Não, tapa na cara não pode (nunca)

Imagem: Martins Krastins
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JULIAN RODRIGUES*

Pior do que a agressão perpetrada por Will Smith é certa onda de normalização da violência

Noite de domingo, 28 de março – dividindo a atenção entre a cerimônia do Oscar e o BBB. De repente, meu marido veio me chamar a atenção. O Will Smith acabara de subir ao palco do Oscar e meter um tapão na cara do Chris Rock, que ancorava a apresentação naquele momento.

Teria sido uma reação indignada contra piada ofensiva de Chris Rock relacionada à calvície de Jada Smith, esposa do astro Will – que todos aprendemos a amar desde Um maluco no pedaço (The Fresh Prince of Bel Air).

Jada, com um belíssimo vestido verde, brilhava na plateia. Como sofre de alopecia, a atriz optou pelo visual cabeça totalmente raspada: digna, empoderada, radiante.

Em certo momento, Chris Rock apresentava a premiação e brincou dizendo que Jada estava careca para poder estrelar G. I. Jane 2, em uma referência ao que seria uma sequência do filme Até o limite da honra, que em inglês tem o título de G. I. Jane. Na obra, Demi Moore, sem cabelos, interpreta a protagonista.

Uma piada fraca, com certeza. De mau gosto, mesmo. Até aí, faz parte. O que tem de piada ruim e constrangedora circulando… O que não faz parte é a reação de Smith. Não, gente, não pode. Não é bacana. Não é cavalheirismo. Não é legítimo.

Em primeiro lugar: nenhuma agressão física pode ser tolerada nesse tipo de situação. Não estamos falando de autodefesa, de batalha contra fascistas, nada do tipo. Vi muita gente boa delirar por esse caminho.

Em segundo lugar: piadas de bom, e sobretudo de mau gosto são recorrentes, sobretudo no tipo de humor hegemônico nos EUA – que, aliás, tem influenciado sobremaneira os estandapeiros e novos humoristas aqui no Brasil.

Se relativizarmos a violência física, abrimos um flanco terrível. De novo: não estamos falando nem de autodefesa nem de processos revolucionários. O direito de dar porrada em quem eu não gosto não é um direito. É coisa da direita, dos bolsonaristas, reaças, dos neofascistas, machistas e racistas mundo afora.

Mais grave ainda é o aspecto sexista. Quer dizer que Jada é uma indefesa mocinha que precisa de ser protegida pelo macho alfa? Não pode falar ou reagir por si mesma?

Parece aquela argumentação arcaica para livrar a cara de homens assassinos, que teriam agido “em legítima defesa da honra”. Da honra deles, quando matavam as esposas, ou da honra delas, quando matavam os supostos “amantes”. Tentar “passar pano” pra Will Smith é reforçar a hegemonia da masculinidade tóxica. É quase uma celebração da figura do ogro, do macho primitivo, reprodutor e provedor, demarcador de território, protetor das fêmeas e de suas crias. Um troço tosco – totalmente incompatível com os avanços feministas, igualitários, progressistas.

Não normalizem a violência. Não normalizem as agressões físicas.

Resumindo: Chris Rock fez só uma piada ruim (como tantas outras, ele é bem fraco mesmo); Jade Smith não é vítima e não precisa de heróis para salvá-la do dragão; Will Smith foi um babaca escroto e machista; agressão física nunca é legal, coleguinhas, nunca!

*Julian Rodrigues, professor e jornalista, é ativista LGBTI e de Direitos Humanos.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
André Singer Claudio Katz Jean Pierre Chauvin Rafael R. Ioris Anselm Jappe Ronald León Núñez Samuel Kilsztajn Gilberto Maringoni Otaviano Helene Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Leonardo Avritzer José Costa Júnior Valerio Arcary Walnice Nogueira Galvão Tales Ab'Sáber Ronaldo Tadeu de Souza Luiz Eduardo Soares José Micaelson Lacerda Morais Luiz Marques Lucas Fiaschetti Estevez Dennis Oliveira Alysson Leandro Mascaro Lorenzo Vitral Dênis de Moraes Priscila Figueiredo Carlos Tautz Ladislau Dowbor João Paulo Ayub Fonseca Marilia Pacheco Fiorillo João Adolfo Hansen Flávio R. Kothe José Dirceu Chico Whitaker Luiz Bernardo Pericás Luciano Nascimento Alexandre de Lima Castro Tranjan Daniel Afonso da Silva Sergio Amadeu da Silveira André Márcio Neves Soares Chico Alencar Leda Maria Paulani José Raimundo Trindade Benicio Viero Schmidt Rodrigo de Faria Bruno Fabricio Alcebino da Silva Marcos Silva Michel Goulart da Silva Igor Felippe Santos Thomas Piketty Leonardo Sacramento Vanderlei Tenório Paulo Fernandes Silveira Francisco de Oliveira Barros Júnior Marcelo Módolo Bruno Machado Matheus Silveira de Souza Ricardo Abramovay Andrew Korybko Alexandre de Freitas Barbosa Marilena Chauí Henri Acselrad Paulo Sérgio Pinheiro Ricardo Musse Daniel Costa Anderson Alves Esteves Leonardo Boff Paulo Capel Narvai Francisco Pereira de Farias Luiz Renato Martins Kátia Gerab Baggio Antonio Martins Tarso Genro Atilio A. Boron Marcos Aurélio da Silva Luís Fernando Vitagliano Caio Bugiato Manuel Domingos Neto João Carlos Salles Gilberto Lopes João Feres Júnior Henry Burnett João Sette Whitaker Ferreira Celso Frederico José Machado Moita Neto Francisco Fernandes Ladeira Manchetômetro Fernando Nogueira da Costa Slavoj Žižek Flávio Aguiar Luiz Carlos Bresser-Pereira Bernardo Ricupero Bento Prado Jr. Liszt Vieira Antônio Sales Rios Neto Heraldo Campos Eleonora Albano Vinício Carrilho Martinez Michael Roberts Fábio Konder Comparato Jean Marc Von Der Weid Marcus Ianoni Denilson Cordeiro Jorge Luiz Souto Maior Eleutério F. S. Prado Michael Löwy Eugênio Trivinho Ricardo Fabbrini Boaventura de Sousa Santos Sandra Bitencourt Jorge Branco João Carlos Loebens Renato Dagnino Milton Pinheiro Gabriel Cohn Everaldo de Oliveira Andrade Plínio de Arruda Sampaio Jr. Osvaldo Coggiola Antonino Infranca Ricardo Antunes Annateresa Fabris Armando Boito Berenice Bento Mariarosaria Fabris Eugênio Bucci Luiz Werneck Vianna Luis Felipe Miguel Luiz Roberto Alves Afrânio Catani Juarez Guimarães Daniel Brazil Gerson Almeida Paulo Nogueira Batista Jr Eduardo Borges Ari Marcelo Solon Yuri Martins-Fontes Eliziário Andrade Maria Rita Kehl Celso Favaretto José Geraldo Couto Julian Rodrigues Marjorie C. Marona Salem Nasser Elias Jabbour Mário Maestri Marcelo Guimarães Lima Paulo Martins Fernão Pessoa Ramos Vladimir Safatle Lincoln Secco Carla Teixeira Airton Paschoa Tadeu Valadares José Luís Fiori Érico Andrade Ronald Rocha Rubens Pinto Lyra Andrés del Río João Lanari Bo Alexandre Aragão de Albuquerque Remy José Fontana

NOVAS PUBLICAÇÕES