Lições do 3 de julho

Imagem: Grupo de Ação
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por VALERIO ARCARY*

A luta política contra os neofascistas se dará em todos os espaços

“Não se deve mudar a tática quando se está ganhando” (Sabedoria popular francesa).

A jornada nacional de 3 de julho foi uma vitória, e deixou três lições. A primeira é que a força da Frente Única da Esquerda pode manter nas ruas uma forte pressão pelo impeachment. A queda de Bolsonaro não é para amanhã, mas está colocada como uma possibilidade no horizonte. Não é iminente. Ainda estamos na escala das dezenas de milhares nas grandes cidades, e a derrubada do governo de extrema direita exige a presença de uma massa de milhões.

Vai ser um processo contínuo, vai exigir determinação, tem que ser construída, mas é uma perspectiva muito superior à tática quietista de um lento desgaste esperando as eleições de 2022. Seria um erro oportunista imperdoável perder a oportunidade.

A segunda é que é possível dividir, fissurar e abrir brechas nos partidos da classe dominante. Esta dinâmica é ainda inicial, incipiente, embrionária, mas está colocada e não pode ser desperdiçada. Não se pode lutar, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, contra todos os inimigos. A unidade na ação com os partidos que são a representação, historicamente, da burguesia é essencial. Um setor dos grandes capitalistas já está em um posicionamento de oposição. Mas a massa da burguesia ainda apoia Bolsonaro. Por isso, prevalece a apreensão e insegurança com o impeachment. Seria uma segunda interrupção de mandato presidencial em intervalo de cinco anos. Algo que revela instabilidade do regime para conter os excessos de um governo de extrema-direita.

O impacto do deslocamento de setores massivos das camadas médias para o apoio ao impeachment seria uma vitória espetacular, e ajudaria em muito uma possível mudança na relação de forças políticas no Congresso Nacional. O apoio de lideranças da direita liberal ao impeachment de Bolsonaro é progressivo. Seria um erro sectário imperdoável desprezar a importância da unidade na ação.

A terceira é que duas ações de minúsculos grupos potencializaram, infelizmente, perigosas repercussões em São Paulo. A primeira foram as agressões gratuitas a ativistas tucanos LGBT’s. Não foi uma ação de autodefesa diante de um ataque de fascistas. Os militantes do PSDB não são fascistas, e estavam, legitimamente, presentes apoiando o programa Fora Bolsonaro.

A segunda foram as depredações e provocações aos PM’s ao final da passeata, como já tinha acontecido em 19 de junho, de adeptos anarquistas da tática black bloc. Ambas estão sendo usadas, amplamente, nas redes sociais pela extrema-direita para denunciar, desqualificar e desmoralizar as mobilizações pelo impeachment. Seria um erro ultraesquerdista imperdoável não garantir o controle da segurança das próximas mobilizações.

Os atos em mais de trezentas cidades, e presença em muitas pelo mundo afora, confirmam que a campanha Fora Bolsonaro continua em processo de acumulação de forças. Em Porto Alegre e Fortaleza, por exemplo, o 3 de julho foi maior do que o 29 maio e o 19 junho. Em outras capitais foram semelhantes. Ainda em outras foram um pouquinho menores, mas ainda assim, poderosas. Não ocorreu um salto de qualidade. Mas a caracterização de crime de prevaricação já impôs a abertura de uma investigação de Bolsonaro por decisão do STF.

A convocação de emergência da jornada nacional de manifestações de 3 de julho foi uma decisão lúcida e corajosa. Assumida no sábado dia 26 de junho, no dia seguinte da revelação de crime de Bolsonaro diante das denúncias de compra da vacina covaxin, não eram pequenos os riscos assumidos. Apenas quinze dias depois da jornada de 19 de junho, e ainda em condições muito perigosas da pandemia, o comitê Fora Bolsonaro foi unânime. A unidade da Frente de Esquerda foi preservada. Ao longo dos sete dias posteriores as fissuras políticas cresceram e o apoio às manifestações cresceu, com adesão de lideranças de direita ex-bolsonaristas e da direita liberal.

O superpedido de impeachment unificado foi, também, uma iniciativa inteligente. Apresentado em conjunto por todos os partidos de esquerda com raízes entre os trabalhadores e referência no socialismo, portanto, um mesmo campo de classe, mas também por dissidências do bolsonarismo, como Joyce Hasserlmann e o MBL, foi um gesto firme e maduro.

