Estado mínimo

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Por TADEU ALENCAR ARRAIS*

Adeus ao concurso público – um recado para a(o)s concurseira(o)s de plantão.

É bem isso. Chega de eufemismos, suavizações, rodeios, desvios. É isso que milhões de pessoas que frequentam cursinhos preparatórios ao redor do país devem saber. A cobiçada carreira no INSS, na Receita Federal, na Defensoria Pública da União ou no magistério em instituições de ensino superior, entre outros órgãos, está em risco. A compreensão do risco demanda explorar o seguinte paradoxo: é possível apoiar governos que defendem o Estado Mínimo e, ao mesmo tempo, sonhar, como uma debutante, com uma carreira sólida na administração pública?

O artigo 6º da Constituição Federal coloca no rol dos direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Isso significa que, para atender o projeto da universalização dos serviços públicos, o Estado demanda, por um lado, a infraestrutura física, a exemplo de escolas, hospitais, creches, postos do INSS, delegacias etc., e, por outro lado, professoras, enfermeiras, médicos, técnicos, auditores etc.

O Artigo 6º, portanto, é primeira chave para compreendemos a necessidade imperativa de concurso público em distintas áreas da burocracia estatal. A segunda chave é a constatação que a iniciativa privada, em um pais de 8,5 milhões de Km2, não atende as demandas de uma população que, simplesmente, não tem recursos para matricular seu filho em uma escola particular e nem mesmo pagar um plano de saúde. E, mesmo tendo recursos, é bom saber que serviços privados de saúde e educação não existem em fração significativa da “Pátria Amada Brasil”.

Figura 1. Brasil, municípios sem ocorrência de escolas privadas do ensino básico, 2021
Fonte: INPE (2021)

A Figura 1 pode ser lida como uma denúncia da ineficiência da iniciativa privada. Em 2.353 municípios brasileiros, em área equivalente a 2,96 milhões de Km2, não há registro de presença de escolas privadas e, portanto, de professores e professoras na rede privada. O mercado educacional é, por assim dizer, público. É como se na totalidade da Região Nordeste e da Região Sul, e mais alguns Estados do Centro Oeste, não tivesse uma única, a redundância é proposital, escola privada. Isso a filha solteira da falecida pensionista do moribundo procurador, que reside no Leblon e recebe a bagatela mensal de 25 mil reais, nunca entenderá.

Figura 2. Brasil, total de estabelecimento públicos de saúde, por município, julho de 2022
Fonte: DATA-SUS (2022)

O território sem escolas privadas é, também, o território sem saúde privada. O mapa da saúde privada é, prioritariamente, urbano e metropolitano. Já o mapa da saúde pública, como demonstra a Figura 2, além de urbano e metropolitano, atende as comunidades rurais, comunidades ribeirinhas, os aldeamentos, enfim, todo o território brasileiro em qualquer que seja a latitude e em qualquer que seja a situação econômica. Não há um único, a redundância é proposital, município brasileiro sem um estabelecimento público de saúde. Em todos os municípios brasileiros, a qualquer hora do dia ou da noite, um idoso ou uma gestante pobre encontraram, apesar das dificuldades, o apoio de um profissional da saúde pública.

Mas dirá, o jovem neoliberal que estudou em escola pública e sonha em ingressar como Analista do Seguro Social no INSS, que não precisamos de professoras e enfermeiras, afinal, Rodrigo Constantino, mesmo depois das chibatadas de Ciro Gomes, ainda insiste em ensinar que o gigantismo do Estado Brasileiro atrapalha o espírito empreendedor. O concurseiro estuda oito horas diárias, incluindo incursões sobre contabilidade pública, direito administrativo, gramática e, imaginem, lógica. O concurseiro tudo sabe de política. Não consegue, no entanto, entender que a Reforma da Previdência dispensará, por óbvio, o aparato técnico burocrático do INSS que, todos os meses, administra mais de 35 milhões de benefícios da Seguridade Social. Parece fácil entender. Sem aposentadorias e pensões, sem servidores para analisar, planejar e implementar as ações e competências do INSS.

Pela ótica do Artigo 6º da Constituição Federal, portanto, percebemos que o Estado Brasileiro, para tomar emprestado o feliz título do livro da italiana Mariana Mazzucato, é o verdadeiro empreendedor. É um Estado, considerando as comparações com a OCDE no quesito total de funcionários públicos, pequeno. É tudo muito simples. O Estado será pequeno enquanto faltarem creches, escolas, universidades, postos de saúde, hospitais, delegacias, centros de atenção aos idosos, bibliotecas etc., para todos os brasileiros.

Somos, entre funcionários da administração Federal, Estadual e Municipal, 8,6 milhões de trabalhadores dedicados à servir o público. Um verdadeiro exército que, com frequência, precisa de renovação. É isso que os concurseiros de todo o país precisam entender. A “Pátria Amada Brasil”, ao negligenciar a educação, ao criminalizar a ciência, ao penalizar os aposentados e pensionistas, ao ridicularizar a cultura e ao tratar a saúde com desdém, esta, também, dando um claro recado para todos aqueles que desejam ingressar na carreira pública. Quanto menor for o Estado maior será a rachadinha! O mínimo, portanto, de concurso público e o máximo, esse é o plano, de indicações políticas. A escolha, concurseiro, é toda sua! Pesquisa, fora da atmosfera das notícias falsas, que governo mais valorizou o servidor público. Uma dica. Sua história como futuro servidor público pode começar no próximo dia 30. Pense nisso. Esperamos você!

*Tadeu Alencar Arrais é professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

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