Por MICHEL GOULART DA SILVA*
O papel do rock em sua perspectiva crítica de denúncia às atrocidades de guerra e aos interesses políticos que colocam em risco a vida de inocentes
O tema da guerra acabou sempre influenciando as artes, na medida em que, diante dos impactos sobre as pessoas, os artistas se veem afetados pelo sofrimento deixado pelos diferentes conflitos. Um dos exemplos mais conhecidos dessa representação do impacto das guerras nas artes possivelmente é o quadro Guernica, feito por Pablo Picasso, em 1937.
O rock, comemorado mundialmente no dia 13 de julho, assim como outras expressões musicais, também não deixou de expressar a época em que suas músicas foram criadas, colocando reflexões para as mais diversas gerações. Os marcos para exemplificar essa expressão política poderiam ser vários, como o caso do MC5, com suas diversas provocações políticas, como na música “The American Ruse” (“O Estratagema Americano”), no álbum Back In The USA, de 1970. Os primeiros versos mostram muito do recado que a banca procurava passar:
Eles te contaram na escola sobre liberdade
Mas quando você tenta ser livre, eles nunca deixam você
Eles disseram: É fácil, nada demais
E agora o exército está atrás de você
O tema da guerra, especificamente, aparece em diversas letras das mais diferentes bandas, desde o final da década de 1960. Em “War pigs”, de 1970, a banda Black Sabbath fala em determinado momento:
Políticos se escondem
Eles só iniciaram a guerra
Por que eles deveriam lutar?
Eles deixam esse papel para os pobres, sim!
Era o contexto da guerra do Vietnã. Essa passagem procura apontar como os interesses políticos movem a guerra e como aqueles que se beneficiam com ela mandam inocentes para o campo de batalha. Essa temática em torno da denúncia daqueles que ficam nos bastidores comandando a guerra e planejando suas ações aparece também em “Us And Them” (“Nós e Eles”), do Pink Floyd, lançada em 1973. Em determinado momento da música, fala-se:
Avançar, ele gritou da retaguarda
E a linha de frente foi dizimada
E o general sentou, e as linhas do mapa
Moveram-se de um lado para o outro
Esta passagem mostra particularmente a crueldade da guerra, onde os soldados não passam de objetos a serem movidos num mapa em que o general faz seus planos. Portanto, como ensina a teoria da guerra, esta é a política por outros meios. Os governantes que provocam e se beneficiam com a guerra sequer chegam próximo do campo de batalha. O Pink Floyd, na mesma música, ironiza: “Você não ouviu? É uma guerra de palavras”. Nesta passagem novamente os interesses econômicos e políticos são denunciados, enquanto os governantes se limitam ao discurso demagógico.
O tema da guerra não deixou o rock na década de 1980. O Iron Maiden levou a público, em 1984, a música “2 Minutes To Midnight”, na qual falam, em determinado momento:
Enquanto os responsáveis pela carnificina lhes cortam a carne
E lambem o molho
Nós lubrificamos as máquina de guerra
Nessa música novamente se faz denúncia dos interesses que movem a guerra, mostrando como a vida das pessoas é considerada irrelevante. Como as peças movidas sobre o mapa ou as pessoas descaracterizadas nas disputas de retórica, a guerra parece ser uma entidade abstrata.
No decorrer da década, os temas passaram por algumas mudanças. Em “One”, de 1988, a banda Metallica traz os traumas deixados pela guerra aos soldados. Fala-se assim:
Agora que a guerra acabou comigo
Eu estou acordado, eu não posso ver
Que não resta muito de mim
Nada é real, a não ser a dor
Esse trauma deixado pela guerra pode não ser apenas mental, mas mesmo físico. Na mesma música do Metallica, em determinado momento fala-se:
Alimentado pelo tubo enfiado em mim
Como uma novidade do tempo da guerra
Preso a máquinas que me fazem respirar
Corte esta vida de mim
Mostra-se aqui inclusive a perspectiva de não querer essa vida cheia de traumas no corpo e na mente deixados pela guerra.
Com a chegada da década de 1990, observa-se também o avanço das guerras que usam a religião como justificativa demagógica. Essa percepção, trazida no rock diante da primeira Guerra no Iraque, foi mostrada em uma música do Megadeth, intitulada “Holy Wars… The Punishment Due” (“Guerras Santas, o Devido Castigo”), de 1990. O tema é evidenciado na letra:
Irmão matará irmão
Derramando sangue pela terra
Matando em nome da religião
Algo que eu não entendo
O absurdo da guerra é assim cantado em meio ao peso das guitarras. Essa perspectiva fica ainda mais explícita em “Civil War”, do Guns N’ Roses, de 1991. Esta música em praticamente toda sua letra faz críticas à guerra. Ela mostra, entre outros temas, o impacto sobre a vida das pessoas, como nesta passagem:
Veja seus jovens lutando
Veja suas mulheres chorando
Veja seus jovens morrendo
Da maneira que sempre fizeram antes
Ela procura mostrar também o quanto essas ações não resolvem nenhum problema, mas, pelo contrário, acabam por fomentar ainda mais ódio e inimigos:
Veja o ódio que estamos criando
Veja o medo que estamos alimentando
Veja as vidas que estamos guiando
Da maneira que sempre fizemos antes
E a música procura mostrar o verdadeiro caráter da guerra, ou seja, o de representar os interesses dos ricos e daqueles que ocupam os postos de poder:
E eu não preciso da sua guerra civil
Ela alimenta os ricos enquanto enterra os pobres
Você tem fome de poder, vendendo soldados
Em um mercado humano, não é uma carne fresca?
Eu não preciso de sua guerra civil
Mostrando o caráter de ilusão construída, a música compara o discurso demagógico dos políticos com o fanatismo religioso:
Porque todos estes sonhos são deixados de lado
Pelas mãos sangrentas dos hipnotizados
Que carregam a cruz do homicídio
E a história carrega as cicatrizes
De nossas guerras civis
Outros exemplos poderiam ser mencionados, como o das bandas Rage Against the Machine e System of a Down, mas os aqui mencionadas já evidenciam de forma bastante explícita o papel do rock em sua perspectiva crítica de denúncia às atrocidades de guerra e aos interesses políticos que colocam em risco a vida de inocentes. Esse caráter político do rock é algo que carrega desde sua criação e que permanece ainda hoje.
*Michel Goulart da Silva é doutor em história pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e técnico-administrativo no Instituto Federal Catarinense (IFC).
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