) se manifesta através do uso de terminologia da época posterior, especialmente a hegemônica; a limitação analítica (cujo principal elemento é o campo analítico do paradigma hegemônico), que se manifesta através do uso de métodos, ideologias, concepções da época posterior, especialmente as hegemônicas; a censura social: elementos censurados pela sociedade, especialmente os fundados nos valores, sentimentos e concepções dominantes.

Além destes limites, também existem as atribuições: personalização, deslocamento, emblematização, anacronismo, elaboração secundária. A personalização significa que uma multidão de indivíduos, com seus atos e pensamentos, são substituídos por um nome, uma “personalidade”. O deslocamento consiste em substituir as questões que emergem por problemáticas secundárias ou heterogêneas, fabricação de pseudorresponsabilidades de determinados movimentos escolhidos que, no entanto, eram periféricos ou anódinos. A emblematização é a promoção de preponderância de imagens na conceituação e análise. O anacronismo é o uso de referências imaginárias da contemporaneidade que se tornam recorrentes e são projetadas no passado. A elaboração secundária, por sua vez, se caracteriza por apresentar uma narrativa linear de acontecimentos, imputações causais naturalizantes, redução a finalidades reivindicativas, clareza de consciência nas ações, bem como outros procedimentos.

O resgate memorial significa trazer de volta em seu verdadeiro significado o que foi esquecido ou deformado pela recuperação memorial da classe dominante ou suas classes auxiliares. Ele possui os seguintes processos resgatadores: a) a superação linguística, que aponta para o resgate do significado original e contextual dos signos e significados; b) a superação analítica: efetivação de processo analítico fundado no método dialético é um recurso heurístico fundamental para a reconstituição histórica; c) a superação revolucionária: a realização de uma ruptura com a pressão social, a censura social, com a hegemonia burguesa ou burocrática; d) Contextualização: os indivíduos, ideias, acontecimentos, são analisados no contexto que emergem: cultura, relações sociais, etc., sem isolamento; e) o restabelecimento essencial: distinção entre o que foi essencial e secundário; f) a historicização: percepção do contexto histórico e não projeção de aspectos do presente no passado.

Como é possível perceber através da comparação entre os processos recuperadores e resgatadores, eles são antagônicos. O que predomina amplamente na sociedade é a recuperação memorial e que pode ser vista nas comemorações, feriados, meios oligopolistas de comunicação, livros, instituições educacionais, etc. A Comuna de Paris não escapa do processo de recuperação. É por isso que há uma verdadeira recriação imaginária da Comuna de Paris. Demonstrar isso é o nosso próximo passo.

A Rememoração da Comuna de Paris

A rememoração da Comuna de Paris é perpassada pelo processo de recuperação memorial. Em alguns casos isso é mais facilmente perceptível do que em outros. As limitações e atribuições comuns nesses casos aparecem sob várias formas. Seria improfícuo apresentar detalhadamente esse processo e, por conseguinte, apresentaremos apenas alguns exemplos para ilustrar sua existência.

A limitação linguística é bastante comum, e pode ser vista no uso de linguagem de outra época: “esquerda” (MERRIMAN, 2015)[viii]; “urbanismo” (LEFEBVRE, 2021; DEBORD et al., 2021); “engenharia social” (CHRISTIANSEN, 1998) “partido” (leninistas), “comuna medieval”, etc. A limitação analítica aparece em diversos casos, mas poderíamos citar o que ocorre através da historiografia, tanto devido ao empirismo quanto à sua suposta “neutralidade”. A censura social aponta para vários aspectos, como, por exemplo, a não-percepção da novidade da Comuna, a luta de classes ausente, o movimento operário ausente.

A personalização também ocorre, apesar de sua dificuldade no caso da Comuna de Paris, que não tinha organizações e líderes consolidados. A personalização ocorre nas análises da Comuna a partir da perspectiva burguesa, que aponta que a Comuna foi o resultado da ação da AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores) e Karl Marx (PINHEIRO CHAGAS, 1872; KOECHLIN, 1965). Esse procedimento é reproduzido, curiosamente, pelo anarquismo e por certas correntes autonomistas. É o caso, por exemplo, da exaltação do nome de Varlin, um comunardo revolucionário que teve uma ação importante no interior da Comuna, mas que foi superestimado tanto por Bakunin (2021) como por determinados “autonomistas”[ix]. Isso ocorre em menor grau através de biografias de comunardos e as descrições da Comuna em termos de ações individuais, bem como na narrativa descritiva e autobiográfica, tal como se vê no Diário de campo e a Comuna de Paris, de Edmond de Goncourt.

O processo de deslocamento é outro procedimento comum de recuperação memorial da Comuna de Paris. A ênfase em questões secundárias aparece sob inúmeras formas, transformando em aspecto principal a questão da guerra franco-prussiana, o patriotismo, o medievalismo, o debate entre centralismo e federalismo, a questão urbana, a questão militar, o anarquismo. Embora esses elementos estivessem presentes, com maior ou menor intensidade e força, dependendo de qual elemento é, na Comuna, nenhum deles poderia ser colocado como o principal, bem como existem elementos que nem sequer estavam realmente presentes na Comuna, tal como o medievalismo (a comparação e a ideia de retomada das comunas medievais).

A fabricação de pseudorresponsabilidades é outro procedimento comum e muitas vezes se confunde com o personalismo – a personalização permite responsabilizar os indivíduos pelos acontecimentos – tal como no caso da versão burguesa segundo a qual Marx, a AIT e o socialismo seriam os responsáveis pela Comuna, ou então que ela foi resultado da ação de criminosos e pervertidos (cf. PINHEIRO CHAGAS, 1872; LIDKSY, 1971), ou então colocar os blanquistas como responsáveis pela Comuna ou qualquer outro grupo/indivíduo.

Por fim, a elaboração secundária ocorre em inúmeros casos, tais como no caso da historiografia e a narrativa linear, do empirismo e a evolução diária (CHRISTIANSEN, 1998), das autobiografias (novamente o Diário de campo e a Comuna de Paris, de Edmond de Goncourt exemplifica ou A Comuna de Paris no dia-a-dia, de Elie Reclus), em obras historiográficas, como Paris Babilônia, de Rupert Christiansen, além das histórias militares, jurídicas (como a de Laronze), entre outras. Há também, o que se confunde com o deslocamento, a imputação causal naturalizante: Marx e a AIT, Guerra Franco-Prussiana, Patriotismo, ideia de república, bem como a redução da Comuna a finalidades reivindicativas: a república, a nova ordem jurídica, etc.

A recuperação memorial da burguesia

Até aqui abordamos como se manifestam os processos recuperadores no caso da Comuna de Paris, mas de forma isolada. E, nesse processo, citamos até anarquistas e autonomistas, que supostamente estariam próximos da perspectiva do proletariado. Nesse último caso, é preciso esclarecer que, por diversas determinações[x], existem ambiguidades, o que torna possível uma rememoração da Comuna marcada por equívocos e elementos que são típicos da perspectiva burguesa ou burocrática. Mas como a rememoração, da perspectiva burguesa, ocorreu? E as demais perspectivas? Vamos analisar, brevemente, a perspectiva burguesa, no sentido de lhe fornecer uma explicação mais totalizante.

A reação burguesa diante da Comuna de Paris é sui generis, pois ela foi um acontecimento traumático para a burguesia. A Comuna foi um evento traumático por ter sido a primeira tentativa de revolução proletária, promovendo susto e medo, e por causa do massacre dos comunardos, chegando a um número aproximado de 100 mil mortos, sendo em torno de 20 mil através de fuzilamento sumário. É preciso, no entanto, esclarecer que se trata de um “trauma social”, o que se distingue de um “trauma individual”[xi]. O trauma social é um acontecimento que promove um forte impacto em determinadas classes ou coletividades e que gera reações que são mecanismos de defesa, tais como o esquecimento, a agressão em relação ao seu processo de rememoração (quando ela lhe é prejudicial) ou a busca de memorização (quando ela é considerável benéfica para quem a faz), entre outras. Porém, o trauma social, ao contrário do individual, não atinge a todos os indivíduos da classe ou coletividade da mesma forma e nem possui a tendência para sua manutenção permanente ou por tempo indefinido, pois com o passar do tempo ele tende a perder a sua força.

Assim, a maioria da burguesia e dos seus representantes intelectuais reagiram ao evento traumático da Comuna de Paris após a sua ocorrência imediata sob duas formas principais: o esquecimento e a agressão. Algum tempo depois, com o enfraquecimento do trauma, outras reações foram produzidas. O esquecimento é identificável no processo de não abordar esse importante fenômeno histórico ou colocá-lo como algo secundário, ou, ainda, através da sobreposição de outros acontecimentos (como a guerra franco-prussiana, por exemplo) no mesmo período. O esquecimento pode ocorrer independentemente do evento ser ou não traumático, pois não é de interesse dela recordar a revolução comunarda e seu significado. Isso explica o esquecimento da Comuna de Paris até hoje para vários representantes intelectuais da burguesia.

A agressão, ou seja, uma reação ofensiva, ocorreu em relação à Comuna de Paris, e se iniciou desde sua proclamação e durante os anos seguintes. Em 1872, o português Manuel Pinheiro Chagas escreveu os dois volumes de sua História da Revolução da Comuna de Paris (o segundo volume dedicado à análise dos processos contra os comunardos) e a sua versão é que ela teria sido a “história de uma tirania”. Um trecho de sua obra expressa sua concepção sobre o que foi a Comuna:

Estas decisões absurdas, estas resoluções iniquas, esta falta de bom senso, estas comédias burlescas, a liberdade de consciência interpretada de modo que dava em resultado a prisão dos padres, o encerramento das igrejas, e a profanação dos conventos; a liberdade de imprensa traduzindo-se na supressão de vinte e sete jornais; a liberdade individual à mercê da prisão arbitrária; a propriedade à mercê das requisições, a indústria regulamentada ditatorialmente; o pobre privado dos recursos do crédito módico; as liberdades municipais violadas pelos que se diziam seus defensores, e que avocavam a si a nomeação dos maires[xii] que deviam ser eleitos, revogadas por aqueles que diziam não terem recebido mandato senão para fazerem reformas sociais; as ignóbeis discórdias entre os membros da Comuna, que se fulminavam com as mais vis acusações; os generais prendendo-se reciprocamente; os redatores do Jornal Oficial expulsando-se uns aos outros, a murro seco, da imprensa, como contaremos em ocasião oportuna; a imoralidade manifestando-se com mais impudência do que no tempo do império; as amazonas da Comuna apresentando a Paris o ignóbil espetáculo de batalhões de viragos[xiii] sanguinárias, que passeavam pela capital com sua impudência ou a sua loucura; a vergonhosa subserviência dos membros do governo parisiense para com a Prússia; a ausência completa de sentimentos nacionais: tudo isto de tal modo indignara os habitantes de Paris, que, tendo a Comuna convocado os eleitores para o dia 16 de abril, a fim de procederem às eleições suplementares, reclamadas pela demissão de muitos membros da assembleia comunal, a urna foi completamente desamparada (PINHEIRO CHAGAS, 1872, p. 199-200)[xiv].

Aqui temos adjetivos pejorativos, acusações, exigências, entre outras formas de denegrir a imagem dos comunardos e da Comuna. Porém, Pinheiro Chagas não foi o único. A Comuna e os comunardos foram alvos de todo um ataque dos representantes intelectuais da burguesia e os termos usados são “orgia”, “desclassificados”, “cultura pervertida”, “febre”, “patifes”, “brutos”, “imbecis”, “malandros”. Os títulos de algumas obras já manifestam a posição anticomunarda e dois exemplos são suficientes para demonstrar isso: A Comuna de Paris: Os Canalhas da Revolução, de Eugène Villedieu, escrito em 1871 e O Carnaval Vermelho, de Edgar Rodrigues[xv], escrito em 1872. Um desses autores expressa a luta em torno da memória diante da Comuna de Paris:

Hoje, esses fatos ainda estão presentes na memória de todos: mesmo aqueles que fugiram de Paris durante a Comuna pressentiram o que poderia ser o fim deste terrível carnaval; mas, mais tarde, essas cenas horríveis, dignas do estilo de um Alighieri, serão impossíveis de se recordar de memória, a menos que testemunhas como nós corrijam a horrível recordação (RODRIGUES, 1872, p. 290).

Villedieu coloca que a França viveu dois meses de crimes e vilanias:

Ela [França – NV] tinha sob seu olhar, no seu centro, uma cidade de um milhão de homens, onde triunfou o crime, onde prevaleceu a vilania, onde grassou o cinismo ousado, onde um delírio quase desconhecido correu convulsivamente. Sobre essas ondas tumultuadas de egoísmo, ganância sombria e ignomínia estrondosa, rugiram todos os ventos da perversidade popular; jorraram a escória de uma plebe impura; desencadearam uma onda vertiginosa de uma assustadora demagogia (VILLEDIEU, 1871, p. 5).

Gobineau afirma que se reconhece, na Comuna, “a barbárie em toda a sua plenitude… selvageria obscura, desagradável, grosseira, feia e que matará tudo e não criará nada…” (apud. LIDSKY, 1971, p. 97). Assim, “para Zola, que preparava Germinal, não existe diferença entre um comunardo e um criminoso” (LIDSKY, 1971, p. 118). Montégut já dizia, em sua obra de 1882, que “o Hotel de Ville [administração municipal – NV] se converteu em uma taverna, um prostíbulo, uma privada. Todas as depravações, todas as indecências, ocorreram lá… O lema era gozar” (apud. LIDSKY, 1971, p. 131). Georg Sand já dizia que os comunardos eram movidos pelo “ódio”, “patriotismo mal-entendido”, “ambição frustrada” e pelo “fanatismo sem ideal, a mentecaptez do sentimento ou a perversidade natural” (Apud. LIDSKY, 1971, p. 58). Seria improfícuo continuar com citações de diversos outros literatos (Anatole France, Gustave Flaubert, Alexandre Dumas Filho, Alphonse Daudet e inúmeros outros) e autores de livros com afirmações semelhantes sobre a Comuna e os comunardos e que podem ser vistas na obra de Lidsky (1971).

Por outro lado, alguns representantes da burguesia escreveram “biografias” tendenciosas de comunardos, nas quais a ofensa verbal é extrema e mostra toda a fúria burguesa. Morel denomina sua biografia de comunardos como “lúgubre procissão de assassinos” e se refere ao um dos mais destacados blanquistas da Comuna, para citar só um exemplo, da seguinte forma: “um escorpião, este Rigault, um feto abortado do bizarro acasalamento da cobra que mata por raiva e do lagostim que recua por ignorância e estupidez” (MOREL, 1871, p. VIII).

O procedimento realizado nesses casos é um processo que mostra uma linguagem marcada por adjetivos pejorativos ao lado de um julgamento moralista. A censura social, a partir da moral dominante, se torna o elemento principal e o fio condutor da limitação linguística e analítica. A limitação linguística assume a forma de designação depreciativa, pois usa a linguagem da classe dominante para analisar a luta da classe dominada e a partir de sua suposta moral. A limitação analítica se manifesta como moralismo, a partir da moral burguesa (e os valores associados, como propriedade, família, etc.), mesmo que sejam manifestações muitas vezes hipócritas.

A personalização aparece através da acusação aos comunardos, perceptível na designação depreciativa com a qual foram tratados, já aludido, bem como pela atribuição à Marx, aos “socialistas” e AIT, a constituição da Comuna. A justificativa do massacre, com ou sem ressalvas, foi realizada e foi o complemento de designação depreciativa, do julgamento moral, especialmente dos “comunardos”. Lidsky apresenta a oposição entre os operários e os “maus operários” realizada por alguns literatos. As Convulsões de Paris, obra de Maxime Du Camp, explicita parte desse processo (KOECHLIN, 1965; DU CAMP, 1881).

O deslocamento é, fundamentalmente, moral. Assim, os comunardos sendo apresentados como assassinos, criminosos, pervertidos, conseguem desviar a discussão sobre a Comuna como luta de classes ligados aos interesses do movimento operário e outros processos sociais e políticos, para a questão da propriedade, da família, da religião, bem como para questões militares e institucionais. A emblematização aparece com a imagem das “petroleiras”, por exemplo, e da designação depreciativa, bem como sob outras formas. O anacronismo aparece nas análises que apontam para o uso de termos que são comuns e expressam relações da sociedade capitalista para acusar a Comuna e os comunardos, tal como o tema recorrente da prostituição, apesar da sua abolição durante a revolução comunarda. A elaboração secundária se manifesta na ênfase nas questões militares, nas questões morais, bem como na atribuição aos comunardos de intenções maldosas e perversidade.

Essa rememoração burguesa da Comuna não foi a única. Com o passar do tempo e o enfraquecimento dos efeitos traumáticos da revolução comunarda, uma nova interpretação emerge, com novas formas de deslocamento. Isso ocorre principalmente a partir dos anos 1960 (JONES, 2018). Esse é o caso dos historiadores com sua suposta “neutralidade” e “objetividade”[xvi], bem como alguns outros representantes intelectuais da burguesia, que passam a defender a tese de que a Comuna não foi “socialista”. Esse é o caso do jurista Gustave Laronze, que gera o deslocamento para a questão jurídica e através de uma análise formal dos decretos avança para concluir que a Comuna não era “socialista” e que os comunardos logo que tomaram o poder buscaram criar uma nova ordem jurídica, pois toda revolução gera esse processo. A elaboração secundária transforma os decretos da Comuna no eixo fundamental do processo real, a partir da interpretação de Laronze. No fundo, o autor quis dizer que o comunismo é impossível e a Comuna confirma isso (KOECHLIN, 1965). Na mesma linha, Edward Mason também contesta o caráter “socialista” da Comuna, afirmando que essa lenda foi criada a partir do massacre e da perseguição aos comunardos e não por características próprias da experiência comunarda (KOECHLIN, 1965). A rememoração burguesa muda de acordo com as necessidades da época. Porém, as versões da história que ainda tratam da Comuna a partir da versão original continuam sendo reproduzidas e os termos “terrorismo” e “ciclo de violência” usado por G. Dallas em 1989, entre outros (BRUNNER, 2014), confirmam isso.

A recuperação memorial da burocracia

A sociedade moderna possui duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado. Uma interpretação equivocada do conceito de classes sociais de Marx, bem como de seus escritos, promoveu a ideia de que nessa sociedade só existiram essas duas classes sociais[xvii]. Na verdade, existem várias outras classes sociais no capitalismo. A tese de Marx é que essas outras classes sociais giram em torno da burguesia ou do proletariado, devido divisão social do trabalho, proximidade e interesses. Assim, hoje, podemos pensar em dois grandes grupos de classes sociais, as classes superiores, próximas da burguesia, e as classes inferiores, próximas do proletariado (VIANA, 2019b). A burguesia conta com algumas classes auxiliares, tais como a burocracia e a intelectualidade, enquanto que o proletariado conta com algumas classes aliadas, como o campesinato, lumpemproletariado, etc., desde que rompam com o domínio da hegemonia burguesa.

Além das duas classes fundamentais, existe uma outra classe social que ganha grande importância no interior da sociedade capitalista e é a que tem a maior possibilidade de se autonomizar e querer ser uma nova classe dominante. Esse é o caso da burocracia. A classe burocrática, em suas frações mais próximas da burguesia, o alto escalão da burocracia estatal, é a mais conservador e pró-burguesa. Porém, há alguns setores da burocracia, especialmente na sociedade civil, e mais ainda em seus estratos inferiores, que buscam se autonomizar, assumindo discursos que muitas vezes são “radicais” e que almeja substituir a burguesia como classe dominante. Assim, setores da burocracia partidária e da burocracia sindical são as principais forças de autonomização da classe burocrática.

Esse setor mais radicalizado efetiva aquilo que Marx apontou para todas as classes que pretendem se tornar dominante: unir o conjunto da sociedade em torno de si através de um discurso universalizante e concentrando o mal num adversário que seria inimigo do resto da população (MARX, 2020), tal como fez a burguesia no seu período revolucionário. Porém, como existe uma outra classe social, o proletariado, com força e capacidade revolucionária, e a burocracia, isoladamente é muito frágil para enfrentar a burguesia, então ela precisa se apoiar no movimento operário e adotar um discurso para tal classe, se apropriando de suas concepções e adaptando-as aos seus interesses, tal como o marxismo. Assim, a burocracia radicalizada passa a defender a ideia de que expressa os interesses do proletariado, ou, mais genericamente, dependendo de qual organização, ideologia ou doutrina utiliza, dos “trabalhadores”, do “povo”, das “massas”.

Esses elementos, muito brevemente sintetizados e que possuem diversos desdobramentos[xviii], que infelizmente não poderemos desenvolver aqui, permitem compreender as razões da diferença entre a recuperação memorial burguesa e a burocrática. A recuperação memorial da burocracia radicalizada em relação à Comuna não pode compartilhar da versão burguesa, a não ser no caso do esquecimento. Para os representantes intelectuais da burocracia, esquecer a Comuna de Paris é uma das suas opções. Porém, se esse evento histórico vem à tona, ela deve se posicionar. E a obra de Marx, bem como de diversos outros militantes, desde os comunardos, a faz ressurgir como um pesadelo assustador de ronda os sonhos burocráticos.

A recuperação memorial da Comuna de Paris, da perspectiva burocrática, deve apontar para o elogio da experiência comunarda e ao mesmo tempo demonstrar os seus erros. A princípio, não há nenhum problema nisso. Porém, a forma como isso é feito mostra que se trata de uma recuperação memorial. O elogio da Comuna é sempre feito tendo em vista o reforço da concepção política que o faz, seja ela kautskista, leninista, ou qualquer outra. A Comuna é apresentada – o que significa que é deformada – para confirmar determinada posição política[xix]. Inclusive distintas concepções no interior da burocracia passam a disputar para apontar a sua versão como verdadeira e a do adversário como falsa. Nesse caso, se trata de um conflito ideológico interburocrático. Assim, há processos de personalização (apesar da dificuldade disso no caso específico da Comuna), deslocamento, anacronismo, emblematização e elaboração secundária, sem falar nos limites linguísticos, analíticos e de censura social. Trata-se, para a burocracia, de recuperar a Comuna no seu esquema de pensamento burocrático. E um tema recorrente é a questão da falta, da ausência, que é um problema-chave da Comuna de Paris na versão burocrática.

Porém, além da forma na qual realiza a recuperação memorial da Comuna, a perspectiva burocrática tem um elemento adicional e diferencial em relação à recuperação memorial da burguesia, devido as especificidades acima colocadas. Trata-se da necessidade de não apenas realizar a recuperação memorial da Comuna de Paris, mas também dos comunardos e daqueles que expressaram a perspectiva do proletariado, especialmente Marx.

O primeiro ponto se revela no elogio da Comuna de Paris, sempre acompanhado da ressalva, que remete para o problema da ausência. A Comuna é elogiada por expressar a posição daquele que elogia. É o caso de Lênin e Trotsky, que ressaltam o centralismo ou Kautsky, que ressalta a democracia. Um exemplo, extremamente comum na historiografia e textos militantes de orientação progressista, explicita isso. Max Beer, em sua volumosa obra de mais de 500 páginas e que começa com a luta de classes na antiguidade e que vai até 1920, reserva apenas três páginas para a Comuna, e coloca, entre as três causas da mesma, “os progressos realizados pela Internacional em Paris e nas principais cidades das províncias, assim como o desenvolvimento das ideias socialistas em geral” (BEER, s/d, p. 527).

A posição de Karl Kautsky (1977) sobre a Comuna mostra a tentativa de recuperação memorial da Comuna e do pensamento de Marx (para justificar sua interpretação da Comuna), e a usa para combater o bolchevismo, relacionado a terrorismo, e defender a sua posição, sob o nome de democracia. A resposta de Leon Trotsky aponta exatamente para isso: “Kautsky não apresenta um amplo paralelo entre a Comuna e o poder soviético a não ser para caluniar e menosprezar a viva e triunfante ditadura do proletariado em favor de uma tentativa de ditadura que remonta a um passado já remoto” (TROTSKY, 1977, p. 209). O que Trotsky não diz é que ele faz a mesma coisa, mas com uma posição oposta. Kautsky defende a burocracia democrática (a democracia burguesa) e Trotsky a burocracia autocrática (expressa no bolchevismo, na “ditadura sobre o proletariado” e capitalismo de Estado da Rússia pós-1917). Ambos deformam os acontecimentos da Comuna e a posição de Marx para justificarem sua posição[xx]. O debate sobre a Comuna de Kautsky e Trotsky é apenas um pretexto para justificar suas concepções e ações políticas, bem como o que ocorreu entre Kautsky e Lênin.

Se Kautsky remonta a ação da Associação Internacional dos Trabalhadores e a influência do marxismo sobre o proudhonismo[xxi] para demonstrar o seu caráter democrático, Trotsky não hesita em afirmar que “a Comuna, tanto pelas tradições como pelos propósitos de quem a dirigia – os blanquistas – era a expressão da ditadura revolucionária de uma cidade sobre o país inteiro” (TROTSKY, 1977, p. 215). Assim, a personalização, em Kautsky, é via “marxismo” e em Trotsky via blanquismo. Além da personalização, ocorre o deslocamento para a questão de quem dirigia a Comuna, se os mais democratas ou os mais autocratas, nos quais os autores escolhem aqueles que lhes são mais próximos (proudhonistas ou blanquistas).

A emblematização aparece com os termos-chave democracia, num caso, e ditadura, noutro. Para Kautsky, a Comuna foi uma democracia e assim justifica essa, enquanto que para Trotsky, a Comuna foi uma ditadura e a justifica, sendo que o positivo para um (democracia, ditadura) é o negativo para o outro, o que torna a Comuna apenas um pretexto para defender posições políticas.

O anacronismo se revela em vários momentos, desde o uso de termos (partidos, por exemplo) quanto no uso dos dois termos centrais do debate: democracia e ditadura. Porém, a democracia até a Comuna, no caso francês, é a liberal, que era censitária, por nível de renda, e somente depois que emerge o processo eleitoral que inclui o proletariado e os partidos políticos se tornam os meios de participação política institucional, ou seja, com a passagem para a democracia partidária, da fase seguinte do capitalismo[xxii], é que a democracia burguesa passa a existir. A ditadura, por sua vez, no sentido leninista, só vai emergir com a revolução bolchevique e surgirá, nas formas de regimes ditatoriais burgueses (o que diferencia de regimes autocráticos pré-burgueses), somente após a consolidação dos regimes democráticos, como uma alternativa burguesa em certas situações históricas. O uso dois termos para tratar da Comuna é, pois, um anacronismo e um equívoco, embora bastante útil para justificar e legitimar a social-democracia e o bolchevismo, respectivamente.

Por fim, a elaboração secundária é perceptível em ambos os casos, pois tanto Kautsky como Trotsky apresentam uma narrativa linear e clareza nas ações dos agentes, divergindo por um considerar que o objetivo era a democracia e o outro afirmar que é a ditadura “revolucionária”.

Assim, esse debate entre Kautsky e Trotsky apenas ilustra duas posições no interior da rememoração burocrática da Comuna. Porém, aqui a rememoração é completada com a ideia de ausência, de falta. E o que falta para a Comuna, na perspectiva burocrática? Só pode ser a própria burocracia. Esse é um tema recorrente na recuperação memorial burocrática da Comuna. Segundo Kautsky, “O maior mal deste governo era a falta de organização, consequência natural do mesmo defeito presente nos hábitos e atitudes do proletariado da época, surgido do segundo império” (KAUTSKY, 1920, p. 119). Trotsky, após apontar a derrota militar e outros pontos problemáticos da Comuna, afirma: “a capacidade guerreira de um exército requer sobretudo a existência de um organismo diretor regular e centralizado. Os comunardos não tinham sequer uma breve ideia disso” (TROTSKY, 1977, p. 221), pois “a Comuna era débil”, ao contrário do bolchevismo. Assim, tanto Kautsky como Trotsky apontam para a fraqueza da Comuna: a falta de organização burocrática. A diferença é que para Kautsky trata-se de uma organização burocrática democrática e para Trotsky uma organização burocrática autocrática.

Assim, a versão burocrática da Comuna vai sempre enfatizar a ausência, a falta. E o grande ausente é a burocracia. Os burocratas não foram convidados para a festa proletária. Isso se manifesta na falha que teria sido a ausência de centralização governamental e de um partido centralizado, supostamente “revolucionário”. Lênin é a mais rica expressão da recuperação memorial burocrática da Comuna de Paris[xxiii], pois ele não só afirma que faltou nessa experiência a centralização, o partido, etc., como também consegue deformar as afirmações de Marx para convencer de que este defendia as mesmas teses, realizando uma recuperação memorial do pensamento de Marx. A concepção leninista será reproduzida exaustivamente pelos partidos, intelectuais, militantes, bolchevistas de todas as tendências (dos stalinistas aos trotskistas), como raras diferenças e com pequenas variações. Essa repetição se efetivou em milhares de textos e escritos, tanto mais acadêmicos quanto mais militantes, desde panfletos a livros.

Esse é o caso de Sovolev, um stalinista, que afirma, em 1939, entre outras coisas, que “a desgraça da Comuna consistiu no fato de que não existiu na liderança dos comunardos um partido proletário que influenciasse as massas e as guiasse, um partido que soubesse o que queria e como alcançá-lo, partido sem cuja direção não pode triunfar a revolução” (SOVOLEV, 1946, p. 172). Pierre Luquet[xxiv] afirma: “o que faltou principalmente à Comuna foi um partido fortemente organizado” (LUQUET, 1968, p. 40), ou seja, fortemente burocratizado, bem como considera que faltou alguém para personalizar a Comuna, um líder burocrático, tal como se depreende de sua afirmação segundo a qual “faltou Blanqui à Comuna”, afinal, “somente ele teria sido o bastante audacioso para acabar a revolução de 18 de março” (LUQUET, 1968, p. 28).

