Como o mundo ficou rico – as origens históricas do crescimento econômico

Edvard Munch, 1920
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Comentário sobre o livro de Mark Koyama & Jared Rubin.

1.

À primeira leitura How the World Became Rich: The Historical Origins of Economic Growth” lembra muito a ladainha neoliberal no estilo da Deirdre McCloskey – o presente é muito superior ao passado pré-capitalista e não se fala em aperfeiçoar um futuro sistema – ao interpretar o “crescimento sustentado”. Sequer falam em “desenvolvimento”, afinal é coisa de “desenvolvimentista”, pelo qual parecem ter a ojeriza típica de anticomunista.

Não à toa, o livro foi recomendado na Folha de S. Paulo por Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, organizador do livro Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil. Quais? Praticamente todas adotadas pelo Estado em lugar do Mercado sobrenatural, porque onipresente, onipotente e… onisciente (?!).

Para Marcos Mendes, de maio de 2016 a dezembro de 2018, chefe da assessoria especial do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles no péssimo governo golpista com reformas neoliberais e o famigerado Teto dos Gastos, o livro confirma: “o caminho protecionista, no qual insistimos há décadas, é equivocado”.

Destaca o seguinte trecho: “As economias do Leste da Ásia eram todas relativamente pequenas. Portanto, elas foram obrigadas a depender dos mercados internacionais. Elas não caíram na armadilha em que muitos países em desenvolvimento maiores caíram, de depender de tarifas protetoras e subsídios para apoiar a indústria nacional. (…) Tarifas protetoras e subsídios pareciam plausíveis em países com grandes mercados domésticos, como Brasil e Índia. Tais políticas poderiam funcionar (como na América do Norte do século XIX), mas na prática muitas vezes libertavam os fabricantes domésticos da ameaça da concorrência internacional e incentivavam a busca de renda e a corrupção” (pág. 209).

2.

O livro beira a isso, mas não é tão simplório como aparentam ser todos os adeptos do reducionismo binário “+Mises (Mercado) -Marx/Keynes (Estado)”. Mark Koyama é historiador econômico da Universidade George Mason, cujos principais interesses de investigação residem nas origens do crescimento econômico no neoliberalismo e no desenvolvimento comparativo dos Estados. Jared Rubin é seu colega, cuja investigação centra-se nas relações históricas entre instituições políticas e religiosas e no seu papel no desenvolvimento econômico.

O objetivo do citado livro (temático e conceitual) é reunir as muitas teorias científicas sociais sobre as origens do crescimento econômico moderno e sustentado. Quase todas estas teorias centram-se em um aspecto das origens do crescimento, como a geografia, a cultura, as instituições, o colonialismo ou a demografia.

Os coautores dizem, repetidamente, exceto o livro deles [risos], “nenhum trabalho existente resume todos os avanços feitos pelos cientistas sociais nas últimas décadas de uma forma imparcial e objetiva”. A primeira metade do livro classifica e examina as principais vertentes da literatura relacionadas com as origens do crescimento econômico sustentado: geografia, política, instituições, mercados e estados, cultura, capital humano, demografia e colonização.

Menos atenção tem sido dada à forma como as várias teorias são interconectadas. Um fenômeno tão importante e espalhado pelo mundo, como a origem do crescimento econômico moderno, não é quase certamente monocausal.

Por exemplo, instituições são características legais, políticas e religiosas de uma sociedade determinantes das “regras do jogo”. Ditam os custos e benefícios da realização de certas ações. Algumas instituições são consideradas boas para o crescimento econômico, tais como aquelas protetoras dos direitos de propriedade, incentivadoras do investimento em bens públicos e aplicadoras das leis de forma igual a todas as pessoas.

As instituições podem operar através do seu impacto na cultura para afetar o crescimento econômico. Quanto às condições demográficas, os locais repletos de recursos naturais no fim do período medieval foram também os locais mais facilmente explorados. Como resultado, esses lugares tenderam a piorar as instituições (coloniais) – e são hoje em grande parte mais pobres.

Nos capítulos finais, Koyama e Rubin avaliam os pontos fortes e fracos relativos dos principais argumentos e apresentam aqueles considerados mais convincentes para eles. O primeiro conjunto de explicações preferidas – tanto para o início da industrialização como para o crescimento econômico moderno – enfatiza a ligação entre a economia e a política de desenvolvimento. Tais explicações abordam temas como a mudança institucional, o crescimento da capacidade do Estado e o Estado de Direito.

O segundo conjunto de explicações considerados convincentes destacam o papel da cultura. Não se referem às explicações eurocêntricas ou centrada no modelo norte-americano, mas sim à cultura na forma como os antropólogos culturais usam o termo: aquelas heurísticas empregadas pelas pessoas para interpretar o mundo complexo entorno.

No penúltimo capítulo, consideram a “grande convergência” entre as muitas partes do resto do mundo e o Ocidente. Uma das grandes histórias do último meio século é a retirada bilhões de pessoas da pobreza extrema na China e na Índia. Eles comparam o crescimento do Japão com o dos Tigres Asiáticos e da China.

insights importantes em todas as teorias descritas neste livro. Uma questão tão abrangente como “como o mundo ficou rico” tem quase certamente muitas causas. Pessoas inteligentes – e não ideologizadas – irão discordar sobre o peso a atribuir a cada uma destas causas. O importante é compreender as condições sob as quais certas causas são importantes e as condições sob as quais não o são – sem dogmatismo apriorístico.

Uma afirmativa como “o mundo está mais rico do que nunca” depõe contra a inteligência dos autores. Nunca deve ser usado o lugar-comum “mais do que nunca”.

A Terra do Nunca é uma ilha fictícia do livro Peter Pan. É a morada de Peter Pan, Sininho, e os Garotos Perdidos… Mais do que uma ficção significa algo imensurável.

Outra vaguidão é a afirmativa genérica “cada vez mais a humanidade pode ser retirada da pobreza extrema. (…) Na década de 2020, chegaremos a um ponto em que os confortos básicos estarão disponíveis para uma grande fração da população mundial – embora certamente não para todos”. Cada vez mais?! Onde? Como?

Concordo: compreender de onde vem a riqueza ajuda com ações orientadas, seja governamentais, seja particulares, a tirar mais pessoas da pobreza. Os coautores autopromotores se vangloriam de, “até agora não houve um único lugar [como o livro deles] onde os leitores interessados pudessem ir para obter uma compreensão destas várias teorias. Nem a maioria dos relatos existentes considera seriamente as interações entre a explicação proposta e outras teorias”.

3.

Na segunda parte do livro, reuniram essas teorias para explicar por qual razão o primeiro lugar a alcançar o crescimento econômico sustentado – a Grã-Bretanha – o fez. Isso exigiu a explicação de algumas peculiaridades da história britânica. Usaram essa história para entender quais pré-condições eram importantes para a industrialização da Grã-Bretanha e por quais razões elas importavam.

Certas instituições, capazes de encorajar a inovação e o empreendedorismo e permitir a livre circulação de ideias, teriam sido menos importantes para os países em busca de se aproximar da fronteira diante dos países na fronteira tecnológica. Atrasados a copiam.

Os mercados competitivos também são cruciais para o crescimento econômico sustentado porque fornecem incentivos à inovação. “Episódios de crescimento como a Revolução Industrial não foram planejados pelos políticos tomadores de decisões. Resultaram de um número incontável de decisões tomadas por particulares no sentido de experimentar novos métodos de produção ou de construir novas fábricas ou de mecanizar a produção”.

As economias de comando também são capazes de crescer, no curto prazo, mais rapidamente diante das economias de mercado porque os políticos tomadores das decisões podem usar a coerção para mobilizar recursos. Mas apenas força de trabalho e investimento de capital acabam por gerar retornos decrescentes se não houver inovação e não houver mercados para coordenar as decisões de investimento.

O mercado não funciona no vácuo. O interesse próprio ou as forças de mercado só obtêm resultados benéficos se condicionados ao ambiente institucional apropriado.

Cada qual, específico do contexto, interage com outras variáveis. Por exemplo, pequenas reformas institucionais levaram a China a escapar à pobreza extrema na década de 1980: a restauração da produção privada na agricultura, a criação de zonas econômicas especiais e o abandono do planejamento central.

Em nenhum momento o Partido Comunista Chinês introduziu instituições representativas democráticas ou restrições formais ao Estado. Esta liberalização do mercado ocorreu quando era possível uma rápida convergência para a fronteira econômica. Logo, a China conseguiu tornar-se o maior produtor mundial de bens manufaturados de baixo custo. Partes do projeto de desenvolvimento bem-sucedido, em outros lugares, foram adaptadas ao contexto institucional e cultural local, por exemplo, um governo autolimitado diante do passado.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]

Referência


Mark Koyama e Jared Rubin. How the world became rich: the historical origins of economic growth. Cambrige, Polity Press, 2022, 240 págs. [https://amzn.to/4a8OTwk]


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