Trata-se de uma tática parlamentar que pode prosperar. E tranquiliza e ajuda a levantar a moral da militância de esquerda que está inquieta, atormentada, e ansiosa diante da gravidade da hecatombe sanitária e social e a lentidão do desenlace da crise. Todos sabemos que Bolsonaro não vai cair de maduro, e há perigo “na esquina”. Mas, o mais importante é que neste sábado dia 3 de julho de 2021, o horizonte do impeachment de Bolsonaro ficou mais próximo.

Não é verdade que Bolsonaro é o inimigo ideal em um segundo turno em 2022. Não é verdade que o maior perigo para a estratégia de um governo de esquerda seria uma candidatura da esquerda da direita liberal. Não é verdade que o impeachment interessa mais aos articuladores de uma candidatura de direita dissimulada como de centro. Não é verdade que lutar pelo impeachment agora e já, com todas as forças, é construir uma escada para os tucanos voltarem à presidência.

O bolsonarismo não é uma corrente eleitoral, é o neofascismo. Preparam-se e não hesitarão em precipitar um ataque frontal às liberdades democráticas, quando se sentirem encurralados antes de 2022. Bolsonaro está se fragilizando, mas não é um cadáver politico insepulto. Pode se recuperar. Em algum momento assistiremos a uma sensação de alívio na medida em que as sequelas da pandemia diminuírem. Já está em curso uma recuperação econômica, ainda que lenta.

A derrota do governo Bolsonaro só é possível se a corrente neofascista que o apoia for contida, isolada, reprimida e desmoralizada. Há um partido neofascista militante em construção como força de choque ao serviço de um projeto de autogolpe. São inflexíveis, sectários, irados, enfurecidos, portanto, incontíveis. Sua exaltação obedece a um plano de disseminar o ódio e impor o medo. Preparam-se para a luta pelo poder. Apoiam-se em uma corrente de massas reacionária. Não respeitam nada, a não ser a força.

Têm como estratégia destruir a esquerda. Toda a esquerda. Os ativistas dos movimentos ambientalistas, feministas, negros, indígenas, LGBT’s, estudantis, populares e sindicais. Os partidos mais moderados e os mais radicais. Não se deixarão intimidar por decisões do Congresso ou do STF. Só podem ser derrotados por uma força militante de esquerda motivada, combativa, decidida, e inabalável.

Enganam-se, dramaticamente, aqueles que calculam que podemos escolher o terreno em que iremos medir forças com o bolsonarismo, e devemos priorizar o eleitoral. A luta política contra os neofascistas se dará em todos os espaços: nas instituições, nas eleições, mas será decidida pela força social de choque que for mais poderosa na hora das mobilizações de massas. Esta mobilização contra os fascistas só poderá galvanizar as massas populares se, além da defesa das liberdades democráticas, incluir propostas que respondam aos anseios mais sentidos.

*Valerio Arcary é professor aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de O encontro da revolução com a história (Xamã).

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Balanço da esquerda no final de 2024Renato Janine Ribeiro 19/11/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: A realidade impõe desde já entender que o campo da esquerda, especialmente o PT, não tem alternativa a não ser o nome de Luiz Inácio Lula da Silva para 2026
  • Donald Trump e o sistema mundialJosé Luís Fiori 21/11/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Se houver um acordo de paz na Ucrânia, o mais provável é que ele seja ponto de partida de uma nova corrida armamentista dentro da própria Europa e entre os EUA e a Rússia
  • Mudanças no modelo de pós-graduaçãobiblioteca universidade 21/11/2024 Por ANTÔNIO DAVID: O doutorado direto não é um demérito, e doutores que realizaram o doutorado direto não são doutores pela metade
  • Notas sobre a disputa em São Paulogilberto maringoni 18/11/2024 Por GILBERTO MARINGONI: É preciso recuperar a rebeldia da esquerda. Se alguém chegasse de Marte e fosse acompanhar um debate de TV, seria difícil dizer quem seria o candidato de esquerda, ou de oposição
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Freud no século XXIcultura peça transversal 24/07/2024 Por GILSON IANNINI: Trecho do livro recém-lançado

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES