Por MICHAEL ROBERTS*
O vencedor de todas as “eleições” dos EUA é Wall Street
De certo modo, importa pouco quem venceu para as grandes finanças e para as grandes empresas: elas não serão afetadas fortemente. Ambos os candidatos são fiéis ao sistema capitalista e não querem mais do que fazê-lo funcionar melhor para os donos do capital. E essa opinião não vem apenas de uma posição crítica. Veja-se o que disse Larry Fink, da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo: “estou cansado de ouvir que esta é a eleição mais importante de nossas vidas”.
A realidade, diz Larry Fink, “é que isso não importa com o passar do tempo”. Ora, é bem verdade que as forças endógenas subjacentes da produção, investimento e lucro capitalistas são muito mais poderosas do que qualquer política específica adotada e implantada por um determinado governo. No entanto, os políticos que atuam em favor do sistema podem diferir sobre o que é melhor para o seu funcionamento num certo momento. Eis que há algumas diferenças entre Donald Trump e Kamala Harris sobre o que deve ser feito nos próximos quatro anos.
Os principais pilares do que Donald Trump chama de “Maganomics” incluem tarifas mais agressivas sobre importações vindas de todo o mundo, especialmente aquelas vindas da China, e uma repressão draconiana à imigração. A sua retórica de campanha também pressiona por maior influência sobre a política monetária e sobre o Fed nas decisões sobre as taxas de juros e nas operações de manipulação do dólar.
Donald Trump afirma que “entregará impostos baixos, regulamentações baixas, custos de energia mais baixos, taxas de juros baixas e inflação baixa, para que todos poderem comprar mantimentos, um carro e uma bela casa”. Os novos cortes de impostos propostos incluem aqueles que incidem sobre a renda de pagamento de horas extras, gorjetas e sobre os benefícios de pensão. Mas ele afirma que vai fazer também a cortes profundos nos impostos diretos para pessoas físicas e jurídicas.
Essa política reduzirá seguramente os impostos para os muito ricos (mais uma vez), aumentando-os para quase todos os outros. Um estudo feito pelo Institute for taxation and economic police mostrou como se dará a incidência dos cortes nas diversas classes de renda. O gráfico em sequência estima o aumento/redução dos impostos em termos de valores médios para várias classes de renda:
Donald Trump afirma que tais cortes de impostos para os muito ricos e para as grandes corporações impulsionarão o investimento e o crescimento. Argumenta com base na desacreditada teoria do “gotejamento”: se a renda e a riqueza dos ricos aumentarem – ela diz –, eles gastarão mais e, portanto, os benefícios ‘escorrerão’ para o resto da população. É o que mostra a parte de cima da figura em sequência.
Mas se deve prestar a atenção para a parte de baixo do gráfico; ela mostra o que a evidência empírica tem revelado. Nos últimos 50 anos, houve um declínio dramático nos impostos sobre os ricos nas democracias avançadas. Vários estudos mostraram que isso teve pouco ou nenhum efeito sobre o crescimento econômico – mas teve um efeito importante sobre o aumento da desigualdade.
Dois economistas do Kings College London, David Hope e Julian Limberg, usaram um modelo de impacto de impostos para examinar todos os casos que houve grandes reduções de impostos sobre os ricos em 18 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 1965 e 2015. Num artigo que apresenta os resultados da redução de impostos dos ricos, The economic consequences of major tax cuts for the rich, eles mostraram que tais cortes levaram a uma maior desigualdade de renda no curto e médio prazo, mas que não tiveram qualquer efeito significativo sobre o crescimento econômico ou o desemprego.
Eles verificaram que o produto interno bruto per capita e os índices de desemprego mantiveram-se quase idênticos após cinco anos em todos os países que reduziram impostos sobre os ricos, tal como ocorreu naqueles que não o fizeram. Mas a análise descobriu uma grande mudança: a renda dos ricos cresceu muito mais rápido em países onde as taxas de impostos foram reduzidas. Nada surpreendente! Isso pode ser óbvio a partir de nossa própria experiência das últimas décadas, mas a análise empírica confirma nossas próprias percepções.
A própria experiência do governo Donald Trump nos EUA, quando ele introduziu cortes acentuados no imposto de renda corporativo e pessoal, também mostra o mesmo. Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia em Berkeley, descobriram que, pela primeira vez em um século, as 400 famílias americanas mais ricas passaram a ter taxas de imposto efetivas mais baixas do que as pessoas entre os 50% mais pobres.
