Por DANIEL BRAZIL*
Roniwalter Jatobá é autor de obra originalíssima, cultor de escrita límpida e precisa que nunca escorrega na vulgaridade
Numa obra já ironicamente clássica, o escritor Ítalo Calvino (1923/1985) se propôs responder à famosa questão “Por que ler os clássicos?”, defendendo a necessidade de conhecer os textos mais marcantes de cada época, com argumentos que vão da pura fruição estética até a necessidade histórica de conhecer os alicerces e baldrames que sustentam o edifício literário da humanidade.
Sem a elegância do mestre italiano (nascido em Cuba!), arrisco afirmar que um dos autores brasileiros vivos que mais se aproximam do conceito de clássico, no sentido de necessário, é Roniwalter Jatobá. Autor de obra originalíssima, cultor de escrita límpida e precisa que nunca escorrega na vulgaridade, mantém desde as primeiras obras publicadas uma coerência temática e formal que o distingue da grande maioria dos contemporâneos.
Roniwalter Jatobá colocou personagens migrantes e operários como protagonistas, em meados dos anos 1970. Seria exagero dizer que foi um pioneiro, mas ninguém foi tão consistente e verossímil até então. Sua escrita é um mergulho existencial e sociológico, traduzida em literatura de primeira qualidade, sem o menor traço de academicismo. Desde Sabor de química (1976), volume inaugural de contos, passando pelo essencial Crônicas da vida operária (1978) até Tiziu (1994), novela que recupera ambientes, situações e personagens de narrativas anteriores, a escrita de Roniwalter Jatobá se refina, se concentra, sem desviar o foco.
O que uma obra como essa pode nos ensinar? Não só o “se queres ser universal, comece a pintar a tua aldeia” de Tolstói, mas o “se queres ser universal, retrate a tua época”. Roniwalter Jatobá conjuga tempo e espaço geográfico com a sabedoria de quem vivenciou e a ousadia de não ser um mero relator, mas um transfigurador que utiliza a linguagem para criar um campo ficcional carregado de verossimilhança e contundência.
O autor também publicou crônicas, outros contos e novelas nos anos 2000, sendo premiado com o Jabuti em 2012 por Cheiro de chocolate e outras histórias.
As obras do ciclo operário (Sabor de química, Crônicas da vida operária e Tiziu) foram reunidas no volume No chão da fábrica (Nova Alexandria). Ler (ou reler) estes textos hoje nos proporciona estabelecer conexões às vezes perturbadoras com as transformações que o mundo do trabalho vem passando, no mundo todo. A precarização crescente e a perda de direitos duramente conquistados se mesclam com a preservação de estruturas autoritárias que vêm de séculos anteriores, criando um terreno pantanoso que poucos autores arriscam palmilhar.
Roniwalter Jatobá o faz com capricho artesanal e concisão narrativa, sem medo de lançar mão de imagens poéticas, ainda que marcadas pela aspereza da realidade, ou de narrar na primeira pessoa buscando tocar de perto o leitor. E essa aproximação ao mesmo tempo choca e fascina, ambiguidade rara que só mestres manejam com perfeição.
*Daniel Brazil é escritor, autor do romance Terno de Reis (Penalux), roteirista e diretor de TV, crítico musical e literário.
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA