Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*
Os brasileiros estão entre os menos alertas para o perigo que o mundo corre desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022
O brasileiro é um dos povos mais complacentes do planeta. Como todas as nações gigantes, o Brasil é propenso à introversão. Damos atenção apenas relativa, apenas seletiva, ao que ocorre em outros países. Além do mais, somos afortunados. Vivemos na América do Sul, uma região de paz, onde não se vê guerra há muito tempo. Temos boas relações com todos os nossos vizinhos de fronteira, sem exceção. E mais: ficamos razoavelmente preservados dos efeitos destrutivos das duas Guerras Mundiais do século XX. Por todos esses motivos, os brasileiros estão entre os menos alertas para o perigo que o mundo corre desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.
E, no entanto, os riscos são crescentes, até mesmo o risco extremo de guerra nuclear. O conflito na Ucrânia envolve, direta ou indiretamente, as duas principais potências nucleares. A Rússia, diretamente. Os Estados Unidos, indiretamente, lutando uma guerra por procuração em que os ucranianos lutam e morrem por eles. Para os Estado Unidos, o que está em jogo é nada mais nada menos do que o prestígio da sua hegemonia global, desafiada pela invasão da Ucrânia. A Rússia, por seu lado, enxerga na ação do Ocidente, na Ucrânia e em outros países, uma ameaça existencial, e tem dito isso aberta e repetidamente.
O ideal seria que os Estados Unidos fossem menos paranoicos quanto a ameaças à sua liderança mundial. E que a Rússia fosse menos paranoica quanto às ameaças que vêm do exterior. Mas essas paranoias têm raízes profundas. Os americanos estão acostumados a mandar e desmandar, desde a Segunda Guerra Mundial e, em especial, desde o colapso da União Soviética. Os russos, por outro lado, estão acostumados a invasões imperiais ocidentais profundamente ameaçadoras, notadamente a napoleônica e a hitlerista.
Estamos diante da maior ameaça de guerra nuclear desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, no início dos anos 1960. É bem verdade que, ao longo das últimas décadas, Estados Unidos e União Soviética/Rússia se defrontaram em várias regiões do mundo sem chegar às vias de fato. Instalou-se, assim, a complacência. A guerra nuclear, impensável por seu potencial de destruição mútua, será sempre evitada, acredita-se. Uma teoria, otimista, postula inclusive que a existência de arsenais nucleares constitui, paradoxalmente, uma garantia de paz ou, pelo menos, de ausência de guerras diretas e totais entre potências atômicas.
De fato, há cenários, mais ou menos plausíveis, em que a catástrofe nuclear seria evitada. A vitória da Ucrânia, com expulsão das tropas russas do seu território, não parece provável, mas não pode ser inteiramente descartada, dada a extensão do apoio militar e financeiro do Ocidente. A vitória da Rússia, mais concebível, dada a sua superioridade militar, econômica e populacional, encontra resistência cerrada do bloco ocidental.
Um terceiro cenário, mais provável, seria o assim chamado congelamento da guerra, um conflito de longa duração, sem solução no campo de batalha e sem solução diplomática. Um “congelamento” da guerra manteria vivo o risco de um confronto nuclear. A passagem do tempo multiplicaria os incidentes capazes de levar à sua materialização.
Para os países envolvidos, principalmente a Ucrânia, o prolongamento da guerra traria custos enormes em termos humanos e econômicos. Já severamente abalada pela invasão, a Ucrânia sofreria mais ainda. A Rússia também pagaria um preço elevado em termos humanos, políticos e econômicos. O Ocidente arcaria com uma conta cada vez mais pesada. O resto do mundo continuaria sofrendo as consequências econômicas da guerra.
Volto ao Brasil. Lideranças políticas como Lula e outras estão plenamente conscientes, tudo indica, dessas ameaças todas. É compreensível e louvável que estejam envidando esforços para assegurar o fim da guerra. Países como China, Índia, Indonésia, Turquia e Brasil, entre outros, estão buscando a paz. O caminho talvez seja aquele apresentado inicialmente pelo Brasil – a formação de um grupo de países que atuariam conjuntamente em prol do fim das hostilidades e de uma solução duradoura para os conflitos no Leste da Europa.
Evidentemente, Brasil e outros podem acabar saindo de mãos abanando. Por maiores que sejam seus esforços, só haverá paz se as partes envolvidas na guerra estiverem realmente dispostos a negociar. Tendo em vista, porém, a dimensão dos riscos que corremos, vale a pena persistir na busca da paz.
O Brasil exerce a presidência de turno do G-20 em 2024, grupo que inclui todos os principais países envolvidos no conflito, com exceção da Ucrânia. É a oportunidade que talvez se apresente para superar a guerra e seus riscos.
*Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).
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