Os investidores em títulos e Wall Street estão preocupados que esses cortes de impostos, embora os considerem como muito bem-vindos para os seus bolsos. O problema é que podem aumentar o enorme déficit orçamentário do governo, assim como a dívida do setor público – algo que se tornou um anátema para o setor financeiro. A resposta de Donald Trump é que ele “pagará” os cortes de impostos aumentando drasticamente as tarifas sobre as importações. Trump planeja impor uma taxa de 10% sobre todas as importações vinda para os EUA e um imposto de 60% sobre mercadorias provenientes da China. De fato, Donald Trump está falando em impor tarifas suficientemente altas para permitir que ele possa acabar com o imposto de renda por completo!
Mas o Penn Wharton Budget Model, resultado do esforço de um grupo de pesquisa, estimou que os planos de Donald Trump aumentariam os déficits orçamentários dos EUA em US$ 5,8 trilhões na próxima década. Até mesmo o centro de pesquisa conservador Tax Foundation estimou que o novo plano de isentar o trabalho de horas extras de impostos federais custaria aos EUA mais US$ 227 bilhões em receita perdida na próxima década.
A análise empírica dessas políticas indica, ademais, que haverá danos significativos ao desempenho econômico dos EUA. Um estudo recente sugere que as políticas de Donald Trump implicam em “mudanças acentuadamente regressivas na política tributária, pois transferem a carga tributária dos ricos para os membros de baixa renda da sociedade”. E ele foi desenvolvido por Kim Clausing e Mary Lovely para mostrar que o custo dos danos atuais somados aos dos planos tarifários de Donald Trump para seu segundo mandato deverá chegar a 1,8% do PIB.
Advertem que essa estimativa “não considera os danos das retaliações eventuais dos parceiros comerciais da América e outros efeitos colaterais, assim como uma perda de competitividade. O cálculo feito diz que os custos das novas tarifas propostas por Donald Trump serão quase cinco vezes maiores do que os causados pelos choques tarifários de Trump até o final de 2019, gerando custos adicionais para os consumidores apenas deste canal de cerca de US $ 500 bilhões por ano”. O impacto médio para uma família de renda média seria de US $ 1.700 por ano. Os 50% mais pobres das famílias, que tendem a gastar uma proporção maior de seus ganhos, verão sua renda disponível prejudicada em uma média de 3,5%.
As medidas tarifárias de Donald Trump imporiam altas taxas sobre as importações, em níveis vistos pela última vez durante a década de 1930, após a aprovação da histórica Lei Tarifária Smoot Hawley. Donald Trump afirma que as barreiras comerciais não apenas aumentarão as receitas, mas levarão à restauração da grande indústria nos EUA. Quando as tarifas de importação são usadas para proteger um setor manufatureiro florescente e incipiente, como eram nos EUA no final do século XIX e início do século XX, elas podem ter ajudado. Mas agora, no século XXI, a maquinofatura dos EUA está em declínio relativo, uma tendência que não será revertida por políticas protecionistas – agora, como se sabe, ela se desenvolve intensivamente apenas na Ásia.
O Peterson Institute for International Economics (PIIE) em Washington calcula que tarifas generalizadas de 20% combinadas com uma tarifa de 60% sobre a China desencadeariam um aumento de até US $ 2.600 por ano no gasto em mercadorias de uma família média; e esses gastos subiriam junto com a inflação. Os pesquisadores seniores do PIIE, Obstfeld e Kimberly Clausing, acham que o valor máximo de receita adicional que o governo pode arrecadar – aplicando uma tarifa de 50% sobretudo – seria de US $ 780 bilhões.
Eis o que dizem: “Se quiséssemos substituir completamente a [receita arrecadada com] imposto de renda por uma tarifa, precisaríamos de pelo menos uma tarifa de 70%. Só então as pessoas começarão a substituir as importações; mas isso não poderá ocorrer sem retaliação e assim por diante”, diz Tedeschi, do Laboratório de Orçamento de Yale. “É impossível fazer essa máquina de política econômica funcionar. Provavelmente não será possível aumentar [as tarifas] em níveis suficientes.”
A outra peça importante da Maganomics é reduzir drasticamente a imigração. Donald Trump acusou os imigrantes de “envenenar o sangue do nosso país”. Apesar desse racismo grotesco, muitos americanos estão convencidos de que seus padrões de vida estão sendo afetados por um “excesso de imigrantes”. De acordo com a Gallup, 2024 é o primeiro ano em quase duas décadas em que a maioria do público norte-americano quer menos imigração para os EUA. Somente no ano passado, o desejo de reduzir a quantidade de imigração saltou 10 pontos para os democratas e 15 pontos para os republicanos.
Donald Trump realmente quer fazer a deportação em massa de milhões de imigrantes. Um relatório recente do Conselho Americano de Imigração conclui que, se o governo deportar uma população de cerca de 13 milhões de pessoas que, em 2022, não tinha status legal permanente e enfrentava a possibilidade de remoção, o custo seria enorme, chegaria a cerca de US$ 305 bilhões.
E isso não leva em conta os custos de longo prazo de uma operação de deportação em massa, assim como não considera os custos adicionais incalculáveis necessários para adquirir a capacidade institucional de remover mais de 13 milhões de pessoas em um curto período. “Para contextualizar a escala de detenção de mais de 13 milhões de imigrantes indocumentados compare-se com toda a população carcerária e carcerária dos EUA; em 2022, compreendendo todas as pessoas detidas em prisões e cadeias locais, municipais, estaduais e federais, havia 1,9 milhão de pessoas”.
Se distribuído ao longo de uma década, o custo médio anual seria de US$ 88 bilhões por ano; ao todo, o custo total chegaria a US$ 968 bilhões. Veja-se que se trata de criar e de manter instalações de detenção e campos de concentração temporários, assim como os tribunais de imigração. Além disso, cerca de 5,1 milhões de crianças cidadãs americanas vivem com um membro da família indocumentado. Separar os membros da família levaria a um tremendo estresse emocional, algo que poderia causar dificuldades econômicas para muitas dessas famílias de status misto que poderiam perder seus chefes de família.
Mas o dano econômico geral também seria significativo. Como argumentei na postagem anterior, a imigração líquida ajudou a economia dos EUA a crescer a um ritmo mais rápido do que outras economias do G7. Perder esses trabalhadores por meio de deportação em massa reduziria o PIB dos EUA em 4,2 a 6,8%. Também resultaria em uma redução significativa nas receitas fiscais. A remoção da mão de obra imigrante perturbaria todos os setores, de residências a empresas, assim como a infraestrutura básica. À medida que as indústrias sofrem, centenas de milhares de trabalhadores nascidos nos EUA podem perder seus empregos.
A Maganomics de Donald Trump afirma que visa ajudar o americano médio nascido nos EUA, mas, na realidade, é claro, suas políticas apenas enriqueceriam os muito ricos como ele às custas do resto. Elas também prejudicariam o crescimento econômico e aumentariam a inflação. Ele é fortemente apoiado por multibilionários individuais, como Elon Musk. Eles possuem cerca de 4% da riqueza pessoal dos EUA, mas contribuíram com um terço do dinheiro de campanha arrecadado por Trump, que é também um bilionário.
A ironia é que 74% dos americanos entrevistados apoiariam um imposto anual sobre a riqueza de 2% em ativos pessoais acima de US$ 50 milhões; 65% apoiam o aumento da alíquota do imposto de renda corporativo e 61% apoiam o aumento das alíquotas máximas do imposto de renda – exatamente o oposto das políticas de Donald Trump.
Quanto ao clima, Donald Trump deixou claro que relaxará os regulamentos e permitirá mais exploração e produção de combustíveis fósseis – afinal, ele e o chefe da Tesla, Elon Musk, concordam que o aquecimento global provavelmente não é causado pelo homem e, de qualquer forma, não é um sério risco para os meios de subsistência, assim como para as vidas humanas. As vítimas do furacão na Flórida possivelmente não concordarão com eles.
Larry Fink está certo. Não importa quem ganhou. O vencedor de todas as “eleições” dos EUA é Wall Street.
*Michael Roberts é economista. Autor, entre outros livros, de The great recession: a marxist view (Lulu Press) [https://amzn.to/3ZUjFFj]
Tradução: Eleutério F. S. Prado.
Publicado originalmente no The next recession blog.
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