Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE*
Para romper com o subdesenvolvimento e a dependência a AL terá de romper com o capitalismo
A versão marxista da teoria da dependência (TDM) surge como uma crítica global, tanto as teorias convencionais de desenvolvimento, ainda hoje preponderantes, quanto às concepções de segmentos das esquerdas, como os antigos Partidos Comunistas. Essa visão, buscando a interação do capitalismo dependente em sua articulação especifica à economia mundial, rompe com diversos reducionismos metodológicos e reinterpreta espacialmente o desenvolvimento capitalista, gerando novas categorias de interpretação, sendo que o desenvolvimento capitalista desta região deveria ser compreendido a partir do duplo vetor: ciclo de reprodução do capital local e expansão da economia mundial capitalista.
A categoria de dependência permite visualizar a situação interna dos países periféricos como parte da economia global, sendo um complemento fundamental da teoria marxista do imperialismo, nexo do processo de expansão dos centros capitalistas e de sua dominação mundial. Assim, desenvolver proposições ou leis internas ao capitalismo periférico constitui ponto relevante na contribuição teórica dessa percepção ao mundo capitalista contemporâneo. Esse exercício transcendeu as teorias convencionais do desenvolvimento que se propunham explicar a situação econômica de nossos países como mero resultado de pretensa lentidão ou fracasso em adotar padrões de eficiência característicos dos países centrais.
A partir da análise do processo de constituição de uma economia global formada pela interação de economias nacionais em um mercado mundial nota-se que as relações produzidas por esse mercado são desiguais e combinadas: desiguais porque o desenvolvimento de certas partes do sistema ocorre em detrimento de outras partes e combinada, uma vez que as relações comerciais baseiam-se no controle monopólico do mercado, que acarreta à transferência do excedente gerado nos países dependentes para os países dominantes.
As relações financeiras, sob a ótica das economias centrais, baseiam-se em empréstimos e na exportação de capital, o que lhes permite receber juros e lucros, aumentando dessa forma, seu excedente doméstico e fortalecendo seu controle sobre as economias dos outros países. Vale lembrar a montanha de riquezas que o Brasil, e os demais povos latinos, transferem anualmente na forma de pagamento de juros das dívidas estatais: no caso dos EUA o coeficiente Dívida/PIB no período 2010/2015 está acima dos 60%, porém o coeficiente juros/PIB se encontra inferior a 1,5%, muito abaixo do caso brasileiro, onde o coeficiente juros/PIB é sempre acima de 4%, apesar da relação Dívida/PIB ser, em média, de 56,7%, bem menor que dos Estados Unidos[i].
Essa lógica expressa uma exportação de lucros e juros das sociedades periféricas paras as centrais, parte do excedente gerado domesticamente e conduz a uma perda do controle sobre seus próprios recursos produtivos, algo que se vincula as características de subserviência dessa burguesia a burguesia imperialista. Nesse sentido, para que essas relações se deem, os países dependentes geram grandes excedentes, através da superexploração de sua força de trabalho. Isto resulta em limitações estruturais do seu desenvolvimento capitalista, mas centralmente de uma forma abusiva de uso e exploração de seus povos, cultural, moral e fisicamente. O desenvolvimento desigual, associado, combinado explica e acentua a forma estrutural do capitalismo na economia global.
Os países latino-americanos relacionam-se com os centros capitalistas por meio de uma estrutura estabelecida a partir de uma divisão internacional do trabalho, na qual as relações de produção das nações periféricas são transformadas ou recriadas para garantir a reprodução ampliada da dependência. Do ponto de vista do centro para a periferia, a participação da América Latina no mercado internacional contribuiu para que o eixo da acumulação dos países imperialistas se deslocasse para um novo ciclo tecnológico, ou uma nova espiral de acumulação. Vale notar que nas últimas décadas, as características da dependência se modificam e acirram as contradições entre centros produtores de elevada tecnologia e periferias, cada vez mais dispersa, produtoras de recursos naturais, padrão de reprimarização produtiva evidenciada nas maiores economias latino-americanas.
A relação centro-periferia baseia-se num “intercâmbio desigual”, pois os países dependentes exportam produtos básicos que não requerem a introdução de tecnologia desenvolvida internamente para expansão da acumulação, onde a produção se fundamenta em mecanismos de superexploração da força de trabalho ou na extração intensiva de recursos naturais.
As burguesias das economias dependentes frente ao processo de troca desigual encontram no aumento da exploração do trabalho um mecanismo que permite o aumento da massa de valor disponível para a exportação. A forma histórica do capitalismo de superexploração baseia-se tanto na intensificação da exploração, mas também em tecnologias diferenciais que possibilitam tanto a expansão do excedente, quanto alterações nas relações tecnológicas favoráveis ao capitalismo mundial. Deste modo, a superexploração do trabalhador é uma característica essencial da produção nos países dependentes e essência das contradições e formas de regimes políticos prevalentes nesses países, porém sem deter avanços tecnológicos localizados, como por exemplo no agronegócio e nas minas de grande produção.
Dadas as condições para submeter o trabalhador a tal situação, pode-se concluir que a execução de três mecanismos: o aumento da intensidade do trabalho, o aumento da jornada e a redução do consumo do operário, além do limite humanamente desejável têm suas características essenciais.
Os elementos condicionantes da dependência provocam uma forte saída estrutural de recursos, empobrecimento biótico, acarretando recorrentes problemas de estrangulamento externo e restrições ao crescimento. Com isso, a única maneira que a acumulação de capital interna à economia dependente tem para prosseguir constitui aumentando a sua produção de excedente, mesmo que uma parcela crescente desse excedente seja apropriada e, portanto, acumulada, externamente, o restante pode sustentar uma dinâmica de acumulação interna, ainda que restringida, dependente e baseada em crescentes graus de miséria social.
A superexploração da força de trabalho não coloca, em princípio, empecilhos para a acumulação interna de capital, ao restringir o consumo da força de trabalho, porque sua dinâmica de realização pode depender do mercado externo e/ou de um padrão de consumo que privilegie as camadas médias e altas da população. A partir dessa dinâmica de acumulação de capital, o capitalismo dependente pode crescer, contornando sua restrição externa.
Entretanto, essa dinâmica traz consigo consequências inevitáveis da dependência: distribuição regressiva da renda e da riqueza, associada a uma marginalidade e violência crescentes, algo que se aprofunda nesse novo anel da espiral da dependência, rompê-lo vai além das disputas institucionais requer luta radical nas ruas das cidades e dos campos brasileiros. Romper com o subdesenvolvimento requer romper como capitalismo e projetar outra sociedade global: socialista e solidária.
*José Raimundo Trindade é professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA. Autor, entre outros livros, de Crítica da Economia Política da Dívida Pública e do Sistema de Crédito Capitalista: uma abordagem marxista (CRV).
Referências
José Raimundo Trindade. Uma Agenda de Debates. In: TRINDADE, J. R. B. Agenda e debates e desafios teóricos. Belém: Paka-tatu, 2020.
Ruy Mauro Marini. Dialética da Dependência (1973). SADER, Emir (orgs). Dialética da Dependência: uma antologia da obra de Rui Mauro Marini. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
Theotonio dos Santos. Teoria da Dependência: Balanço e perspectivas. Obras Escolhidas. V.1. Florianópolis: Insular, 2015.
[i]https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/07/110727_divida_brasil_juros_rw.shtml#pagamentos,