Por PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO JR.*
Uma eventual derrota dos setores mais reacionários da ordem em 2022 representaria um alívio momentâneo na guerra de classe movida pela burguesia contra os trabalhadores.
Apesar dos excelentes serviços prestados por Jair M. Bolsonaro ao capital, a burguesia considera seriamente a possibilidade de descartá-lo. O absoluto descontrole da crise sanitária, a crescente insatisfação social e a péssima relação com a China e com os Estados Unidos, parceiros comerciais estratégicos, tornam-no cada dia mais disfuncional como chefe de Estado.
Se já não faltavam crimes de responsabilidade para retirá-lo da presidência da República, o bombástico depoimento dos irmãos Miranda à CPI da Pandemia elevou a pressão pela abertura de um processo de impeachment. A conivência de Bolsonaro com tenebrosos esquemas de corrupção na compra de vacinas, comandados pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, torna sua permanência no poder praticamente insustentável.
Mesmo assim, a burguesia ainda reluta em dar luz verde para sua deposição. Sem nenhuma preocupação com a saúde dos brasileiros e a moralidade da coisa pública, os donos do poder conduzem a fritura do ex-capitão miliciano de forma lenta, segura e gradual, de olho única e exclusivamente no que convém a seus negócios. Na melhor tradição do autoritarismo estrutural que caracteriza a história brasileira, o papel reservado às ruas na operação “Fora Bolsonaro” é apenas o de dar um verniz de legitimidade a sua deposição.
Para os trabalhadores, colocar os protestos da população a reboque dos conchavos do andar de cima é uma armadilha perigosa. Transformar centenas de milhares de mortos em ativo político para desgastar Bolsonaro eleitoralmente é não só imoral e criminoso, como também altamente arriscado, pois abre a possibilidade para a consolidação de um governo-tampão de Mourão e para a construção de uma “terceira via” mais palatável ao capital. Uma operação semelhante redundou na eleição de Fernando Henrique Cardoso e na institucionalização do ciclo neoliberal.
Se Bolsonaro é mais perigoso que o vírus, como de fato é, sua deposição não pode avançar a passo de cágado. Estimativas da Universidade de Washington mostram que, no 24 de julho, data originalmente marcada pela Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo para a próxima manifestação do “Fora Bolsonaro”, o Brasil deverá contabilizar mais de 60 mil mortos.[1]
Não há dúvida de que uma eventual derrota dos setores mais reacionários da ordem em 2022 representaria um alívio momentâneo na guerra de classe movida pela burguesia contra os trabalhadores. Mas, sem uma profunda mudança nas bases do Estado brasileiro, nada permite supor que ela seria suficiente para deter os ataques avassaladores contra os direitos trabalhistas, as políticas públicas, a soberania nacional e o meio ambiente em pleno curso.
Colocar a campanha “Fora Bolsonaro” a reboque dos imperativos da ordem e enquadrá-la nas exigências da “paz social” é uma cumplicidade imperdoável com o genocídio sanitário e com a escalada neoliberal. Para que a deposição de Bolsonaro abra novos horizontes para os trabalhadores, não basta mudar a guarda no Alvorada.
A faxina tem de ser completa e a mudança nas bases de sustentação do Estado ampla, geral e irrestrita. Não se pode esquecer que Ricardo Barros, o pivô do último escândalo de corrupção na compra de vacina, foi líder do governo de FHC na Câmara dos Deputados e vice-líder dos governos Lula e Dilma Rousseff, antes de se tornar Ministro da Saúde de Temer e voltar à liderança do governo na administração Bolsonaro.
Para que não seja apenas uma massa de manobra nas disputas que dividem os agentes políticos da burguesia na guerra pelo poder, a intervenção popular precisa ser rápida, ousada e radical, embasada num programa de defesa clara e inequívoca dos interesses imediatos e estratégicos da classe trabalhadora. Vacina no braço, comida no prato e uma completa mudança no modelo econômico e político, tendo em vista a organização de uma sociedade baseada na igualdade substantiva, são as bandeiras que devem orientar a luta pela deposição de Bolsonaro e Mourão.
Interromper o genocídio sanitário e deter a ofensiva do capital sobre o trabalho são os desafios do momento. A mobilização popular deve ser permanente e acompanhada da construção de uma greve sanitária que paralise a produção e circulação de mercadorias.
Felizmente, a pressão das ruas antecipou as próximas manifestações. No próximo dia 3 de julho, todos ao Ato Nacional “Fora Bolsonaro e Mourão”! E, depois, não sair das ruas, combinando mobilizações pontuais e manifestações massivas, enquanto o governo não cair.
*Plínio de Arruda Sampaio Jr. é professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp e editor do site Contrapoder. Autor, entre outros livros, de Entre a nação e a barbárie – dilemas do capitalismo dependente (Vozes).
Publicado originalmente no site www.contrapoder.net.
Notas
[1] Estimativa do IHME – Institute for Health Metrics and Evaluation – da Universidade de Washington. https://covid19.healthdata.org/brazil?view=cumulative-deaths&tab=trend.