Civitas aurea

Marcelo Guimarães Lima, cachorro passeando, lápis sobre papel, 2023
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por WILTON CARDOSO*


não há mais operários funcionários trabalhadores

apenas capital humano

os noias e ambulantes perambulam

entre os carros nos sinais fechados

empreendendo migalhas

e trocados

só há os perdedores

e os escolhidos de deus

 

um menino e sua mãe fuçam o lixo

nos containers do edifício

a xepa da feira e seus legumes quase podres

é o novo nicho de mercado

onde os empreendedores do trapo competem entre si

e com as moscas

 

os catadores puxam carruagens de sucata

burros de carga humanos ratos

recolhendo os restos

da civilização pós-moderna

nos meses secos os rios transpiram um odor de fezes

podres

      os carros arrotam carbono e arrancam

para o sem fim das cidades

 

a urbe e seus milagres:

a transmutação do suor

dos colaboradores e empreendedores

na doce embriaguez das mercadorias

a multiplicação do pão monetário

para saciar a fome do deus

insaciável

mamon

moendo sonhos e corpos

nos algoritmos da produtividade

 

sempre alerta

gritam os escoteiros do mercado

só há capitais humanos

e o constante aprendizado

 

os homens bons frequentam reuniões importantes

de terno e gravata no calor tropical

sacrificam suas vidas pelo destino do povo

e relaxam depois em puteiros de luxo

enquanto as noias ocupam o nicho

das chupetas baratas

para os fazedores de bico

há espaço para todos

no laissez-faire da cidade

 

as madames contratam decoradoras

e domésticas para um lar clean

& cool

    saem do ar

condicionado de casa para o do carro

e para o ar dos shoppings e academias de ginástica

e clínicas de plástica

assistem da janela de seus SUVs

os novos empreendedores descansando nos colchões

podres

de sua calçada-lar

clean & cool

 

deus é amor

e temor

grita o pastor da santa prosperidade

só há os escolhidos de Jesus

e os que não fizeram jus

 

lá fora a cidade

desaba de cansaço

e rancor

*Wilton Cardoso é poeta e ensaísta. Editor do blog literário, O engenheiro onírico.

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Arquétipos e símbolos
Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO: Carl Jung combinou a literatura, a narração de histórias e a psicanálise para chegar às memórias inconscientes coletivas de certos arquétipos, promovendo a reconciliação das crenças com a ciência
Apelo à comunidade acadêmica da USP
Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: Carta para a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional – AUCANI
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Fundamentos da análise social
Por FABIO DE OLIVEIRA MALDONADO: Apresentação à edição brasileira do livro recém-lançado de Jaime Osorio
O martírio da universidade brasileira
Por EUGÊNIO BUCCI: A nossa universidade precisa se preparar e reforçar suas alianças com suas irmãs do norte. O espírito universitário, no mundo todo, só sobrevive e se expande quando sabe que é um só
A biblioteca de Ignacio de Loyola Brandão
Por CARLOS EDUARDO ARAÚJO: Um território de encantamento, um santuário do verbo, onde o tempo se dobra sobre si mesmo, permitindo que vozes de séculos distintos conversem como velhos amigos
A ampliação do Museu de Arte de São Paulo
Por ADALBERTO DA SILVA RETTO JR.: O vão livre do MASP será um espaço inclusivo ou excludente de alguma forma? A comunidade ainda poderá ali se manifestar? O famoso “vazio” continuará sendo livre, no mais amplo sentido do termo?
Ideologias mobilizadoras
Por PERRY ANDERSON: Hoje ainda estamos em uma situação onde uma única ideologia dominante governa a maior parte do mundo. Resistência e dissidência estão longe de mortas, mas continuam a carecer de articulação sistemática e intransigente
O fenômeno Donald Trump
Por DANIEL AARÃO REIS: Donald Trump 2 e seus propósitos “iliberais” devem ser denunciados com a maior ênfase. Se a política de potência se afirmar como princípio nas relações internacionais será funesto para o mundo e para o Brasil em particular
Minha infância nos porões da Bela Vista
Por FLORESTAN FERNANDES: “Eu morava lá na casa dele e queria sair de lá, eu dizia que passava mal, que comia mal, dormia mal e tudo ia mal, e ela não acreditava”
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES