Por BENÍCIO VIERO SCHMIDT*
Comentários sobre acontecimentos recentes.
A CPI do Senado Federal sobre pandemia assume, neste momento, uma feição mais dramática e decisiva frente às possibilidades de desestabilização institucional, seja no âmbito do governo federal, seja no âmbito do sistema decisório responsável pela saúde pública, especialmente no pertinente à administração de vacinas para a população.
Uma enorme rede de interesses, com participação de diversos atores – dentro e fora do governo, mas muito atuantes no funcionamento do sistema montado pelo bolsonarismo – tem sido paulatinamente revelada à opinião pública. Na verdade, não havia falta de vacinas disponíveis, mas faltava tempo para negociações que atendessem os diversos grupos de interesse no fornecimento das próprias vacinas.
Além dos lobistas de costume no cotidiano de Brasília, sempre alertas às possibilidades de vendas de bens e serviços ao Estado, chama a atenção a presença ativa de militares e assessores evangélicos no processo de decisão sobre compras e administração de vacinas provenientes do Exterior. A presença de número próximo a sete mil militares – da reserva e ativos – na estrutura federal de governo, finalmente se torna visível em seus aspectos mais deletérios e marcando novas dimensões do histórico patrimonialismo nacional, que assume como privado e familiar aquilo que é público.
Lamentável repetição de um fenômeno histórico brasileiro, assumindo novas feições a cada momento de nossa conjuntura. Laços religiosos, familiares e grupais que são solidificados pelo modo como se organiza e se comporta o sistema de representação política em nosso país.
Mais uma vez, o Estado é capturado por estas forças particularistas que alimentam um sistema político onde o fundamental é sua continuidade, por qualquer mecanismo desde que não flagrado como desvio ou crime pelos pares e pela claudicante Justiça. Espera-se que a CPI dê continuidade aos esclarecimentos e à devida apuração das respectivas responsabilidades.
O pedido de impeachment de Bolsonaro, encaminhado por representantes da sociedade civil e de organizações partidárias ao Congresso Nacional, consolidando os cerca de cem pedidos já formulados, compõe o quadro adverso para a Presidência da República. A combinação de pressões, entre o pedido de impeachment e os trabalhos de esclarecimento da CPI, poderá resultar em interrupção do mandato presidencial; ainda que hoje isso pareça pouco provável.
A Reforma Tributária, cujo projeto fatiado foi apresentado pelo ministro Paulo Guedes ao presidente do Congresso Nacional, deputado Arthur Lira, contém mudanças na faixa de isenção tributária, na possibilidade de declaração simplificada do IRPF e medidas que tributarão lucros e dividendos das empresas, a partir de R$ 20 mil mensais. Outras medidas, como aumento do IRPJ, estão em estágio inicial; na verdade, mais uma consulta aos grupos de pressão instalados no Congresso Nacional e às corporações empresariais, do que propriamente uma decisão firme e convicta do governo.
Cabe destacar, na esfera da representação política, a manifestação de 11 partidos contra o voto impresso para as próximas eleições, apesar do voto favorável do relator da comissão na Câmara de Deputados.
Ressalte-se finalmente que o Ministro Alexandre Moraes decidiu realizar investigação sobre organização criminosa digital que atenta contra a democracia, envolvendo inclusive familiares do Presidente da República.
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB e consultor da Empower Consult. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).