Inteligência artificial – aberta ou fechada?

Imagem: Alex Knight
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MICHAEL ROBERTS*

O desenvolvimento de Inteligência artificial não deve estar nas mãos de empreendedores “ambiciosos” ou controlado pelas Big Techs

A demissão chocante de Sam Altman, o fundador da OpenAI, pelo próprio conselho da empresa que fora criada por ele, revela as contradições emergentes no desenvolvimento desse tipo de tecnologia. A crise atinge a ChatGPT, mas também outros empreendimentos de “inteligência artificial generativa”, os quais estão impulsionando a atual revolução no campo da inteligência artificial.

Será que a Inteligência artificial e esses modelos de aprendizagem de idiomas (também chamados de LLM) trarão benefícios novos, maravilhosos, para as nossas vidas, reduzindo as horas de trabalho e elevando nosso conhecimento a novos patamares de esforço humano? Ou a Inteligência artificial generativa levará ao aumento do domínio da humanidade pelas máquinas, assim como a uma desigualdade ainda maior de riqueza e renda, à medida que os proprietários e controladores da Inteligência artificial se tornam “vencedores que levam tudo”, enquanto o resto da humanidade é “deixado para trás”?

Parece que o conselho da OpenAI demitiu seu líder “guru” Sam Altman porque ele tinha “conflitos de interesse”, ou seja, Sam Altman queria transformar a OpenAI em uma enorme operação de geração de dinheiro apoiada por grandes empresas (a Microsoft é o atual financiador), enquanto o resto do conselho continuou a ver a OpenAI como uma operação sem fins lucrativos com o objetivo de espalhar os benefícios da Inteligência artificial para todos com as devidas salvaguardas sobre privacidade, supervisão e controle.

O objetivo original da OpenAI era ser um empreendimento sem fins lucrativos criado para beneficiar a humanidade – e não os acionistas. Mas parece que a cenoura verde dos enormes lucros estava levando Sam Altman a mudar esse objetivo. Mesmo antes, Sam Altman havia construído um negócio separado baseado na comercialização de chips de Inteligência artificial que o tornara um novo rico.  Sob a sua direção, a OpenAI desenvolveu um braço de negócios “com fins lucrativos”, permitindo que a empresa atraísse investimentos externos e comercializasse seus serviços.

Eis o que disse o jornal Financial Times: “essa estrutura híbrida criou tensões entre as duas “tribos” na OpenAI, como Sam Altman as chamou. A “tribo” de segurança, liderada pelo cientista-chefe e membro do conselho Ilya Sutskever, argumentou que a OpenAI deve manter seu propósito fundador. O seu objetivo seria desenvolver com o cuidado necessário os mecanismos de inteligência artificial.  A “tribo” comercial parecia deslumbrada com as possibilidades desencadeadas pelo sucesso do ChatGPT e queria acelerar (ou seja, ganhar mais e mais dinheiro). A tribo da segurança parece ter vencido por enquanto”.

Sam Altman não é um cientista; afigura-se mais como um grande homem de ideias, um empreendedor na tradição de Bill Gates (com a Microsoft). Sob Sam Altman, a OpenAI foi transformada em oito anos de uma empresa de pesquisa sem fins lucrativos em uma empresa capaz de gerar cerca de US$ 1 bilhão de receita por ano.  Os clientes vão do Morgan Stanley à Estée Lauder, Carlyle e PwC.

O sucesso fez de Sam Altman o embaixador de fato da indústria de Inteligência artificial, apesar de sua falta de formação científica. No início deste ano, ele embarcou em uma turnê global, reunindo-se com líderes mundiais, startups e reguladores em vários países. Sam Altman falou até mesmo na cúpula regional da Apec Ásia-Pacífico em São Francisco, apenas um dia antes de ser demitido.

Sam Altman aparentemente tem “uma ambição feroz e uma capacidade de angariar apoio”. Ele foi descrito como “profundamente, profundamente competitivo”. Parece ser um mentor” – um sujeito que tem uma mente privilegiada voltada – alguém que o conhece bem vaticinou – para acumular poder melhor do que nenhuma outra.  Como resultado, ele tem sido “cultuado” pelos 700 funcionários de sua empresa. Diante do episódio, a maioria desse grupo assinou uma carta exigindo a sua reintegração, assim como a renúncia dos representantes da “tribo” de segurança no conselho da empresa. 

A OpenAI gastou meio bilhão de dólares no desenvolvimento do ChatGPT. Estava prestes a lançar uma venda de ações no valor de US$ 86 bilhões antes da divisão no conselho em duas “tribos”. Essa operação teria permitido que a abordagem sem fins lucrativos tivesse continuidade. Agora, com Sam Altman e outros que lhe são associados se juntando à Microsoft como funcionários dela, parece que a OpenAI pode ser engolida por essa firma gigante por uma ninharia. Assim, a missão pressuposta de que se estaria criando uma empresa “sem fins lucrativos” encontraria o seu fim.

O que tudo isso mostra é que uma ilusão está se transformando numa desilusão. Qual seja ela, a fantasia de que a revolução da Inteligência artificial e da tecnologia da informação será desenvolvida por empresas capitalistas em benefício de todos. O lucro vem em primeiro, em segundo e mesmo em último lugar – qualquer que seja, aliás, o impacto na segurança e nos empregos que a tecnologia de Inteligência artificial possa ter para a humanidade nas próximas décadas.

