O fim da aventura humana está próximo?

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

A Terra continuará pacificamente girando ao redor do sol. Mas sem nós

Se reduzirmos o processo cosmogênico de 13,7 bilhões de anos a um ano como o fez o cosmólogo Brian Swimme e antes dele Carl Sagan chegamos à conclusão de que o nosso ancestral primitivo surgiu no dia 31 de dezembro, às 22 horas. O atual que somos nós, o sapiens sapiens, no dia 31de dezembro, 58 minutos e 10 segundos. Portanto, somos os últimos dos seres maiores a entrar em cena no processo da evolução, menos de dois minutos antes da meia-noite. Nós neste instante – comenta Brian Swimme – surgimos “10 segundos antes da meia-noite e somos os nouveaux riche da vida”.

Esse ser, portador de inteligência, de vontade e de propósito, por não possuir nenhum órgão especializado, obrigou-se a interferir na natureza para garantir sua subsistência. Mas desde o início o fez usando sua força a ponto de desequilibrar os vários ecossistemas. Como observou o economista-ecólogo húngaro Georgescu-Roegen (1906-1994), um dos primeiros colocar a questão dos limites do sistema-Terra, esse ser, o humano, é altamente criativo, agitado, agressivo e pouco afeito à medida. Por esta razão, diz ele, modificará a face do planeta, mas está destinado a ter vida curta sobre a Terra.

Lyn Margulis, em seu Microcosmos: quatro bilhões de anos de evolução microbiana (1990) chega a afirmar que nossa espécie é “uma espécie de erva daninha mamífera, não obstante nossa personalidade e realizações” (p. 213). Onde ela chega, ameaça as demais espécies, a ponto de modernamente termos inaugurado, segundo alguns cientistas, uma nova era geológica, o Antropoceno, vale dizer, o ser humano seria a grande ameaça à vida no planeta.

Ocorre um fenômeno que nos fez colocar a questão acima: será que não estamos acercando de nosso próprio fim? Alguns notáveis biólogos como A. Meredith e a própria Lyn Margulis, pensam que o recente e fantástico sucesso do ser humano no povoamento do planeta não passaria de “um fenômeno de ocaso”, quer dizer, do grande jogo de luzes antes do inevitável fim do espetáculo. A expansão populacional nos faz, realmente, pensar.

Somente em 1800 chegamos a um bilhão de pessoas; em 1930 já éramos dois bilhões; em 1974 alcançamos a cifra de quatro bilhões; em 1987 éramos cinco bilhões; em 1999 emergimos como sete bilhões e em 2022, finalmente chagamos a oito bilhões de pessoas.

Se bem observarmos há um crescimento exponencial. Comenta Lyn Margulis, uma das maiores especialistas em microbiologia: “De acordo com dados históricos sabe-se que as espécies se reproduzem frequentemente com considerável profusão momentos antes de se extinguirem” (Microcosmos, p.213). Outro grande cientista, John R. Plat comenta: “Ficamos atemorizados quando observamos estes exemplos de aceleração evolutiva” (The Acceleration of Evolution, em The Futurist, 1981).

O argumento que mais me convence e funda minha hipótese (não é mais que hipótese) de que nosso fim não está distante é fornecido pela própria Lyn Margulis. Ela usa o exemplo do que ocorre com os microorganismos colocados dentro da cápsula de Petri. Cito: “A cápsula de Petri são placas redondas dotadas de alimento transparente, que permite ao investigador ver as colônias bacterianas sob a forma de pontos mesmo a olho nu. Alimentados com nutrientes os micróbios revelam-se quase sempre muito prolíficos… Ao esgotarem todas as substâncias nutritivas e ao atingirem as bordas da placa de Petri, os múltiplos bilhões de bactérias deixam de se desenvolver e de súbito morrem por falta de alimento e de espaço vital. Para a humanidade, o mundo pode mostrar-se idêntico a uma cápsula de Petri” (p. 214).

Os organismos da ONU tem mostrado anualmente a Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot). Chegamos a ela neste ano de 2023, no dia 22 de julho. Isto quer dizer: constatou-se o esgotamento dos nutrientes essenciais que a Terra nos fornece para garantir a continuidade da vida. Como, particularmente os países ricos, não diminuem seu suntuoso consumo, a Terra viva não pode mais dar o que não tem. Então responde com mais aquecimento global, mais eventos extremos, mais vírus letais e outros fenômenos que podem colocar o futuro da vida humana e da natureza em situação de dissolução e até desaparecimento. O citado cientista John R. Plat estima que a vida na Terra se avizinha de sua maior viragem depois de quatro bilhões de anos de existência. Não há consciência coletiva acerca deste risco na população nem nos “decisions makers” nem nos chefes de Estado.

Todos os anos milhares de espécies vivas desaparecem depois de permanecerem por milhões de anos sobre o nosso planeta. Chegando ao seu clímax desaparecem para dar lugar a outras. Pergunto: será que não chegou a nossa vez de desaparecer deste planeta? A Terra continuará pacificamente girando ao redor do sol. Mas sem nós.

Não desejaria que o prognóstico de um dos últimos grandes naturalistas, Jacob Monod, chegasse a se realizar. Em seu livro E se a aventura humana viesse a falhar (2000) observa: “somos capazes de uma conduta insensata e demente. A partir de agora se pode temer tudo, realmente tudo, inclusive a aniquilação da espécie humana. Seria o justo preço de nossas loucuras e de nossas crueldades” (p. 246).

Com esperança confiamos que ainda daremos um salto em nossa consciência, despertaremos, mudaremos de rumo e assim salvaremos a vida, nossas culturas e nosso futuro. É a esperança esperante.

*Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Habitar a Terra (Vozes). [https://amzn.to/45TOT1c]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Manchetômetro Rubens Pinto Lyra Flávio R. Kothe Ari Marcelo Solon Alexandre Juliete Rosa Luiz Marques Samuel Kilsztajn Tadeu Valadares Andrés del Río Leonardo Sacramento Paulo Nogueira Batista Jr Ricardo Fabbrini Remy José Fontana Lucas Fiaschetti Estevez Ladislau Dowbor Tarso Genro Celso Favaretto Milton Pinheiro José Raimundo Trindade Renato Dagnino Anselm Jappe Francisco Pereira de Farias Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luiz Werneck Vianna Vladimir Safatle Eduardo Borges Denilson Cordeiro Henri Acselrad Vinício Carrilho Martinez Mariarosaria Fabris Priscila Figueiredo Leonardo Avritzer Everaldo de Oliveira Andrade Gabriel Cohn Julian Rodrigues Luiz Eduardo Soares Fernando Nogueira da Costa Eugênio Trivinho Lorenzo Vitral Francisco Fernandes Ladeira Chico Alencar Bento Prado Jr. Eleonora Albano Yuri Martins-Fontes Eliziário Andrade Dênis de Moraes João Feres Júnior Bruno Fabricio Alcebino da Silva Fernão Pessoa Ramos Osvaldo Coggiola Luiz Renato Martins Jean Marc Von Der Weid Luis Felipe Miguel Eugênio Bucci José Dirceu Marcelo Módolo Antônio Sales Rios Neto Jean Pierre Chauvin Valerio Arcary José Geraldo Couto Ricardo Abramovay Walnice Nogueira Galvão Annateresa Fabris Igor Felippe Santos Claudio Katz Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Otaviano Helene Carla Teixeira Luiz Roberto Alves Paulo Martins Slavoj Žižek Celso Frederico Ricardo Antunes Luiz Carlos Bresser-Pereira Henry Burnett Lincoln Secco Alexandre de Freitas Barbosa Rafael R. Ioris Berenice Bento Chico Whitaker Dennis Oliveira Gilberto Maringoni Vanderlei Tenório Antonino Infranca Marcelo Guimarães Lima Heraldo Campos Luciano Nascimento Gerson Almeida Ricardo Musse Armando Boito Liszt Vieira Elias Jabbour Mário Maestri Manuel Domingos Neto Marjorie C. Marona Paulo Sérgio Pinheiro Boaventura de Sousa Santos Salem Nasser André Márcio Neves Soares Michael Roberts Ronald Rocha Kátia Gerab Baggio Thomas Piketty Marcos Aurélio da Silva Luiz Bernardo Pericás Leda Maria Paulani Antonio Martins Fábio Konder Comparato José Costa Júnior João Paulo Ayub Fonseca Érico Andrade José Micaelson Lacerda Morais Alysson Leandro Mascaro Sandra Bitencourt Michael Löwy Jorge Branco Tales Ab'Sáber Paulo Capel Narvai Flávio Aguiar Carlos Tautz Leonardo Boff Paulo Fernandes Silveira Ronald León Núñez Juarez Guimarães João Carlos Loebens Daniel Brazil Eleutério F. S. Prado Maria Rita Kehl Rodrigo de Faria Andrew Korybko Bernardo Ricupero Bruno Machado João Lanari Bo Gilberto Lopes Airton Paschoa Marcus Ianoni João Sette Whitaker Ferreira Daniel Costa Michel Goulart da Silva Daniel Afonso da Silva Marilia Pacheco Fiorillo Atilio A. Boron Benicio Viero Schmidt Jorge Luiz Souto Maior José Machado Moita Neto Matheus Silveira de Souza Alexandre Aragão de Albuquerque João Adolfo Hansen Marcos Silva André Singer Francisco de Oliveira Barros Júnior João Carlos Salles Alexandre de Lima Castro Tranjan José Luís Fiori Caio Bugiato Sergio Amadeu da Silveira Afrânio Catani Ronaldo Tadeu de Souza Marilena Chauí Luís Fernando Vitagliano

NOVAS PUBLICAÇÕES