Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*
O apoio aberto e indiscriminado dos EUA a Israel mostra a ganância imperialista na busca insaciável de manter a usurpação das riquezas das nações
Os principais atores do sistema internacional pós II Guerra, EUA e URSS, tinham plena consciência do custo da decisão da criação do Estado de Israel ao avalizarem a invasão e destruição da Palestina, causando uma revolta generalizada no mundo árabe, profundamente ressentido do imperialismo ocidental na região. As duas potências por meio de seus presidentes – Truman e Stalin – coincidiram na votação da ONU no apoio à fundação de Israel, mesmo se depois Stalin reviu sua posição original.
Por que o sistema internacional permitiu a realização deste evento inusitado, que implicou a expulsão da população árabe nativa da Palestina desde sempre, a fim de viabilizar o sionismo judeu? É a necessária pergunta para buscar entender um pouco da geopolítica mundial, o massacre dos palestinos pelo sionismo e, de forma derivativa, o Golpe de 2016 no Brasil.
Em 1897, Theodor Herzl, jornalista e dramaturgo vienense, considerado o criador do sionismo político, organizou na Basiléia (Suíça) o Primeiro Congresso Sionista, com a participação de 200 delegados oriundos de vários países. Neste Congresso ficou definido o objetivo sionista: garantir ao povo judeu um lugar nacional [Estado] na Palestina. No programa do Congresso decidem pela: 1) Aquisição do direito do povo judeu de colonizar a Palestina; 2) Promoção da colonização judaica na Palestina em larga escala; 3) Criação de uma organização para unir os judeus de todo o mundo no apoio ao sionismo.
Em 1901 foi criado o Fundo Nacional Judaico, centralizando arrecadação para a colonização, ficando definido que as aquisições de terra deveriam ser propriedade inalienável do povo judeu.
E em 1905, no Sétimo Congresso Sionista, ficou decidido, em caráter definitivo, que somente a Palestina interessava ao movimento, nenhuma outra região do mundo. A campanha ideológica divulgada para o mundo, a partir deste ano, resumia-se no slogan dito pela primeira vez por Israel Zangwill: “uma terra sem povo para um povo sem terra”.
Prevendo a desintegração do Império Otomano, as potências colonialistas da Tríplice Entente – Rússia, França, Grã-Bretanha – vencedoras da Primeira Guerra, estabeleceram negociações para divisão entre elas dos territórios otomanos no Oriente Médio. Coube ao império britânico o controle da Palestina. Em 1917, a Organização Sionista obteria a “carta de colonização” do governo britânico, mediante a Declaração de Balfour¸ dirigida ao Lord Edmond Rothschild, um dos homens mais ricos do mundo, financiador de governos e um dos principais patrocinadores da causa sionista. A partir da aprovação desta declaração pelo governo dos EUA, a Organização Sionista passou a se concentrar na imigração em massa dos judeus à Palestina. De acordo com a ONU, em 1922 havia 750.000 pessoas na Palestina, das quais 90% eram árabes.
O colonialismo britânico sempre ignorou as condições dos povos por ele subjugados, encarando-os a partir da visão xenófoba como não-povos, grupamentos atrasados, passíveis de ser submetidos ao seu poder imperialista usurpador das riquezas das colônias por ele exploradas. O imperialismo europeu já havia implantado na consciência de seus cidadãos o horror de que, fora da Europa, todo e qualquer território era suscetível de ser invadido por um Estado europeu.
Não foi diferente com a Palestina. A Declaração de Balfour criou as bases para a instalação do “Mandato britânico sobre a Palestina”, assim os sionistas tiveram a oportunidade de formar suas instituições por meio da Agência Judaica, um órgão previsto no próprio texto do Mandato, que passou a ser a entidade representativa da Organização Sionista na Palestina. O objetivo era criar na Palestina um “pilar europeu” que garantisse a existência do Estado judeu contra a Ásia. Portanto, por estar inserido no quadro estratégico imperialista, o sionismo político requeria o consistente e efetivo apoio das potências ocidentais.
Em um memorando de Arthur Balfour dirigido a Lord Curzon, lê-se: “As Quatro Grandes Potências estão comprometidas com o sionismo. E o sionismo, esteja certo ou equivocado, para o bem ou para o mal, está enraizado em tradições milenares e em necessidades atuais de importância muito mais profunda que os desejos e prejuízos dos 700.000 árabes que hoje habitam essas antigas terras”.
Com a decadência do império britânico profundamente enfraquecido economicamente com a Segunda Guerra, seu comércio externo solapou em virtude do forte crescimento das importações que fizeram dobrar sua dívida externa, deixando atrás de si um vácuo geopolítico no Oriente Médio, que foi ocupado totalmente pelos EUA voltados para a questão do petróleo e do comércio exterior, como também no enfrentamento da presença da URSS na região, na Guerra Fria claramente definida no pós-guerra, alimentada pela “Doutrina Truman” de hostilidade à Rússia, endurecendo sua política na região para impedir a expansão soviética, garantindo para os EUA bases militares e concessões de petróleo.
Washington já tinha em mente o esgotamento de suas reservas domésticas de petróleo e a forte determinação de possuir fontes alternativas de suprimento que no seu entender não poderiam ficar em mãos estrangeiras. Já no período entre-guerras, empresas estadunidenses conseguiram assumir parte da indústria petrolífera do Iraque e do Kwait, além de concessões exclusivas no Barein e na Arábia Saudita. Esta postura se intensificou com a Segunda Guerra com a percepção da importância fundamental do petróleo na guerra.
Mas o apoio aberto e indiscriminado dos EUA à criação do Estado de Israel, alimentado pelos sionistas americanos, numa evidente hostilização do mundo árabe, colocou em contradição a política externa estadunidense para o Oriente Médio, porque favoreceu ao surgimento de um Israel muito maior do aquele da resolução da partilha da ONU, criando nos árabes a frustração e a revolta pela humilhação sofrida e pela espoliação imposta pelas potências ocidentais, sob da liderança dos EUA.
No dia 15 de maio de 1948 estava fundado o Estado de Israel. Segundo Truman, “a mais nova democracia no mundo”. Neste mesmo período começava a Guerra de 1948, havendo os sionistas se preparado para ela já há alguns anos, financiados fortemente pelo governo estadunidense e por sionistas americanos.
A Organização Sionista adotou duas estratégias nesta Guerra: 1) Ocupar o máximo de territórios possível para redesenhar as fronteiras determinadas pela ONU; 2) Executar um extermínio étnico no território. Aldeias inteiras de árabes foram massacradas, causando uma fuga em massa da população árabe, que abandonava suas casas sem levar pertence algum. Em 1949 o conflito já havia produzido 726.000 refugiados palestinos. Os que tentaram retornar para suas casas tiveram suas propriedades, residências, plantações e indústrias confiscadas por Israel, sem receberem nenhuma indenização. Além do genocídio de civis indefesos, o Estado de Israel usurpou a terra e as propriedades, numa clara intenção de eliminar a população árabe do seu Estado.
Nunca é demais lembrar que os palestinos, que não participaram do holocausto da Segunda Guerra, foram obrigados a arcar com a responsabilidade dos refugiados judeus. Mas o Estado de Israel declarou oficialmente que não se sentia responsável pelos refugiados palestinos da guerra por ele patrocinada.
Neste mês de maio de 2021, o ex-chanceler brasileiro e ex-ministro da Defesa, diplomata Celso Amorim, no Painel “Petrobrás e a Guerra Hibrida” afirmou categoricamente que houve uma subestimação do Estado brasileiro pelo desencadeamento da Guerra Híbrida acionada pelos EUA a partir do momento das descobertas do Pré-Sal brasileiro, como também pela liderança do Brasil com a articulação política com os BRICS. O ex-ministro destacou que diversos estudos apontam para as armas fundamentais da Guerra Híbrida contra o Brasil não serem os mísseis das guerras tradicionais, mas a mídia corporativa empresarial nacional, a estrutura mais reacionária dos capitalistas brasileiros, ao fazer a intermediação e a defesa dos interesses capitalistas internacionais em detrimento da soberania nacional.
Amorim lembrou ainda que a criação da UNASUL e da CELAC já havia despertado uma inquietação no governo estadunidense. Mas a determinação do Brasil em aderir ao BRICS não foi tolerada devido à presença dos rivais históricos – Rússia e China – do imperialismo norte-americano.
Segundo o documento “2020 Annual Report by Department of Health & Human Services – USA”, na sua página 48, constata-se muito claramente a amplitude da estratégia da Guerra Híbrida denunciada por Amorim. O documento revela que no ano de 2020 os EUA de Donald Trump utilizaram as relações diplomáticas (com o chanceler Ernesto Araújo) na América do Sul para mitigar os esforços dos Estados como Rússia e China que estão trabalhando para aumentar sua influência na região “em detrimento da segurança dos Estados Unidos”. Entre os exemplos pode-se destacar o êxito do uso do escritório do Adido de Saúde dos EUA no Brasil para persuadi-lo a rejeitar a vacina russa Sputinik V contra a Covid-19, num país que já conta hoje 440 mil mortos pela pandemia do coronavírus.
Portanto, seja no Oriente Médio como na América Latina, e mais especificamente no Brasil, não se pode subestimar as novas táticas de guerra dos EUA para manter sua ganância imperialista na busca insaciável de manter a usurpação das riquezas das nações. Há que se resgatar urgentemente o projeto político da articulação brasileira no cenário internacional visando a um desenho multipolar das forças internacionais.
Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Referências
ALBUQUERQUE, Alexandre Aragão de. https://segundaopiniao.jor.br/aula-magna-de-um-estadista/
GOMES, Rejane. A questão da Palestina e a fundação de Israel. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Junho de 2001.
MONITOR DO ORIENTE MÉDIO. https://www.monitordooriente.com/20210507-amorim-participacao-no-brics-e-pre-sal-trouxeram-a-guerra-hibrida-para-o-brasil/
USA. Department of Health Human Services. 2020 Annual Report. https://www.hhs.gov/sites/default/files/2020-annual-report.pdf