Esses dois exemplos apenas ilustram um extenso número de materiais que reproduzem as mesmas ideias e a recuperação memorial da Comuna de Paris da perspectiva burocrática, cujo elemento fundamental e definidor é “faltou burocracia”. A Comuna não é condenada, como na perspectiva burguesa, é elogiada, mas, ao mesmo tempo, apontada como erro por faltar burocracia, o que confirma a concepção política dos intérpretes, bem como a necessidade de um partido, de centralização, de burocracia. Em síntese, na versão burocrática, a Comuna foi derrotada por causa da ausência de burocracia.

Considerações Finais

O nosso objetivo consistiu em apresentar a recuperação memorial da Comuna de Paris. Mostramos, brevemente, como a burguesia e a burocracia buscaram recuperar a Comuna, transformando-a no que ela não foi. Mostramos também que os inimigos e os falsos amigos do proletariado fizeram de tudo para retirar o seu caráter de classe. A burguesia buscou apresentar a Comuna como produto de criminosos, “socialistas” (vistos como externos ao movimento operário), em contraposição aos “bons operários” e a burocracia buscou mostrar a incapacidade do movimento operário, sem ela, de se autoemancipar. No primeiro caso, o proletariado foi manipulado por um bando de criminosos e, no segundo, ele foi derrotado por não ter um bando de burocratas para dirigi-lo. Essas versões possuem variações e podem mudar, tal como a versão burguesa, mais “neutra” e distante do acontecimento histórico, que ao invés de acusar os comunardos de criminosos, preferiu dizer que eles não eram “socialistas”, anulando o caráter revolucionário da Comuna.

A luta pela rememoração da Comuna de Paris foi uma luta de classes no âmbito cultural, uma ampla luta cultural na qual o proletariado está em desvantagem. A desvantagem do proletariado se encontra no pequeno número de representantes intelectuais dessa classe no decorrer da história, pois a classe intelectual, em sua maioria, expressa os interesses da burguesia ou da burocracia. Os indivíduos proletários que produzem ideias, escritos, etc., é diminuto, por sua própria condição de classe. Nesse sentido, a perspectiva do proletariado na luta pela rememoração da Comuna de Paris se manifesta marginalmente, seja através dos escritos de comunardos (esquecidos e abandonados, até pelos intérpretes progressistas desse evento histórico), seja através de alguns intelectuais e proletários que buscaram resgatar o real significado desse acontecimento histórico extraordinário.

Apresentamos, por conseguinte, esse processo de recuperação, mas não o processo de resgate. Optamos por não tratar do resgate memorial da Comuna de Paris, pois isso tornaria o texto muito extenso, e por isso o faremos num artigo complementar a esse. E a reflexão sobre o resgate memorial da Comuna de Paris faz parte da luta pela rememoração na perspectiva do proletariado, bem como a crítica da recuperação memorial. Porém, a crítica da recuperação memorial é parte dessa luta em torno da memória e abre caminho para o resgate memorial, o que justifica o presente artigo.

*Nildo Viana é professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG). Autor, entre outros livros, de O capitalismo na era da acumulação integral (Ideias letras).

 

Referências


BAKUNIN, Mikhail. A Comuna de Paris e a Noção de Estado. in: BAKUNIN, Mikhail; KROPOTKIN, Piotr; VIANA, Nildo. A Concepção Anarquista da Comuna de Paris. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2021.

BAKUNIN, Mikhail; KROPOTKIN, Piotr; VIANA, Nildo. A Concepção Anarquista da Comuna de Paris. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2021.

BEER, Max. História do Socialismo e das Lutas Sociais. Da Antiguidade aos Tempos Modernos. Lisboa: CLB, s/d.

BERNARDO, João. A Comuna de Paris para Além dos Mitos. Disponível em: https://passapalavra.info/2011/05/39835/ acesso em: 25/03/2021.

BERNARDO, João. Dialéctica da Prática e da Ideologia. Porto: Afrontamento, 1991.

BRUNNER, Katie. Myth and the Paris Commune. Communication and Theater Association of Minnesota Journal, 41/42, 2014.

CHRISTIANSEN, Rupert. Paris Babilônia. A Capital Francesa nos Tempos da Comuna. Rio de Janeiro: Record, 1998.

DEBORD, Guy et al. Sobre a Comuna. In: CONCEIÇÃO, Marcus (org.). O Significado da Comuna de Paris. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2021.

DU CAMP, Maxime. Les convulsions de Paris. Episodes de la Commune. Vol. 2, 5ª edição, Paris: Librarie Hachette, 1881.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.

JONES, Emily. The Political Nature of the Paris Commune of 1871 and Manifestations of Marxist Ideology in the Official Publications of the Central Committee. Virginia: Virginia Commonwealth University, 2018.

KAUTSKY, Karl. Terrorismo e Comunismo. Torino: Fratelli Bocca, 1920.

KAUTSKY, Karl. Terrorismo y Comunismo. In: KAUTSKY, Karl; TROTSKY, Leon. Terrorismo y Comunismo. Madrid: Ediciones Jucar, 1977.

KOECHLIN, Heinrich. Ideologias y Tendencias en la Comuna de Paris. Buenos Aires: Proyección, 1965.

KROPOTKIN, Pedro. A Grande Revolução. Salvador, Progresso, 1955.

LAVROV, Piotr. A Comuna de Paris de 1871. Marxismo e Autogestão, vol. 08, num. 11, 2021. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/683 Acesso: 25/03/2021.

LEFEBVRE, Henri. O Significado da Comuna de Paris. In: CONCEIÇÃO, Marcus (org.). O Significado da Comuna de Paris. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2021.

LIDSKY, Paul. Los Escritores Contra la Comuna. México: Siglo Veintiuno, 1971.

LISSAGARAY, Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. 2ª edição, São Paulo: Ensaio, 1995.

MARX, Karl. A Comuna de Paris. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020.

MARX, Karl. A Guerra Civil na França. 2ª edição, São Paulo: Global, 1986.

MARX, Karl. Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: MARX, Karl; VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, O Manifesto Inaugural do Materialismo Histórico. Goiânia: Edições Redelp, 2020.

MERRIMAN, John. A Comuna de Paris. 1871: Origens e Massacre. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2015.

MOREL, Henri. Le Pilori des Communeux. Biographie des membres de la Commune, leurs antécédents, leurs moeurs, leur caractère: révélations. Paris: E. Lachaud, 1871.

PINHEIRO CHAGAS, Manoel Joaquim. História da Revolução da Comuna de Paris. 2 vols. Lisboa, José Augusto Vieira Paré, s/d. [1872].

RODRIGUES, Edgar. Le Carnaval Rouge. Paris: E. Dentu, 1872.

ROSS, Kristin. Mayo del 68 y sus Vidas Posteriores. Ensayo contra la Despolitización de la Memoria. Madrid: Ediciones Acuarela, 2008.

SOVOLEV, M. La Primera Internacional. In: MARX, Karl; SOVOLEV, M. La Comuna de Paris; Historia de la Primera Internacional. La Plata: Editorial Calomino, 1946.

STOETZEL, Jean. Psicologia Social. 3ª edição, São Paulo: Nacional, 1976.

TROTSKY, Leon. Terrorismo y Comunismo. In: KAUTSKY, Karl; TROTSKY, Leon. Terrorismo y Comunismo. Madrid: Ediciones Jucar, 1977.

VIANA, Nildo. A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx. Lisboa: Chiado, 2018.

VIANA, Nildo. Classes Superiores e Classes Inferiores. Disponível em: https://informecritica.blogspot.com/2019/12/classes-inferiores-e-classes-superiores.html Acesso em: 04/12/2019.

VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019.

VIANA, Nildo. Memória e Sociedade. A Luta em Torno da Rememoração. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. O Proletariado Ensaia a Revolução. Escritos sobre a Comuna de Paris. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2021.

VILLEDIEU, Eugène. La Commune de Paris. Les Scélérats de la Révolution. Paris: E. Lachaud, 1871.

Notas


[i] Esse é o caso do Maio de 1968 (ROSS, 2008). A comemoração ocorre geralmente a cada dez anos por causa da rememoração efetivada por militantes e organizações políticas, por um lado, e por eventos acadêmicos e intelectuais (seminários, livros, artigos, dossiês de revistas, etc.).

[ii] Sobre a distinção entre recordação e rememoração, bem como a diferenciação entre memória individual, memória coletiva e memória social, cf. Viana, 2020. Por questão de espaço não poderemos desenvolver vários aspectos teóricos relativos à questão da memória e por isso remetemos para tal obra, na qual isso é realizado de forma aprofundada e detalhada.

[iii] Não é possível e nem é nosso objetivo analisar a questão das fontes para análise histórica, mas tão somente destacar que é um elemento que reforça problemas interpretativos.

[iv] A memória coletiva é o conjunto de lembranças de setores da sociedade, das coletividades (VIANA, 2020), mas não desenvolveremos essa reflexão aqui, devido ao fato de que o nosso foco é a memória social.

[v] O paradigma reprodutivista corresponde ao regime de acumulação conjugado, que é o que lhe explica (VIANA, 2019a).

[vi] O termo “recuperação” foi desenvolvido pelos situacionistas e retomado pelos integrantes do grupo inglês Solidarity e a ideia de recuperação memorial se inspira nessa concepção, mas se limitando ao caso da rememoração (VIANA, 2020). A relação entre recuperação e memória pode ser vista na análise de Ross (2008) sobre o Maio de 1968.

[vii] Todos os processos recuperadores, bem como os de resgate memorial, são abordados e desenvolvidos na obra Memória e Sociedade – A Luta pela Rememoração (VIANA, 2020).

[viii] Até mesmo Lissagaray (1995) usa o termo “esquerda” e não percebe que ao efetivar o uso de tal termo, pouco usual na época, acabou homogeneizando e unificando diversas tendências diferentes, o que reforçaria problemas interpretativos e futuras análises da Comuna.

[ix] “Louis-Eugène Varlin é o maior emblema da Comuna de Paris de 1871, viveu, lutou e morreu aos 31 anos pela República social dos trabalhadores, Varlin é a representação máxima das práticas comunistas autogestionárias. É a sua vida e luta que devem ser lembradas e discutidas à exaustão na comemoração destes 140 anos da Comuna de Paris. O que afirmou o senhor Karl Marx nas suas cartas ao seu amigo Kugelmann, de Londres, depois de tudo que Varlin enfrentou, faz com que tenhamos que reconhecer que o único lugar onde Marx deve estar é na bibliografia da Comuna, se Varlin foi a Comuna, Marx é apenas uma referência bibliográfica da Comuna. Vale a nós perceber o que nos é historiograficamente fundamental: discutir a Comuna por inteira ou apenas um livro sobre ela? (PINTO, 2011, p. 54). Aqui temos um processo de personalização que rebaixa a análise da Comuna ao baixo nível da historiografia burguesa tradicional, voltada para a história dos “líderes” e “grandes homens”, em total discrepância com a Comuna tal como foi e até mesmo a bibliografia sobre a Comuna que encontra dificuldade em encontrar chefes no movimento. Aqui a personalização ganha ares de um hiperindividualismo: “Varlin é o maior emblema da Comuna” (o termo “emblema”, em si, já é revelador); “Varlin foi a Comuna”. Obviamente que essa posição não é sem motivo, pois trata-se da fabricação de uma contraposição artificial entre Varlin e Marx, na qual o primeiro é mero pretexto para querer desqualificar o segundo. Ou seja, tais observações nada tem a ver com a Comuna de Paris em si, sendo apenas um campo de batalha para disputas acadêmicas e/ou políticas que revelam apenas a mentalidade competitiva dos seus criadores. A comparação entre um agente do processo revolucionário e um analista do mesmo é algo despropositado e seria o mesmo que perguntar quem foi mais importante para a Revolução Francesa, Robespierre ou Piotr Kropotkin, autor de A Grande Revolução (1955). A vontade de desqualificar Marx é tão grande que se cai em contradições insolúveis, como, por exemplo, apontar a necessidade de “discutir a Comuna por inteira” e tratar apenas de um comunardo. Por outro lado, não deixa de ser curioso que autores que são influenciados pelo método estrutural e pelo estruturalismo e que afirmam que o indivíduo e a consciência não são nada (BERNARDO, 1991), fazer apologia e destacar a importância individual de Varlin, com o objetivo de se contrapor a Marx (BERNARDO, 2021). No fundo, é o processo de forçar Varlin a entrar numa competição com a qual ele não tem nada a ver. Nesse sentido, a posição de Lavrov, que esteve pessoalmente na Comuna, é muito mais revolucionária e proletária, ao enfatizar o coletivo e não indivíduos, inclusive quando aponta elogiosamente os heróis da Comuna, colocando-os no plural: Frankels, Varlins, Pidys, etc. (LAVROV, 2021).

[x] Essas determinações variam de acordo com quem é o responsável pela rememoração. O doutrinarismo e dogmatismo é uma dessas determinações, o que ocorre geralmente no caso do anarquismo, por exemplo. Em outros casos, outras determinações, como mentalidade competitiva, ambição intelectual, disputas acadêmicas, busca de espaço político, falta de informação, influências diversas (ideologias, interpretações, etc.), entre diversas outras, podem se manifestar em cada caso concreto.

[xi] Não poderemos desenvolver aqui uma reflexão sobre o conceito psicanalítico de trauma, que é nossa fonte de inspiração e tem vários desdobramentos, a começar por Freud (e as modificações que ele efetivou com o passar do tempo) e tendo variações em Rank, Ferenczi, Winnicott e outros. O trauma individual, aqui, significa um evento que promove um intenso impacto psíquico e que se mantém no universo psíquico do indivíduo indefinidamente, pois pode ou não ser superado, promovendo reações psíquicas como mecanismos de defesa para o mesmo.

[xii] Em francês no original. O termo significa “prefeito”, “juiz de conselho”, no português de Portugal. Também significa Alcalde (ou alcaide, em outra grafia), que tem origem árabe e significa “governador de províncias”, mas possuiu caráter militar, pois sua função era a defesa militar da vila e o desempenho de funções judiciais e administrativas, prestando contas diretamente ao rei.

[xiii] Mulher cuja aparência e/ou trejeitos são semelhantes aos do sexo masculino ou “mulher de hábitos masculinos”.

[xiv] Adaptamos o português de Portugal da época (1872) para o português brasileiro atual.

[xv] Não se deve confundir este autor com o escritor anarquista que publicou vários livros no Brasil.

[xvi] A historiografia, no entanto, seguiu a recuperação memorial burguesa e sua versão da Comuna de Paris, em vários casos. Jones (2018) aponta a obra de William Pembroke Fetridge que efetiva a mesma interpretação anticomunarda, mas, apesar de colocá-la como historiográfica, não se trata de um historiador profissional. Tal preocupação, no caso específico da Comuna de Paris, é trabalhado por Brunner (2014) e sua análise dos “mitos” da Comuna, apontando para a necessidade da “objetividade histórica”.

[xvii] Seria suficiente uma leitura atenta de algumas obras de Marx, como A Ideologia Alemã, O Manifesto Comunista, O Capital, O Dezoito do Brumário, entre outras, para saber que tal interpretação é equivocada. Porém, mesmo alguns leitores vendo a referência à várias classes sociais – o que não requer leitura tão atenta assim –, passam por cima disso com uma facilidade desconcertante, como se suas interpretações fossem mais determinantes para compreender o autor do que suas próprias palavras. Uma análise rigorosa da obra de Marx aponta para a existência de várias classes sociais no capitalismo, bem como para a deformação de sua concepção de classes sociais (VIANA, 2018).

[xviii] Sobre a classe burocrática, cf. Viana, 2018, no qual há uma discussão sobre as reflexões diversas sobre tal classe. Evitamos sugerir outros textos nos quais desenvolvemos outras reflexões sobre a burocracia, mas que podem ser acessadas, em parte, na internet.

[xix] E isso é realizado até mesmo por anarquistas (cf. BAKUNIN, KROPOTKIN, VIANA; 2021).

[xx] Não poderemos desenvolver aqui a posição de Marx sobre a Comuna, que pode ser vista em suas próprias obras (MARX, 2020; MARX, 1986), enquanto que nossa análise pode ser consultada nos artigos Marx e a Essência Autogestionária da Comuna de Paris e Comuna de Paris: Interpretações e Perspectiva de Classe (VIANA, 2021).

[xxi] “O pensamento proudhoniano (proudhonista – NV], originário dos internacionalistas franceses, foi mesclando-se mais e mais com as ideias marxistas” (KAUTSKY, 1977, p. 60).

[xxii] Com a passagem do regime de acumulação extensivo para o regime de acumulação intensivo (VIANA, 2009). Nessa obra se encontra uma análise da mutação da democracia burguesa em cada regime de acumulação.

[xxiii] É possível questionar por qual motivo não apresentamos como Lênin faz isso, mas a razão da escolha por Kautsky e Trotsky se deve aos seguintes elementos: a) Kautsky e Trotsky ilustram duas posições da classe burocrática diante da Comuna, duas formas de recuperação memorial; b) nos elementos essenciais, Lênin reproduz a concepção kautskista e trotskista e no posicionamento no interior da perspectiva burocrática, ele concorda com a concepção de Trotsky; c) a análise da recuperação memorial realizada por Lênin já foi efetivada por nós no artigo “Comuna de Paris, Interpretações e Perspectiva de Classe” (VIANA, 2021) e seria repetitivo apresentá-la aqui; d) o espaço para desenvolvimento do presente artigo dificulta a análise da concepção de Lênin. Por isso remetemos ao artigo citado, que, embora não trabalhemos com os conceitos aqui desenvolvidos, mostra o caráter burocrático da abordagem leninista da Comuna.

[xxiv] Pseudônimo de Robert Verdier (que usava outros pseudônimos, como Deville, Hervé, etc.), militante que passou por algumas organizações e partidos, como o PSA (Partido Socialista Autônomo) e o PSU (Partido Socialista Unificado) da França.

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • O perde-ganha eleitoralJean-Marc-von-der-Weid3 17/11/2024 Por JEAN MARC VON DER WEID: Quem acreditou numa vitória da esquerda nas eleições de 2024 estava vivendo no mundo das fadas e dos elfos
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES