Eleição na Venezuela – como resolver o impasse?

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LISZT VIEIRA*

Na Venezuela, embora reprimida, a oposição de direita é tolerada e concorre à eleição presidencial, mas eu não botaria a mão no fogo por um ou outro: tudo tem que ser provado

1.

Como era esperado, tanto o governo como a oposição ganhou a eleição na Venezuela. Nenhum dos lados aceitaria a derrota, já se sabia antes. Pelo resultado oficial, o atual presidente Maduro ganhou com 51% dos votos. Isso é perfeitamente possível, assim como o contrário também seria possível. Como todo candidato perdedor diz que venceu e que houve fraude, isso tem de ser provado. Vide os exemplos de Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil.

A Venezuela é um regime militar com fachada civil. Eu chamo de democracia autoritária. Não chamo de ditadura porque nunca ficou provado que houve fraude em eleição presidencial. E existe oposição. Mas há denúncias de tortura, censura e perseguição política.

Na Venezuela existe oposição de direita, reprimida, mas continua existindo. A líder da oposição, Maria Corina Machado, é de extrema direita. Sua candidatura foi barrada, mas ela não foi presa sem provas, como ocorreu com Lula na democracia brasileira. Segundo li, ela assinou a Carta de Madri, que reuniu fascistas da Europa e América Latina.

Ela é da turma de Jair Bolsonaro e Javier Milei. A presença dela na política venezuelana seria comparável a imaginar Marighela candidato da oposição a presidente durante a ditadura militar. Na ditadura brasileira, a esquerda não era tolerada, pra dizer o mínimo. Na Venezuela, embora reprimida, a oposição de direita é tolerada e concorre à eleição presidencial.

O curioso é que a Venezuela é considerada de esquerda porque os militares não quiseram entregar o petróleo às empresas americanas. Mas a política econômica é neoliberal, existe uma enorme desigualdade social e, para sobreviver, cerca de 20% da população emigrou para outros países.

Nas eleições parlamentares de 2015, a oposição venceu com 7,7 milhões de votos, enquanto os governistas tiveram 5,6 milhões. Os resultados foram reconhecidos e ninguém falou em fraude. Como os exilados em outros países, em grande número, não puderam votar, isso favoreceu o candidato Nicolás Maduro. Não sei se houve fraude, mas isso tem de ser provado. Eu não botaria a mão no fogo, seja em favor do governo ou da oposição. As alegações de violação de direitos humanos, como tortura, também precisam ser provadas.

2.

O assessor internacional do Presidente Lula, o embaixador Celso Amorim, pressionou o presidente Nicolás Maduro a divulgar as atas eleitorais. O Brasil ainda não reconheceu oficialmente a vitória de Nicolás Maduro na eleição presidencial. Enquanto isso, foi anunciado que a Venezuela decidiu expulsar diplomatas de países que contestaram a vitória de Nicolás Maduro e vai retirar o pessoal diplomático da Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai.

Mas há também uma questão geopolítica. O governo da Venezuela foi sancionado pelo governo americano, pelo Tesouro e Departamento de Estado. E sofre um cerco dos EUA. É verdade que, depois de 11 anos no poder, Nicolás Maduro enfrenta um desgaste, mais por “fadiga de material” devido ao fracasso econômico do que por motivos ideológicos. Como ocorre em toda parte, a maioria do eleitorado não vota por razões ideológicas. Ao vencer, se é que venceu mesmo, Nicolás Maduro mostra que, com todo o barulho da oposição na mídia, o governo tem maioria.

Sinceramente, talvez nunca fique esclarecido se houve ou não fraude. Mas existe uma maneira de resolver isso definitivamente. Se por acaso os militares venezuelanos decidirem fazer acordos com empresas americanas de petróleo, a Venezuela passaria imediatamente a ser um exemplo de democracia e nunca mais ninguém iria questionar o resultado da eleição. Vide o caso da Arábia Saudita, a ditadura mais sanguinária do mundo e tratada como democracia pela mídia em geral.

Assim, voltaríamos a ter na Venezuela a “pax americana” e ficaria tudo resolvido. Amém!

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • O veto à Venezuela nos BRICSMÁQUINAS FOTOGRÁFICAS 19/11/2024 Por GIOVANNI MESQUITA: Qual seria o maior desaforo ao imperialismo, colocar a Venezuela nos BRICS ou criar os BRICS?
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES