Finanças sustentáveis e pacote verde

Imagem: Catherine Sheila
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Por JOSÉ MACHADO MOITA NETO*

Empresas se apropriam do sentido científico ou técnico para ressignificá-los de outro modo que atenda a suas conveniências de negócios

O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) resolveu apontar para o Governo Federal os temas prioritários para os seus associados (cerca de 100 empresas). Trata-se do documento “Recomendações CEBDS para o Pacote Verde”. Este documento de 36 páginas lançado em 28/07/2023 está disponível para download na seção de publicações da entidade.[i]

Portanto, chega o momento da primeira confissão pública: Too Long, Didn’t Read (TLDR[ii]). Já é prática corrente entre entidades, que divulgam documentos extensos, criar uma versão reduzida com o essencial da mensagem que deseja transmitir. Trata-se do resumo executivo.[iii]

Quando se lê um documento qualquer, é necessário abrir mão de algumas certezas e conferir sempre se o significado científico ou técnico não foi apropriado e ressignificado de um outro modo. Portanto, chega o momento de minha segunda confissão: usei a inteligência artificial do Google (Bard) para esta finalidade e coloquei um link de acesso compartilhado como nota de rodapé nestas situações.

O anúncio de um “Plano de transição ecológica”[iv] não correspondia com os rudimentos de ecologia que aprendi. Contudo, com o adjutório da inteligência artificial, a expressão não merece crítica. Ela se inscreve no conjunto de discursos de ampla circulação que, ao cooptar termos científicos e técnicos, os ressignifica para atender objetivos distintos do que a imaginação comum pode conduzir. Esta ressignificação não é ingênua: o imaginário sobre a natureza é evocado pela palavra “ecológica” (parece algo bom), também quando uma situação não está boa é preciso mudar (transição) diante disso é necessário fazer um “Plano”.

O lugar de fala da CEBDS chega a ser intimidador: “Representamos os maiores grupos empresariais do país, com faturamento somado equivalente a 47% do PIB.” Ou seja, nós controlamos quase metade da economia brasileira. Tal afirmação não deveria ter peso para o governo pois não vivemos sobre a égide da constituição da mandioca e nem adotamos o voto censitário.[v]

Tal afirmação também não deveria ter efeito sobre a sociedade pois o indicador mais relevante da atividade econômica dessas empresas deveria ser a quantidade de empregos diretos gerados. Infelizmente não exercemos uma crítica adequada aos discursos ambientais correntes.

Ao apresentar o tópico de finanças sustentáveis visa, antes de tudo, garantir proteção e investimento do estado como condição para atuar nesta “transição ecológica”. O discurso tem uma lógica econômica impecável: assemelhasse a lógica de indenização que os donos de escravos receberam pelas perdas econômicas com abolição. Os temas são (a) Mercado regulado de carbono e a defesa do modelo cap-and-trade,[vi] (b) Taxonomia verde[vii] que prevê uso de recursos públicos em escala (em fica fora? quem se beneficia?) e c) Políticas públicas de incentivo que deveria ser baseadas em instrumentos econômicos.[viii]

Não sei se faço uma pergunta simples ou grito como o menino que disse “O rei tá nu”. Quem fará este “Plano” não corresponde exatamente a quem criou a situação para a qual se exige mudanças drásticas? O manual de Maquiavel é atualíssimo relativo as práticas corporativas ambientais: maldade no atacado e bondade no varejo. Os resultados da maldade (atacado) são pintados como realismo econômico para audiência embevecida dos acionistas. Os pequenos gestos de bondade (varejo) são largamente disseminados para toda a sociedade. A competência de ambos os discursos são apropriados pelos governos e transformados em visão estratégica de futuro, em ações do presente ou em memória do passado.

Resta uma pergunta sobre o meu próprio discurso: por que tanto pessimismo? A resposta não está numa inteligência artificial: “Vale” a pena conferir o histórico ambiental dessas empresas!

*José Machado Moita Neto é professor aposentado da UFPI e pesquisador da UFDPar.

Notas


[i] https://cebds.org/publicacoes/

[ii] https://g.co/bard/share/38d1c4fcf2ef

[iii] https://g.co/bard/share/62cf5091605b

[iv] https://g.co/bard/share/e960e92450ca

[v] https://g.co/bard/share/fc91232715e0

[vi] https://g.co/bard/share/cbcfa80e1696

[vii] https://g.co/bard/share/1036d09d4e63

[viii] https://g.co/bard/share/d79aaa4ab5a5


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