Alguns temem que a Inteligência artificial se torne “semelhante a Deus”, ou seja, uma superinteligência que passa a se desenvolver de forma autônoma, sem supervisão humana e, eventualmente, controlando a humanidade. Até agora, a inteligência artificial e os algoritmos de aprendizagem linguística (AI e LLM em suas siglas em inglês) não exibem essa “superinteligência”. Como já argumentei em outros artigos, essas tecnologias não podem substituir o poder imaginativo do pensamento humano. Mas eles podem aumentar enormemente a produtividade, diminuir as horas de trabalho e desenvolver novas e melhores maneiras de resolver problemas se colocados em uso social.

O que está claro é que o desenvolvimento de Inteligência artificial não deve estar nas mãos de empreendedores “ambiciosos” como Sam Altman ou controlados por gigantes da tecnologia como a Microsoft. O que é necessário agora é a criação de um instituto de investigação internacional, não comercial, semelhante ao CERN em física nuclear. Se algo requer propriedade pública e controle democrático no século XXI, é sobretudo a IA, ou seja, a inteligência maquínica. Eis que ela pode substituir os mercados e, assim, a supressão da máquina por excelência do capital.

*Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de The great recession: a marxist view (Lulu Press). [https://amzn.to/3ZUjFFj]

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente em The next recession blog.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Benicio Viero Schmidt Dênis de Moraes Slavoj Žižek Elias Jabbour Antonio Martins Salem Nasser Luiz Carlos Bresser-Pereira Walnice Nogueira Galvão Luis Felipe Miguel Érico Andrade Alexandre Juliete Rosa Chico Whitaker Luiz Marques Manchetômetro Priscila Figueiredo Rafael R. Ioris Paulo Martins Jorge Branco João Sette Whitaker Ferreira Ronaldo Tadeu de Souza Milton Pinheiro Atilio A. Boron Luiz Bernardo Pericás Alexandre Aragão de Albuquerque Sergio Amadeu da Silveira Yuri Martins-Fontes Alexandre de Lima Castro Tranjan Gerson Almeida Ricardo Abramovay José Machado Moita Neto Flávio R. Kothe Leonardo Sacramento Chico Alencar Osvaldo Coggiola Kátia Gerab Baggio Michael Roberts Fábio Konder Comparato Vladimir Safatle Juarez Guimarães João Lanari Bo Francisco Fernandes Ladeira Daniel Brazil Ricardo Musse Plínio de Arruda Sampaio Jr. João Paulo Ayub Fonseca Gilberto Maringoni Valerio Arcary Bruno Machado Berenice Bento Eleonora Albano Eduardo Borges Annateresa Fabris Samuel Kilsztajn Marcelo Módolo João Feres Júnior Henri Acselrad Marcelo Guimarães Lima Luiz Renato Martins Igor Felippe Santos Eugênio Bucci Boaventura de Sousa Santos Paulo Capel Narvai Antônio Sales Rios Neto Luiz Eduardo Soares Marcos Aurélio da Silva Rubens Pinto Lyra Ricardo Antunes João Carlos Loebens Vanderlei Tenório Otaviano Helene José Raimundo Trindade Leda Maria Paulani José Costa Júnior Ricardo Fabbrini Luís Fernando Vitagliano João Carlos Salles Alysson Leandro Mascaro Eliziário Andrade Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Jean Marc Von Der Weid Tarso Genro Daniel Costa Thomas Piketty Celso Frederico Luiz Werneck Vianna André Singer André Márcio Neves Soares Lorenzo Vitral José Geraldo Couto Luciano Nascimento Tales Ab'Sáber Flávio Aguiar Jorge Luiz Souto Maior Maria Rita Kehl Carlos Tautz Heraldo Campos Lucas Fiaschetti Estevez Marcus Ianoni Gilberto Lopes Marilia Pacheco Fiorillo Marjorie C. Marona Denilson Cordeiro Andrés del Río Marcos Silva Anselm Jappe Paulo Sérgio Pinheiro Everaldo de Oliveira Andrade Tadeu Valadares Michael Löwy Caio Bugiato Francisco Pereira de Farias Liszt Vieira Matheus Silveira de Souza Ari Marcelo Solon Ladislau Dowbor Mariarosaria Fabris Luiz Roberto Alves Michel Goulart da Silva João Adolfo Hansen Fernão Pessoa Ramos Paulo Fernandes Silveira Andrew Korybko Marilena Chauí Paulo Nogueira Batista Jr Mário Maestri Celso Favaretto Bruno Fabricio Alcebino da Silva Eugênio Trivinho Fernando Nogueira da Costa Gabriel Cohn Francisco de Oliveira Barros Júnior Lincoln Secco Dennis Oliveira Bernardo Ricupero Sandra Bitencourt Eleutério F. S. Prado José Dirceu Renato Dagnino Leonardo Avritzer Rodrigo de Faria Ronald León Núñez Afrânio Catani Jean Pierre Chauvin Manuel Domingos Neto Julian Rodrigues Ronald Rocha Antonino Infranca Leonardo Boff Remy José Fontana Airton Paschoa Daniel Afonso da Silva Bento Prado Jr. Claudio Katz Carla Teixeira Alexandre de Freitas Barbosa José Luís Fiori José Micaelson Lacerda Morais Henry Burnett Vinício Carrilho Martinez Armando Boito

NOVAS PUBLICAÇÕES