A supremacia judaica

Vestido de mulher, 14º ao início do século 16, Peru, Chuquibamba
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Por Joseph Massad*

Por que o Ocidente defende o regime de apartheid de Israel?

Sem arrependimento, os Estados Unidos e os países colonizadores da União Europeia e do Reino Unido não abandonaram o compromisso em defender o “direito de Israel de defender a si mesmo”. O que esses governos querem com esse refrão branco-suprematista é “o direito de Israel defender” seu regime de segregação ou apartheid e a supremacia judaica contra a resistência nativa anticolonial.

Eles foram apoiados pelos principais meios de comunicação, assim como pelas redes sociais que suprimem e banem as posições em prol dos palestinos, dando assim uma contribuição particular em legitimar o direito de Israel de defender seu regime de apartheid.

“Neutralidade” liberal

Todo um léxico contendo vocabulário ideológico branco-liberal foi construído durante décadas com o fim de defender o regime sionista na guerra colonial em curso contra o povo palestino. Os apologistas brancos liberais (e conservadores) de Israel insistem que o que existe na Palestina não é uma guerra colonial de conquista e uma luta indígena de libertação anticolonial, mas, antes, um “conflito”. Esse termo começou a ser usado desde o início dos anos 1920, pelo menos pelos sionistas, e mais tarde pelos ingleses, aparecendo nos primeiros documentos sionistas e sendo apresentado como um descritor neutro.

Termos “neutros” liberais subsidiários definem essa guerra colonial e a resistência a ela como “confrontos” e como um “ciclo de violência”.

Os palestinos são raramente identificados no léxico liberal ocidental branco como o povo indígena da Palestina submetidos à limpeza étnica, e os judeus israelenses nunca são expostos como judeus coloniais realizando limpeza étnica.

A resistência palestina é rotulada “neutramente” como “violência” e, de maneira mais importante, como “terrorismo”, enquanto as bombas coloniais de Israel são referidas como “retaliação”, com uma nova palavra chave apresentada como “neutra” no mesmo momento em que se insiste que os palestinos são os que cometem violência “antes”.

A intenção é apagar a guerra colonial sionista contra os palestinos desde 1880 como não sendo a primeira causa de sua calamidade e sua Nakba. Esse termo “neutro” parece naturalizar a conquista da Palestina com assentamentos coloniais como um processo “pacífico” ao qual os bárbaros não brancos palestinos responderam com violência, e contra os quais Israel, europeu e civilizado, “revida” agora.

A estratégia dos meios liberais ocidentais de comunicação, dominados pelos brancos, insistem com frequência em representar a luta palestina como conflito religioso entre “judeus” e “muçulmanos”, descrevendo-as como duas comunidades indígenas em desacordo uma com a outra desde tempos remotos.

Alguns dos liberais brancos, reconhecendo que sua dedicação ao colonialismo de ocupação na Palestina e ao apartheid israelense e à supremacia judia deu origem a conflitos de consciência, se uniram, nos últimos anos, aos exércitos dos defensores ocidentais liberais dos direitos humanos para negar os direitos nacionais indígenas dos palestinos, em favor de seus direitos “humanos”, pedindo que Israel não os viole.

Essa retórica despolitiza a luta palestina e deliberadamente esconde mais uma vez a natureza do colonialismo de ocupação que está atrás da opressão israelense à qual os palestinos estão submetidos.

Da mesma maneira, a limpeza étnica dos palestinos é rebatizada no léxico liberal como “despejos” dos palestinos de suas casas, o que legitima a representação oficial por Jared Kushner e por Israel da supremacia colonial de assentamento judia no país como uma simples “disputa por bens imóveis”.

A época das sublevações

Foi em 1884 que os camponeses palestinos resistiram inicialmente aos colonizadores europeus judeus que começaram a fundar um regime colonial de apartheid e de supremacia judia na Palestina […]. O historiador Neville Mandel, em seu livro intitulado Os Árabes e o sionismo antes da Primeira Guerra Mundial, constatou que “não havia praticamente nenhuma colônia judia que não tivesse em algum momento entrado em conflito” com os camponeses nativos palestinos. De acordo com Mandel, entre 1904 e 1909, explodiram múltiplos levantes palestinos contra os colonizadores judeus e muitos palestinos e colonos foram assassinados, o que levou à prisão dos camponeses pelas autoridades otomanas.

Nenhum dos atos de resistência foi capaz de deter a marcha da colonização judia, defendida pelo poder colonial britânico e pela Liga das Nações, preparando as batalhas finais pela limpeza étnica em 1947 e 1948. Bandos sionistas conquistaram a Palestina e estabeleceram uma colônia de assentamento judaico, imediatamente procurando estabelecer um regime suprematista hebraico de apartheid, seguido por dezenas de massacres de palestinos.

Massacre dos nativos

Os colonizadores judeus europeus tomaram boa parte de sua estratégia colonial e racial dos colonizadores brancos europeus. Isso inclui o mantra importante de que os colonizadores não tiveram escolha senão massacrar os africanos nativos.

A história dos últimos 73 anos de resistência palestina é suprimida não somente pelos colonizadores sionistas, mas também por seus patrocinadores imperialistas na Europa e na América do Norte.

Defendendo os massacres coloniais suprematistas da África do Sul do povo indígena Nama, na Namíbia, o representante colonial português na Liga das Nações, Freire D’Andrade, cujo país possuía várias colônias de assentamento adjacentes à Namíbia e África do Sul, afirmou em 1923 que “havia na África do Sul um movimento antieuropeu que era de importância considerável. Ouvia-se com frequência a observação de que a África era dos africanos e que os europeus deveriam ser jogados no mar”.

Tomando emprestado essa frase do colonialismo branco de ocupação, o chefe da organização sionista, Chaim Weizmann, pretenderia, em 1930, que a Liga das Nações não deveria garantir autorrepresentação democrática para os palestinos indígenas, usando o que D’Andrade dizia a respeito das consequências do pedido de democracia e independência para os colonizadores europeus. O que os líderes árabes “desejam atualmente”, Weizmann insistiu, “é simplesmente nos jogar no Mediterrâneo”. Como eles conseguiriam fazer isso, explicou Weizmann, era por meio de seu “desejo” de estabelecer “um parlamento com base democrática, ou seja, uma instituição em que nós seríamos uma pequena minoria”.

Não somente os colonizadores judeus privaram os palestinos, desde 1948, de seus direitos democráticos, mas de fato foram eles, de acordo com Illan Pappe, que empurraram os palestinos em 1948 para o Mediterrâneo e para o deserto, prosseguindo com a limpeza étnica nas colônias de ocupação.

A história dos últimos 73 anos de resistência palestina ao apartheid israelense e à supremacia judaica, porém, seria suprimida não somente pelos colonizadores sionistas e seu Estado apenas construído, mas também por seus patrocinadores na Europa e em suas colônias na América do Norte que, por sua vez, forneceram a Israel dinheiro e armas para continuar sua colonização e limpeza étnica e que permanecem entusiastas em sustentar o “direito de Israel de se defender”, defender seu apartheid e a supremacia judaica, diante de toda resistência indígena.

Unindo os palestinos

O atual massacre sionista e israelense ao povo palestino desfez mais uma vez todas as intrépidas tentativas do colonialismo de ocupação judeu em dividir os palestinos, e ajuda a cimentar a unidade do povo colonizado contra o usurpador colonial.

Em 1948, Israel dividiu os palestinos entre os que foram expulsos de suas fronteiras e os que foram submetidos à supremacia judia dentro delas. Os palestinos dentro de Israel foram em seguida subdivididos pelos critérios sionistas de “racializar”, tão caro aos judeus sionistas europeus, mas completamente estranhos aos palestinos.

Assim, o druso árabe palestino que pertencia a uma denominação religiosa foi “etnicizado” como druso, enquanto os pastores palestinos foram “etnicizados” como beduínos. Ambos grupos árabes palestinos foram legalmente separados dos muçulmanos e dos cristãos palestinos de todas denominações, mesmo se Israel continua procurando separar esses últimos dois e “etnicizá-los”.

Quando Israel conquistou o restante da Palestina em 1967, seu primeiro ato foi separar os palestinos de Jerusalém oriental do resto da Cisjordânia e, após 1993, começou a separar os palestinos dentro da Cisjordânia e da Faixa de Gaza através de postos de controle militares israelenses permanentes.

Em 2000, separou os palestinos da Cisjordânia a oeste do seu muro de apartheid recém construído dos que viviam no lado oriental. Em 2005, separaram os palestinos de Gaza da Cisjordânia, tentando, ao mesmo tempo, des-palestinizar os palestinos expulsos que viviam no exílio desde 1948, num esforço que levou a redefinir, na última década, quem é refugiado palestino, segundo a ONU, para reduzir seu número de vários milhões a alguns milhares.

Apesar de todas essas tentativas de “etnicizar”, “racializar” e desnacionalizar, a unidade palestina persistiu, em particular porque todos os palestinos continuam a ser subjugados e oprimidos pelo sionismo e pela supremacia judia israelense.

A atual revolta, na última semana, contra o apartheid israelense e a supremacia judia por meio da colônia de ocupação, dentro das fronteiras de 1948 assim como de 1967, atestam essa unidade e a semelhança do apartheid imposto a todos os palestinos que vivem sob o domínio de Israel, que impede a todos aqueles expulsos por Israel para fora de suas fronteiras de voltar a casa.

A marcha na fronteira, essa semana, entre a Palestina e a Jordânia pelos palestinos expulsos e por seus aliados jordanos demonstra mais uma vez que a unidade palestina persiste diante dos colonizadores judeus e seu Estado.

A resistência vai continuar

Na semana passada, como foi o caso desde 1948, a unidade do governo de Israel e da população judia israelense se manifestou por meio do fato de que todos os judeus israelenses (com poucas exceções notáveis) servem no exército colonial de Israel e permanecem disponíveis, na reserva, durante décadas após terem acabado o serviço obrigatório plurianual.

Enquanto o exército de Israel e os extremistas civis judeus atacam e assassinam palestinos da Cisjordânia e Gaza, a polícia de Israel e os colonizadores judeus atacam os palestinos em Jerusalém oriental e através das cidades palestinas colonizadas dentro de Israel.

A principal reação dos países suprematistas ocidentais brancos foi afirmar inequivocamente que eles estão do lado de Israel e seu “direito” de defender seu regime de apartheid e supremacia judia.

Como resposta, no septuagésimo terceiro aniversário da Nakba, o povo palestino, assediado, está determinado em todo lugar a resistir a essa duradoura característica europeia de opressão colonial e racial, acabando com ela de uma vez por todas.

*Joseph Massad é professor de história intelectual e política moderna árabe na Columbia University em Nova York. Autor, entre outros livros, de Islam in Liberalism (University of Chicago Press).

Tradução: Paulo Butti de Lima.

Publicado originalmente no portal Middle East Eye.

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