Catástrofe nuclear?

Imagem: Karyme França
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

Os brasileiros estão entre os menos alertas para o perigo que o mundo corre desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022

O brasileiro é um dos povos mais complacentes do planeta. Como todas as nações gigantes, o Brasil é propenso à introversão. Damos atenção apenas relativa, apenas seletiva, ao que ocorre em outros países. Além do mais, somos afortunados. Vivemos na América do Sul, uma região de paz, onde não se vê guerra há muito tempo. Temos boas relações com todos os nossos vizinhos de fronteira, sem exceção. E mais: ficamos razoavelmente preservados dos efeitos destrutivos das duas Guerras Mundiais do século XX. Por todos esses motivos, os brasileiros estão entre os menos alertas para o perigo que o mundo corre desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.

E, no entanto, os riscos são crescentes, até mesmo o risco extremo de guerra nuclear. O conflito na Ucrânia envolve, direta ou indiretamente, as duas principais potências nucleares. A Rússia, diretamente. Os Estados Unidos, indiretamente, lutando uma guerra por procuração em que os ucranianos lutam e morrem por eles. Para os Estado Unidos, o que está em jogo é nada mais nada menos do que o prestígio da sua hegemonia global, desafiada pela invasão da Ucrânia. A Rússia, por seu lado, enxerga na ação do Ocidente, na Ucrânia e em outros países, uma ameaça existencial, e tem dito isso aberta e repetidamente.

O ideal seria que os Estados Unidos fossem menos paranoicos quanto a ameaças à sua liderança mundial. E que a Rússia fosse menos paranoica quanto às ameaças que vêm do exterior. Mas essas paranoias têm raízes profundas. Os americanos estão acostumados a mandar e desmandar, desde a Segunda Guerra Mundial e, em especial, desde o colapso da União Soviética. Os russos, por outro lado, estão acostumados a invasões imperiais ocidentais profundamente ameaçadoras, notadamente a napoleônica e a hitlerista.

Estamos diante da maior ameaça de guerra nuclear desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, no início dos anos 1960. É bem verdade que, ao longo das últimas décadas, Estados Unidos e União Soviética/Rússia se defrontaram em várias regiões do mundo sem chegar às vias de fato. Instalou-se, assim, a complacência. A guerra nuclear, impensável por seu potencial de destruição mútua, será sempre evitada, acredita-se. Uma teoria, otimista, postula inclusive que a existência de arsenais nucleares constitui, paradoxalmente, uma garantia de paz ou, pelo menos, de ausência de guerras diretas e totais entre potências atômicas.

De fato, há cenários, mais ou menos plausíveis, em que a catástrofe nuclear seria evitada. A vitória da Ucrânia, com expulsão das tropas russas do seu território, não parece provável, mas não pode ser inteiramente descartada, dada a extensão do apoio militar e financeiro do Ocidente. A vitória da Rússia, mais concebível, dada a sua superioridade militar, econômica e populacional, encontra resistência cerrada do bloco ocidental.

Um terceiro cenário, mais provável, seria o assim chamado congelamento da guerra, um conflito de longa duração, sem solução no campo de batalha e sem solução diplomática. Um “congelamento” da guerra manteria vivo o risco de um confronto nuclear. A passagem do tempo multiplicaria os incidentes capazes de levar à sua materialização.

Para os países envolvidos, principalmente a Ucrânia, o prolongamento da guerra traria custos enormes em termos humanos e econômicos. Já severamente abalada pela invasão, a Ucrânia sofreria mais ainda. A Rússia também pagaria um preço elevado em termos humanos, políticos e econômicos. O Ocidente arcaria com uma conta cada vez mais pesada. O resto do mundo continuaria sofrendo as consequências econômicas da guerra.

Volto ao Brasil. Lideranças políticas como Lula e outras estão plenamente conscientes, tudo indica, dessas ameaças todas. É compreensível e louvável que estejam envidando esforços para assegurar o fim da guerra. Países como China, Índia, Indonésia, Turquia e Brasil, entre outros, estão buscando a paz. O caminho talvez seja aquele apresentado inicialmente pelo Brasil – a formação de um grupo de países que atuariam conjuntamente em prol do fim das hostilidades e de uma solução duradoura para os conflitos no Leste da Europa.

Evidentemente, Brasil e outros podem acabar saindo de mãos abanando. Por maiores que sejam seus esforços, só haverá paz se as partes envolvidas na guerra estiverem realmente dispostos a negociar. Tendo em vista, porém, a dimensão dos riscos que corremos, vale a pena persistir na busca da paz.

O Brasil exerce a presidência de turno do G-20 em 2024, grupo que inclui todos os principais países envolvidos no conflito, com exceção da Ucrânia. É a oportunidade que talvez se apresente para superar a guerra e seus riscos.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Kátia Gerab Baggio Ricardo Antunes Antonino Infranca Alexandre Aragão de Albuquerque Gilberto Lopes José Micaelson Lacerda Morais Lincoln Secco Annateresa Fabris Marcos Silva Lucas Fiaschetti Estevez Michael Roberts João Lanari Bo Thomas Piketty Rubens Pinto Lyra Samuel Kilsztajn Heraldo Campos Luiz Marques Walnice Nogueira Galvão Salem Nasser Boaventura de Sousa Santos Priscila Figueiredo Henry Burnett Matheus Silveira de Souza Alysson Leandro Mascaro Denilson Cordeiro Ricardo Abramovay Vladimir Safatle Bento Prado Jr. Ari Marcelo Solon Caio Bugiato Bruno Fabricio Alcebino da Silva Vinício Carrilho Martinez João Adolfo Hansen Leda Maria Paulani João Feres Júnior José Dirceu Eleonora Albano Luiz Werneck Vianna Eduardo Borges Juarez Guimarães Celso Frederico Dênis de Moraes Otaviano Helene Luiz Eduardo Soares José Geraldo Couto Daniel Afonso da Silva Ronald León Núñez Dennis Oliveira João Carlos Loebens João Carlos Salles Paulo Sérgio Pinheiro Andrew Korybko Tarso Genro Jorge Branco Paulo Martins Henri Acselrad Francisco Fernandes Ladeira Paulo Nogueira Batista Jr Julian Rodrigues Eleutério F. S. Prado Michael Löwy Marcelo Módolo Andrés del Río Vanderlei Tenório Plínio de Arruda Sampaio Jr. Marjorie C. Marona Manchetômetro Osvaldo Coggiola Ricardo Musse Daniel Costa Fernão Pessoa Ramos Anselm Jappe Leonardo Sacramento João Sette Whitaker Ferreira Flávio R. Kothe Luis Felipe Miguel Marcos Aurélio da Silva Eliziário Andrade Luiz Roberto Alves João Paulo Ayub Fonseca Chico Alencar Alexandre de Lima Castro Tranjan Marilena Chauí Carla Teixeira Sergio Amadeu da Silveira André Singer Bernardo Ricupero Tadeu Valadares Sandra Bitencourt José Luís Fiori Manuel Domingos Neto Flávio Aguiar José Costa Júnior José Machado Moita Neto Carlos Tautz Érico Andrade Rodrigo de Faria Atilio A. Boron Marcus Ianoni Luciano Nascimento Milton Pinheiro Paulo Capel Narvai André Márcio Neves Soares Benicio Viero Schmidt Jean Marc Von Der Weid Bruno Machado José Raimundo Trindade Ladislau Dowbor Renato Dagnino Yuri Martins-Fontes Gilberto Maringoni Valerio Arcary Francisco Pereira de Farias Maria Rita Kehl Leonardo Boff Armando Boito Leonardo Avritzer Alexandre Juliete Rosa Eugênio Bucci Luiz Renato Martins Slavoj Žižek Gerson Almeida Igor Felippe Santos Michel Goulart da Silva Mário Maestri Berenice Bento Mariarosaria Fabris Luiz Bernardo Pericás Marcelo Guimarães Lima Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Fernandes Silveira Airton Paschoa Gabriel Cohn Ronald Rocha Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Alexandre de Freitas Barbosa Jorge Luiz Souto Maior Jean Pierre Chauvin Rafael R. Ioris Remy José Fontana Francisco de Oliveira Barros Júnior Luís Fernando Vitagliano Lorenzo Vitral Fernando Nogueira da Costa Chico Whitaker Antônio Sales Rios Neto Ronaldo Tadeu de Souza Antonio Martins Elias Jabbour Ricardo Fabbrini Tales Ab'Sáber Marilia Pacheco Fiorillo Liszt Vieira Daniel Brazil Afrânio Catani Everaldo de Oliveira Andrade Eugênio Trivinho Fábio Konder Comparato Claudio Katz Celso Favaretto

NOVAS PUBLICAÇÕES