Pablo Marçal — o vale tudo eleitoral e a falsificação de laudo médico

Imagem: Eric Prouzet
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MARCELO AITH*

Não há dúvida alguma que a campanha de Pablo Marçal objetivava impor prejuízo eleitoral ao candidato Guilherme Boulos com a divulgação do documento falso

Como uma espécie de vale tudo para tentar alcançar o segundo turno nas Eleições da cidade de São Paulo, o candidato Pablo Marçal e sua equipe postaram nas redes sociais um documento falsificado, na noite de ontem de sexta-feira (4/10), descrevendo um atendimento médico em que o seu opositor Guilherme Boulos estaria “com um quadro de surto psicótico grave, em delírio persecutório e ideias homicidas” e ligou o fato ao uso de cocaína.

A campanha de Pablo Marçal passou de todos os limites morais, éticos, jurídicos e políticos ao utilizar um documento formal e materialmente falso, que aponta, ardilosamente, que Guilherme Boulos teria sido internado por uso de cocaína. “Oriundo dos esgotos daquilo que existe de mais sórdido na internet, Pablo Henrique da Costa Marçal trouxe para o processo eleitoral paulista a materialização das práticas irresponsáveis e delituosas que são a marca de sua vida privada”, diz a notícia-crime de Guilherme Boulos.

Conforme apurado pelos meios de comunicação, o laudo falso é assinado pelo médico Jose Roberto de Souza. Uma consulta ao Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que o médico, que era ortopedista, já morreu. O RG de Guilherme Boulos que aparece no prontuário está incorreto, com um número a mais. O mais grave, é que a assinatura atribuída ao médico difere da que aparece em um documento judicial. O dono da clínica, Luiz Teixeira da Silva Junior, já foi condenado por falsificar diploma de Medicina.

Caso seja confirmado o que a imprensa, uníssona, tem apontado, Pablo Marçal cometeu crime previsto no artigo 304 do Código Penal brasileiro. O artigo prevê que “fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 297 a 302”, o que sujeita o autor às mesmas penas cominadas à falsificação ou alteração. Isso significa que a penalidade para o uso de documento falso é equivalente àquela prevista para a falsificação do próprio documento, ou seja, pena de reclusão de um a cinco anos e multa.

No entanto, para que haja a configuração do crime, é necessário que o agente tenha consciência de que o documento é falso e a vontade de utilizá-lo como se fosse verdadeiro. Tudo indica, considerando o histórico durante a campanha, que Pablo Marçal teria consciência da falsidade do laudo que apresentou.

Um ponto importante a se destacar, em que pese o tipo penal, para a sua confrontação, de exija que o uso do documento cause efetivamente um prejuízo, é necessário que o autor tenha o dolo, ou seja, a intenção de obter alguma vantagem indevida ou de causar dano é um elemento que geralmente está presente.

Não há dúvida alguma que a campanha de Pablo Marçal objetivava impor prejuízo eleitoral ao candidato Guilherme Boulos com a divulgação do documento falso. Especialmente depois que Guilherme Boulos apresentou exame toxicológico no debate realizado na quinta-feira (3/10), desmentindo as insinuações de Pablo Marçal de que era usuário de cocaína. Pablo Marçal não quis sair, mais uma vez, com a pecha de mentiroso contumaz e lançou mão de um documento, que tudo indica, formal e materialmente falso.

Até o pastor Silas Malafaia, um dos maiores representantes do conservadorismo brasileiro, nas redes sociais, disse que “esse bandido tem que ser preso”. E seguiu: “O psicopata do Pablo Marçal forjando documento contra Guilherme Boulos para dizer que ele é dependente de drogas. Inadmissível! Não é porque Guilherme Boulos é o nosso inimigo político que vamos aceitar uma farsa dessa”.

Entretanto, Pablo Marçal aparentemente pensa diferente em relação ao trato com o “inimigo” político, aproximando-se muito do que Polemarco, em diálogo com Sócrates, afirmou que fazer justiça é beneficiar os amigos. Sócrates, não se conformando com o entendimento de Polemarco, o questiona: “Mas e quanto aos inimigos? Devemos dar a eles tudo o que lhes é devido?” Polemarco respondeu: “E indiscutível”, respondeu [em um tom ligeiramente irritado], “a meu ver, o que inimigos devem entre si é propriamente e exatamente um mal… algo danoso.”

Vale tudo para alcançar objetivos eleitorais, inclusive utilizar se expediente criminoso para prejudicar seu adversário político? Aparentemente essa é a ideia de Pablo Marçal, aos inimigos tudo que lhe possa causar algum dano. Isso é moral, ético e especialmente cristão? É isso que queremos para a maior cidade da América Latina? O que ele seria capaz de fazer para se manter no poder? Oxalá, os paulistanos tenham cuidado e consciência durante o voto.

*Marcelo Aith é advogado criminalista com mestrado em direito penal pela PUC-SP.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES