Por LUIZ RENATO MARTINS
A correlação das forças que regem a experiência estética da arte concreta
Para além da forma/ ideia e seus mandamentos
Pode-se inferir, quanto à correlação das forças que regem a experiência estética da arte concreta, que um só princípio unifica autoria, obra e recepção, não obstante as distinções aparentes de cada instância. O princípio rege os três níveis implicados mediante a estrutura poética que aparece concretizada como ideia visual ou rítmica. É o primado de tal ideia ou o princípio pictórico, necessariamente claro e distinto – e que opera ao modo de um contrato estético –, que explicita a diretriz preconizada pelo quarto ponto da carta de princípios “Bases da Pintura Concreta”: “A construção do quadro, assim como seus elementos, deve ser simples e controlável visualmente”.[i]
Façamos uma incursão noutra direção – decerto herética e a contrapelo dos mandamentos da arte concreta. Indaguemos acerca das premissas e implicações históricas e sociais da estrutura lógica e da sua simplicidade, alegadamente destinadas à apreensão racional. Trata-se de um problema não estritamente poético, mas relativo à história das ideias. O enfrentamento de tal questão demanda a discussão, no plano dos nexos e seus pressupostos históricos, daquilo que veio a ser denominado retrospectivamente(uma geração depois) “projeto construtivo brasileiro na arte”.
Desde logo, a denominação tardia foi consagrada a partir de uma retrospectiva realizada em 1977,[ii] cujos efeitos ideológicos e historiográficos, indissociáveis de um amplo e ambicioso processo de releitura da abstração geométrica brasileira, ainda não se esgotaram.
Por certo, a reivindicação da linhagem construtivista para a abstração geométrica brasileira envolve um complexo de questões conexas e com longos desdobramentos que não cabem aqui.[iii] Detenhamo-nos apenas numa precisão comparativa crucial, a fim de decidir sobre a natureza das alegadas raízes construtivas da arte brasileira.
Tal denominação tem alguma consistência à condição de ser referida não ao construtivismo original soviético, mas, sim, ao desdobramento do ramo ocidental, que Benjamin Buchloh, com precisão aguda e mordaz, alcunhou de “construtivismo da Guerra Fria (Cold War constructivism)”.[iv]
Observemos comparativamente contexto e pressupostos do construtivismo original – que denominarei, para simplificar, de “vermelho”, em oposição ao “branco”, da “versão ocidental”. O contraste serve para precisar os laços de origem da família brasileira, derivada, na verdade, da migração para cá do construtivismo branco praticado em Paris, origem da arte concreta.
Construtivismo vermelho
O construtivismo vermelho original – sobre o qual, aliás, Maiakovski (1893-1930) afirmou: “Pela primeira vez um termo novo no domínio da arte, construtivismo, vem da Rússia e não da França”[v] – manifestou-se de início principalmente na pintura. Mas logo ganhou outra feição mediante a interdisciplinaridade. No caso soviético, o princípio que regia as migrações de linguagem de um campo para outro era a política; precisamente, a urgência dos objetivos revolucionários de politização e agitação para o aprofundamento da Revolução de Outubro.
Assim, muitos dos primeiros projetos construtivistas nasceram em plena guerra civil contra os “brancos” e visavam à mobilização geral para a defesa do governo revolucionário.[vi] Nesse sentido, a superação dos traços de espontaneidade subjetiva e de expressividade pessoal, no construtivismo vermelho, deu-se em favor da conjugação com a política e em prol de uma forma de subjetividade coletiva e superior, que era a do sujeito político revolucionário – com a urgência da “reconstrução do modo de vida” (perestroika byta).[vii]
A concepção da obra construtivista, portanto, longe de ser infensa às circunstâncias e impermeável ao processo de realização, surgiu estruturalmente aberta à situação e fins do sujeito político do processo: o movimento operário revolucionário, ao qual era atribuído o teor de subjetividade coletiva. De acordo com o caráter permeável e processual da obra – no qual a noção de forma não regia, mas se submetia à materialidade do processo de construção –, os trabalhos do construtivismo vermelho apresentavam-se estruturalmente derivados dos materiais empregados. Engendrou-se desse modo, no plano estético, a crítica construtivista da “unidade da forma”, cristalizada na afirmação da forma como “produto da força dinâmica dos materiais”, consoante à “cultura dos materiais”, delineada por Tatlin (1885-1953).
Construtivismo branco
Por outro lado, nos termos do grupo Ruptura ou da arte concreta trazendo o DNA do construtivismo branco, simplicidade e evidência lógica atestavam a hegemonia do totem forma/ ideia, celebrado em cada obra segundo preconizava o manifesto de Van Doesburg.
Logo, ao invés da urgência expressiva de um sujeito político, como era próprio ao construtivismo vermelho, o que se apresentava, no caso brasileiro e latino-americano em geral – mas também naquele do construtivismo branco praticado na Bauhaus –, era a face simbólica do padrão weberiano, supostamente universal e a-histórico. Porém, essa não era senão a máscara teórica que escondia a feição empírica da racionalidade pós-artesanal, própria à produção impessoal de mercadorias nos diversos campos.
Posta nos termos miúdos da rotina, a impermeabilidade aos fatores subjetivos buscada pela arte concreta apoiava-se em constructos matemáticos, e escudava-se sob “régua e compasso” e o mais, contra acidentes de execução e restos de espontaneidade não programados. O desígnio brasileiro de abstração, na prática operacional, se entrecruzava ou coincidia – tal como ocorre com relação a qualquer projeto de produto ou de edificação, também baseado em cálculos – com procedimentos operacionais exercidos nas atividades de produção de mercadorias.
Nesse compartilhamento, aliás, a versão local do construtivismo branco nem por isso apartava o seu destino daquele, também anfíbio, traçado pelos mestres da Bauhaus,[viii] que iam e vinham entre a esfera da contemplação pura e a dos cálculos produtivos dos objetos para o mercado. Em São Paulo, o intercâmbio era mais que notório, até alardeado, porque muitos dos artistas em questão atuavam profissionalmente como técnicos assalariados, profissionais autônomos, pequenos empreendedores etc., nas áreas de artes gráficas, paisagismo, design, movelaria, publicidade, entre outras, e zombavam da inutilidade das “belas-artes”.
Desse modo, a noção de subjetividade aí implicada só por conveniência e desejo de lastro filosófico se reclamava descendente do totem da tipologia ideal, cuja motivação comportamental e decisória seria estritamente racional, segundo Max Weber (1864-1920).[ix] No cotidiano, os autores da arte concreta tinham endereço comercial, atendiam a contratos mercantis ou de trabalho, atuavam como pessoas jurídicas etc.
Nesse sentido, a respeito das pinturas de Waldemar Cordeiro apresentadas na I Exposição Nacional de Arte Concreta (1956-57), disse Mário Pedrosa: “Waldemar Cordeiro nutre a sua ideia, e a transpõe para a tela, como um desenhista sobre uma prancha traça seu objeto”. A metáfora de Pedrosa não era casual. Aludia não apenas à descrição da fatura cuidadosa e exata das obras de Cordeiro, como à sua situação profissional. O mesmo se aplicava a Luiz Sacilotto, que ganhava a vida à época como desenhista durante o dia e pintava nas horas vagas,[x] como também a Geraldo de Barros e outros.
A “boa forma”, uma joia da modernização
A articulação intelectual entre a matriz da subjetividade weberiana, supostamente universal, e os afazeres do mercado era garantida pela ciência da “boa forma” ou Gestalt,tida como apta para funcionar tanto no domínio da contemplação desinteressada das formas quanto no exercício do projeto ou do design de objetos para o mercado. Assim, a gestalt – preconizada doutrinariamente pelaarte concreta como a “ciência da percepção”[xi] – concebia uma analítica da forma, referida e fundada em axiomas e postulados empíricos vinculados ao desempenho perceptivo-cognitivo do indivíduo.
A construção dessa base científica para a analítica da forma respondeu, numa certa chave voltada à produção mercantil, à dissolução crítica da unidade metafísica da forma, praticada na chamada “fase de laboratório” no início do construtivismo russo, e que se desdobrou depois na “cultura dos materiais” e ulteriormente no produtivismo.
Em circunstâncias operacionais infensas à consideração crítica dos usos e finalidades da produção, os procedimentos da arte concreta podiam migrar e transitar sem problemas, de um campo para outro – não obstante diferenças relativas aos materiais, técnicas produtivas e modos de circulação. A condição é que mantivessem os pressupostos puros de toda concretude e reafirmassem o objetivo da “boa forma”.
Concretamente, isso significava que normas e critérios da “boa forma” – que circulavam indistintamente entre a prancheta, a tela, a embalagem, o jardim, o cartaz, a página de poesia e assim por diante – implicavam sempre operações de parcelamento e abstração, conjugadas à supressão de aspectos de materialidade do suporte ou da mídia.[xii] Nesse trânsito de técnicas e práticas perceptivas, ia-se sempre dar, não importa quão abstrata e desinteressada a união, numa cifra alegórica da conjunção modernizadora e triunfante, entre a minimização dos custos e a eficiência.
Assim, as mudanças, propugnadas pela nova arte brasileira, nucleada em torno do programa fundador da arte concreta, concentravam-se exclusivamente no receituário da poética, ou seja, no modo estético de produzir. Em contrapartida, conservavam-se intocadas as demais relações e inalteradas as polaridades funcionais; num polo, entre o autor e a obra, vale dizer, entre o artista e os seus materiais, o empreendedor e os seus insumos. Enquanto noutro polo, conservava-se também a dicotomia entre o produtor-empreendedor-artista e o consumidor da experiência estética. Submetiam-se todos ao poder do totem forma/ ideia.
Trocando em miúdos, tratava-se de modernizar a produção e otimizar a distribuição ou a circulação do produto. Implementava-se, assim, uma modernização congênere àquela decorrente da introdução de tecnologias mais avançadas na indústria, na produção agrária e nos serviços, ao mesmo tempo que se preservavam as premissas da divisão funcional e social do trabalho e as relações de propriedade.
Em suma, se o modo produtivo da arte se renovava, em contrapartida, tudo continuava na mesma quanto à distinção dicotômica e dualista de funções na produção e na circulação, a qual vinha sempre regida, no construtivismo branco, consoante a idealidade da contemplação, isto é, segundo a oposição dual e a dinâmica correlata, especular ou projetiva, entre o sujeito e o objeto fetichizado da contemplação.
Economia política da abstração geométrica
Bem entendido, nenhuma dessas considerações acerca das premissas e implicações do acervo de valores e ideias da arte concreta contradita o fato decisivo, afirmado ao início e que ora vale reiterar, de que o paradigma abstrato geométrico converteu-se no vetor constitutivo de um processo inédito nas artes visuais do Brasil, de formação de um sistema visual moderno – em correlação com o novo ciclo de modernizações –, vinculado à expansão do comércio internacional e intensificado pelos investimentos estatais na industrialização, durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-54).
Isso posto, se a investigação empírica já apontou contiguidades e paralelismos entre o prestígio do paradigma visual da abstração geométrica e o regime de expansão e modernização capitalista, cabe aprofundar o exame. Assim, em uma investigação para precisar os nexos sociais e históricos implicados na construção da hegemonia das linguagens visuais geométricas, emergem novas questões cruciais: como traduzir a ascendência simbólica da abstração geométrica, do ponto de vista da materialidade histórica das forças à frente de tais inovações, na modernização sul-americana?
Em suma, que grupos e classes atuavam como sujeito simbólico da vontade generalizada de geometria? Ou, enfim, traduzindo tais questões nos termos da problemática da formação antes proposta: quais as implicações e decorrências histórico-sociais da racionalidade poética geométrica ter se convertido no vetor formativo do sistema visual brasileiro no período de 1950 a 1964?
Ritmo geral e síntese estética
Para enfrentar tais questões é indispensável recorrer a um conceito sintético, apto a efetuar e condensar a articulação entre o processo histórico e as elaborações estéticas. De fato, elas requerem a síntese reflexiva simultânea de um complexo de esferas heterogêneas, abrangendo materiais e formas artísticas e forças histórico-sociais, cuja síntese não é imediata nem evidente.
Tal é a função precípua das noções correlatas de forma materialista e de forma objetiva, concebidas respectivamente por Antonio Candido e Roberto Schwarz. Como operam ambas para sintetizar domínios com fundo e teor tão heterogêneos? Mediante, respondem ambos, a indagação acerca do processo de materialização estética, ou, para dizê-lo sinteticamente, da “redução estrutural” à forma estética de um “dado social externo” indicativo do “ritmo geral da sociedade” – traduzido, por seu turno, numa forma estética.[xiii]
Trocando em miúdos, ambos os constructos críticos, forma materialista e forma objetiva, operam de modo tal que o ritmo geral da sociedade, ao se traduzir enquanto forma no processo de consolidação especificamente estético, não apareça como, na comparação explicativa proposta por Roberto Schwarz, “modalidade envolvente” extrínseca, “mas como elemento interno ativo” da forma literária, desse modo imbuída de um dinamismo intrínseco.[xiv]
Assim considerada, a forma objetiva compreende e traz para o âmbito estético uma substância prático-histórica que se torna potência interior do romance, ou do processo poético visual, se for lícito transpor a noção literária para o domínio visual, como aqui se pretende. Não será, no entanto, senão na imanência da experiência estética consolidada enquanto forma poética, que a forma objetiva desvelará enquanto ritmo a matéria histórico-social. Cabe ao interessado abranger ambas. Como?
De um modo ou de outro, a partir do constructo crítico proposto por Antonio Candido e complementado por Roberto Schwarz, a questão da formação do sistema visual brasileiro moderno pode ser ora posta provisoriamente nos termos do seguinte dilema: terá, ou não, o ritmo geral das sociedades sul-americanas sido expresso, naquele período, pelo paradigma abstrato-geométrico enquanto forma que materializou e objetivou estética e ritmicamente as relações sociais e econômicas de então?
A eventual resposta a tal questão trará também a chave explicativa do teor do processo e das forças históricas componentes, que conseguiram interromper o regime do laissez-faire artístico-visual. Em suma, por que tal disrupção foi possível em culturas tão caracteristicamente inclinadas às descontinuidades e lacunas, aos episódios de ecletismo e volubilidade, como as sul-americanas? Por que no transe em questão vieram elas a ser, de modo súbito, mas também duradouro, acometidas de tal vontade de geometria?
Figuras do progresso
Nesse sentido, um breve exame do conjunto sistêmico de obras de que Vibração Ondular constitui, como vimos, exemplo precursor indica a reiteração de valores de simetria, equilíbrio, equitatividade, constância, clareza, racionalidade, transparência etc. Na prática, o oposto do que se conhece como o teor e a feição cotidiana do processo histórico-social no Brasil e nos demais países periféricos.
Como não correlacionar tais valores e sua manifestação visual (no conjunto sistêmico das obras em questão) à premissa (esperançosa e, como se constatou, utópica!) de um desenvolvimento equilibrado, combinado aos demais valores referidos, todos desejáveis? Nessa ordem de relações, que sentido atribuir aos vazios e intervalos lineares ou cromáticos pertinentes a estruturas simétricas ou binárias, recorrentes em trabalhos concretos?
Na perspectiva otimista, tais vazios não indicam falta, mas, em sua alternância com opostos gráficos ou cromáticos, informam a ideia de um desenvolvimento em progresso. Pode-se então inferir que, em Vibração Ondular como em outros trabalhos, apresenta-se o diagrama ou esquema de um desenvolvimento que evolui de modo ordenado e à luz do ideal clássico da simetria.
Sem dúvida, tal intuito, expresso como desejo ou projeção subjetiva de parte do autor, denota generosidade. Porém, se examinado de outro ângulo que não o da intencionalidade autoral, e sim do ponto de vista do seu efeito sobre o observador, a relação de simetria revela equivaler a um regime de funcionamento binário da percepção, consoante a dicotomia ou dualidade constante entre positivo e negativo, como polos opostos. Tal modo, característico de mecanismos simples, pode também revelar a reificação de forças ou a dinâmica de um motivo imperioso, reposto incessantemente e independentemente da recepção e do observador.
Nesse sentido, enquanto regime constante e não superável, restrito à recorrência da oscilação a-b, o teor quintessencial do conjunto visual em questão figura a ordenação de um determinismo estrutural, como, por exemplo, o das leis físicas que regem o movimento de um pêndulo – o que nos remete diretamente à exemplaridade de Vibração Ondular, nossa amostra inicial. Desse modo, ao invés de relações históricas ou sociais passíveis de mudança, o que aparece é um andamento maquinal avistado como lei natural, vale dizer, de modo algum como um processo histórico e político.
A síntese das duas observações, tanto aquela acerca da generosidade da intencionalidade autoral quanto a outra, feita do ponto de vista do observador, quando aplicadas ao caso de Vibração Ondular, traz um dilema ou um resultado contraditório: tanto o esquema de um processo, imbuído de qualidades racionais, justas e desejáveis, quanto, por outro lado, a referência a um processo maquinal que transcende o observador e a ele se impõe como determinismo.
A perspectiva da forma objetiva
Diante de tal contradição, o que fazer? Mudemos de perspectiva e modo investigativo. O que nos diz o ponto de vista da forma objetiva? Penso que permita ultrapassarmos a contradição de sensações e valores suscitados por Vibração Ondular. Com efeito, do ponto de vista da forma objetiva, devemos supor que os programas de estruturas simétricas ou binárias, recorrentes na arte concreta, materializam esteticamente a dualidade estrutural de um processo histórico objetivo. Como e por que o fazem? Realizando precisamente, enquanto variantes específicas de uma forma materialista e objetiva, a forma estética que – à revelia da intenção autoral – traduz ritmos gerais (sociais e econômicos) da sociedade.
Tratar-se-ia, nesses termos, de um ritmo geral da sociedade, regido por posições polares estanques, segundo uma dicotomia cuja superação não se avista, ou de uma dualidade reposta incessantemente, segundo os diagramas concretos correntes? Enfim, postas assim as coisas do ponto de vista da forma objetiva, de que funcionamento histórico-social e de que processo geral se trata? Ou ainda, para restar nos termos de Schwarz: que substância prático-histórica se encontra implicada ou se traduz nas estruturas simétricas ou binárias?
Da redução estética às relações prático-históricas
Em síntese, devemos agora, a partir da forma estética (assentada numa dualidade estrutural não superada), intuir – efetuando caminho inverso ao da “formalização estética” – uma substância prático-histórica correspondente. Nesse sentido, o que se pode deparar? Ora, o período histórico em foco apresentava um paradigma discursivo – e, dessa vez, explicitamente referido ao ritmo geral – que expressava, embora noutro domínio, um dilema compreendendo as mesmas constantes em questão, a saber: uma estrutura dual ou polarizada, traduzida num processo prático-histórico, que se repunha ciclicamente e cuja superação não se avistava.
Tratava-se, em miúdos, de uma teoria analítica acerca do “subdesenvolvimento”, como se dizia, vinculada à proposição de determinado paradigma de planejamento que objetivava promover, mediante a expansão da industrialização, um certo modelo de desenvolvimento apto a superar o atrasocrônico da economia do país.
Tal era à época o programa nacional-desenvolvimentista, propugnado pela análise do “subdesenvolvimento”, combinada à teoria do desenvolvimento planejado, consoante proposta da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) da ONU, dirigida então pelo economista argentino Raúl Prebisch (1901-1986), secundado pelo economista brasileiro Celso Furtado (1920-2004).[xv]
O curso das pesquisas de Celso Furtado, emblemáticas das teses nacional-desenvolvimentistas então correntes, revelava o que era, naquela altura, tido como um ritmo geral pautado pela dualidade; ou, para retomar a expressão de Roberto Schwarz, que evidenciava a estrutura dicotômica de uma “substância prático-histórica”. Noutras palavras, aspectos precisamente de tal teor eram apresentados à época pela teoria econômica que procurou estabelecer a estrutura específica do “subdesenvolvimento”. Este era visto por Celso Furtado, segundo Francisco de Oliveira em A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado,[xvi] como formação moderna e coetânea ao desenvolvimento das economias centrais. Nesse sentido, a analítica do subdesenvolvimento não tomava tal fenômeno complexo como estágio de uma cadeia linear, mas sim como formação contemporânea e em determinação recíproca com as economias desenvolvidas, para as quais transferia capitais.
Nesse diagnóstico, a estrutura fundamental do subdesenvolvimento assentava na dualidade ou dicotomia estrutural entre dois setores fortemente desiguais da economia nacional. Eram eles o setor exportador, vinculado ao mercado internacional dito “moderno”, constituído pela especialização na produção de bens primários para exportação, e, por outro lado, um setor econômico, dito “atrasado”, voltado para a “agricultura de subsistência”, cuja “dinâmica própria, (mostrava-se) infensa ao que se passa no setor ‘moderno’, exportador”.[xvii]
Virtudes e impasses do “dual-estruturalismo”
Tais ideias, cuja elaboração inicial data de 1950, quando Celso Furtado já se encontrava integrado à divisão de pesquisas da CEPAL, foram praticamente coetâneas ao surgimento no Brasil do paradigma abstrato-geométrico, na esteira, recorde-se, de sua ocorrência na Argentina – que, por sinal, também fez, antes do Brasil, seu ciclo de reformas estruturais ditas modernizantes.
No estudo referido, Francisco de Oliveira destaca vários pontos da novidade representada pelo diagnóstico “dual-estruturalista” de Celso Furtado, com quem trabalhou na Sudene. Assim, tal programa, além de conceber o “subdesenvolvimento” em determinação recíproca com o desenvolvimento das economias centrais, supunha paralelamente uma intervenção estatal planejada em favor de uma reforma agrária urgente, a fim de vencer a dualidade estrutural entre o setor avançado e o atrasado da economia brasileira.
Não obstante a afinidade keynesiana e a simpatia por tais aspectos do pensamento e das ações de Celso Furtado como planejador público, o estudo de Francisco de Oliveira não deixa de realçar criticamente a tônica de otimismo desenvolvimentista ou o seu ideário de classe, pode-se dizer, prevalente de modo generalizado no período e compartilhado também com outros países sul-americanos, empenhados em programas similares de “substituição de importações” mediante a industrialização acelerada.[xviii]
O esquema dual-estruturalista embalado pela tônica otimista, de crença no progresso segundo o programa nacional-desenvolvimentista, trazia um ponto cego estrutural, na crítica de Francisco de Oliveira consolidada na contramão do golpe empresarial-militar de 1964 e dos seus desdobramentos econômicos que também se queriam modernizantes.
Assim, ao revisar criticamente em 1972[xix] o ponto de vista da “razão dualista”, subjacente ao programa industrializante de reformas preconizado pelo pensamento reformista no decênio anterior ao golpe de 1964, Francisco de Oliveira ressaltou que ““a tese cepalino-furtadiana da dualidade distingue-se da constatação geral e histórica do ‘desenvolvimento desigual e combinado’ da tradição marxista (de Lênin e Trotski) precisamente porque para Celso Furtado e a Cepal o desenvolvimento é desigual mas não é combinado. (Assim) Os dois setores não têm relações articuladas: o setor ‘atrasado’ é apenas um obstáculo ao crescimento do setor ‘moderno’, principalmente porque, por um lado, não cria mercado interno e, por outro, não atende aos requisitos da demanda de alimentos (proveniente do setor moderno)”.[xx]
Desse modo, o “atraso do ‘atrasado’ (…) converte-se” na argumentação cepalino-furtadiana, “em obstáculo à expansão do ‘moderno’”, entre outras razões, porque truncava o processo de acumulação ou formação de capital.[xxi] Analogamente, a interpretação racionalista dos focos de pobreza e atraso os convertia, em última análise, em pontos de irracionalidade do sistema. Em consequência, Celso Furtado propôs como “remédio (…), contra os bloqueios do atraso e os males da dualidade estrutural, industrializar-se (…) para sair do círculo vicioso do subdesenvolvimento (…)”.[xxii]
Desse modo e não obstante o aspecto crítico inovador já referido, de conceber o subdesenvolvimento como formação econômica moderna e específica,[xxiii] a teoria do subdesenvolvimento, ao ser convertida em ideologia industrialista, sem mais, “também […] mascara os novos interesses de classe […] (postos) agora como ‘interesses da Nação’”, sintetiza Francisco de Oliveira.[xxiv]
O ponto cego desenvolvimentista
Com efeito, segundo perspectiva unilateral e racional prevalente em sua obra pré-1964, Celso Furtado procurara, “à maneira dos (economistas) neoclássicos, apresentar uma teoria ‘econômica’ da economia”. Ou seja, à diferença de Marx, aponta Oliveira, não se tratava de uma economia política posta em termos materialistas e dialéticos, segundo os quais as relações de força e dominação subjacentes às relações de produção são por elas repostas, reproduzidas e recicladas, de modo a reconstruírem incessantemente, por sua vez, a sociabilidade geral em termos de desigualdade e de dominação.[xxv]
Em síntese, o emudecimento ante a questão política,[xxvi] manifesto na ausência de uma análise concreta das classes, constituiu o ponto cego e, substancialmente, o limite conservador das teses da CEPAL e de Celso Furtado, assinala Francisco de Oliveira.[xxvii] De fato, seria só em 1966, dois anos após o golpe e já no exílio, que Celso Furtado haveria de reconhecer que “a industrialização, nas condições concretas do nosso continente, concentra a renda em vez de operar sua melhor distribuição”, conforme conclui Francisco de Oliveira, a partir do livro de Celso Furtado, Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina (1966), e de outros subsequentes.[xxviii]
Por sua vez, para a análise estética efetuada, do ponto de vista da forma objetiva, importa notar que o prestígio coetâneo das teses nacional-desenvolvimentistas, tanto quanto seu ponto cego, terão constituído, enquanto formações históricas contemporâneas, elementos da substância prático-histórica correlata ao esquema estético-simbólico da abstração geométrica, e terão igualmente constituído seus elementos irrefletidos e inexpressos. Que precisões ulteriores a análise molecular de Vibração Ondular pode trazer?
Do mito do planejamento ao nacional-ilusionismo
Deduzimos quanto à Vibração Ondular e seus pares sistêmicos ou programáticos que as expectativas éticas generosas, investidas pela poética da arte concreta em seus esquemas simétricos e binários, entram em contradição com a experiência do observador, submetido a um mecanismo imperioso que o transcende. Aprofundemos o exame das implicações correlatas a tais nexos.
O manifesto Ruptura, na esteira da carta de Paris da arte concreta, enumerava de modo explícito, em 1952, uma série de dicotomias relativas a procedimentos artísticos, aglutinadas em torno da oposição entre o “velho” e o “novo”.[xxix] No entanto verificou-se que, à margem de tais polaridades, um conjunto de relações estruturais do processo artístico e simbólico permanecia ignorado e substancialmente inalterado, a despeito das tantas inovações introduzidas pelas poéticas geométricas. Nada de novo, por sinal, ante o que ocorria no construtivismo branco metropolitano.
Com efeito, a valerem o paralelo e as analogias maiêuticas entre o otimismo planejador do “dual-estruturalismo” e a renovação planejada e focada nos procedimentos poéticos de produção e circulação, segundo a proposta da arte concreta, esclarece-se que o nó górdio em ambos os casos (o econômico e o artístico) reside no unilateralismo do planejamento puro da ação, que minimiza a importância das relações sociais e de classe e das práticas políticas. Mantêm-se assim intocadas em seus pressupostos básicos e essenciais as relações de poder, ingenuamente supostas como essencialmente racionais e extra-políticas, na perspectiva do construtivismo branco, quando não simplesmente ignoradas por ele.
Em última análise, o paradigma simbólico da abstração geométrica não limitado ao domínio da estética, mas enraizado em domínios produtivos como o do desenho de manufaturas, da arquitetura e do urbanismo (vide o caso de Brasília), consistiu, malgrado as boas intenções, num programa de “nacional-ilusionismo”. Enquanto tal, era subordinado à mitologia do progresso e, no plano político, à ideologia da conciliação ou da mera negação dos conflitos de classes.
Cavalo de Troia
Isso posto, uma fissura delineou-se na cidadela da abstração geométrica; não obstante, fato pontual e por ocorrer ainda no momento de Vibração Ondular, vale assinalá-lo e discuti-lo, ainda mais por provir também do trabalho de Sacilotto. Foi, no fim das contas, o sintoma inicial do que mais tarde viria a se tornar uma longa cadeia de desdobramentos historicamente decisivos.
A fenda em questão surgiu sob os traços de uma intuição distinta, numa peça também de Sacilotto, Concretion 5629 (1956, esmalte sobre alumínio, 60 x 80 x 0,4 cm, São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo). Ainda em estado embrionário, ao aflorar, a alteração manifestou-se ao modo de uma vertigem. O trabalho envolvia em termos novos a ativação da espontaneidade do observador.
Mesmo com impacto limitado, no caso a fenômenos sensoriais, o trabalho envolvia em termos novos a ativação da espontaneidade do observador.[xxx] Mário Pedrosa notou prontamente a novidade e discutiu-a no artigo “Paulistas e Cariocas” (Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 19.02.1957). Nele, destacou, a propósito de Concretion 5629, o poder virtual da construção, à base de triângulos brancos e pretos, que provocava a “ambivalência perceptiva” e fazia com que “o jogo cativante da visualidade continue[asse] a alternar-se indefinidamente”.[xxxi]
A dinâmica nova que Mário Pedrosa ressaltou aí, em contraste com os trabalhos anteriores da arte concreta que mantinham a centralidade do ponto de fuga, envolvia precisamente a experiência viva, aberta e indefinida do ato de observação. Com efeito, a perspicácia crítica de Mário Pedrosa, ao detectar a novidade do fenômeno no seio da arte concreta, se mostrou – muito mais do que sensorialmente aguda – de grande senso histórico. Vista de hoje, avulta ainda mais como estrategicamente decisiva.
Pois será precisamente nessa brecha e a partir do seu ponto nevrálgico – o da vivificação da atividade de observação – que assentará uma parte substancial das razões que levarão à constituição da plataforma neoconcreta, dois anos depois de tal experiência inovadora de Sacilotto. Daí, também, a partir da atividade espontânea do observador, amadurecerá adiante o conceito de “participação”, central não apenas para a arte neoconcreta, mas também no processo que levará à sua superação crítica após o golpe de Estado em 1964.
De fato, a estratégia de participação, mediante importantes desenvolvimentos nos anos a seguir, fenderia os muros puros da abstração e adjudicaria, nos termos da arte neoconcreta, o foro da subjetividade do observador à abstração geométrica. Ainda que de início, posta principalmente nos termos da fenomenologia, tal incorporação viesse a se processar em termos abstratos e impessoais, a noção de participação (dotada de uma carga política latente, como adiante se verá) iria funcionar como um Cavalo de Troia, transportado para dentro das muralhas do construtivismo branco.
Do seu bojo, desenvolver-se-ia o processo crítico reflexivo que haveria de conferir formas objetivas à análise das classes e da segregação racial, do anti-imperialismo, da descolonização e do “des-condicionamento” psíquico. A abstração geométrica brasileira, como tendência até então hegemônica, não resistiria, como se sabe, a tais aportes, e, não obstante resistências formalistas, viria a ser superada e subsumida na apresentação, em 1967, de uma nova síntese do realismo: a Nova Objetividade Brasileira (Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 6 – 30.04.1967).[xxxii]
*Luiz Renato Martins é professor-orientador do PPG em Artes Visuais (ECA-USP); autor, entre outros livros, de The Long Roots of Formalism in Brazil (Haymarket/ HMBS).
Para ler o primeiro artigo dessa série clique em https://aterraeredonda.com.br/vibracao-ondular/
Notas
[i] Cf. T. VAN DOESBURG, “Arte Concreta”, apud A. AMARAL (org.), Projeto Construtivo…, op. cit., p. 42.
[ii] Ver A. AMARAL (org.), Projeto Construtivo…, op. cit.
[iii] Ver Ronaldo BRITO, Neoconcretismo: Vértice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro. O livro, redigido entre maio e novembro de 1975, foi publicado pela primeira vez apenas em 1985 (Rio de Janeiro, coleção Temas e Debates 4, Funarte/ Instituto Nacional de Artes Plásticas). Circulou, porém, por muitas mãos a partir de 1975 no meio das artes do eixo Rio-São Paulo e teve peso decisivo na concepção da retrospectiva de 1977, na Pinacoteca. Foi reeditado posteriormente: Ronaldo BRITO, Neoconcretismo: Vértice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro, São Paulo, Cosac & Naify, 1999.
[iv] Para as diferenças entre o construtivismo original e o “ocidental”, ver Benjamin BUCHLOH, “Cold War Constructivism”, in Serge GUILBAUT (org.), Reconstructing Modernism: Art in New York, Paris and Montreal 1945-1964, Cambridge, MIT Press, 1992, pp. 85-112.
[v] Cf. Vladimir Maiakovski, Lef, n. 1, 1923, apud François ALBERA, Eisenstein et le Construtivisme Russe/ Stuttgart, Dramaturgie de la Forme, Lausanne, collection Histoire et Théorie du Cinema/ ed. L’Age d’Homme, p. 118; Eisenstein e o Construtivismo Russo/ A Dramaturgia da Forma em “Stuttgart” (1929), prefácio L.R. Martins, trad. Eloísa A. Ribeiro, São Paulo, coleção Cinema, teatro e modernidade/ Cosac & Naify, p. 165.
[vi] Ver L.R. MARTINS, “O debate entre o construtivismo e o produtivismo, segundo Nikolay Tarabukin”, Ars, n. 2, S. Paulo, PPGAV-ECA-USP, 2003, pp. 57-71; reeditado em duas partes como “Nota sobre o construtivismo russo”, in A Terra É Redonda, 19/11/2022, disponível em < https://aterraeredonda.com.br/nota-sobre-o-construtivismo-russo/>, e “Nota sobre o construtivismo russo-II”, in A Terra É Redonda, 25.12.2022, disponível em https://aterraeredonda.com.br/nota-sobre-o-construtivismo-russo-ii/.
[vii] Sobre a noção de perestroika byta, ver Anatole KOPP, Quando o Moderno Não Era um Estilo e Sim uma Causa, trad. Edi G. de Oliveira, São Paulo, Nobel/ Edusp, 1990, pp. 76-86. Ver também F. ALBERA, Eisenstein et le…,op. cit., pp. 173-5; Eisenstein e…, op. cit., pp. 237-9.
[viii] Para a crítica do escritor construtivista/ produtivista vermelho Nikolay Tarabukin ao paradigma de artista-técnico da Bauhaus, indiferente à questão da divisão social do trabalho, ver nota 29.
[ix] Para a crítica da concepção weberiana, ver Cornelius Castoriadis, “Individu, société, rationalité, histoire”, in idem, Le Monde Morcelé/ Les Carrefous du Labyrinthe, vol. 3, Paris, Essais/ Seuil, 1990, pp. 47-86.
[x] Cf. Mário PEDROSA, “Paulistas e Cariocas” (Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 19.02.1957), in Acadêmicos e Modernos: Textos Escolhidos III, org. Otília Beatriz Fiori Arantes, São Paulo, Edusp, 1998, p. 256. Sacilotto ingressou no ofício de desenhista no decênio de 1940, após ter concluído o curso técnico de desenho de projetos no Instituto Profissional Masculino do Brás, onde se diplomou como desenhista de letras em 1943. Entre os decênios de 1940 e 1960, Sacilotto trabalhou como desenhista na Indústria de Máquinas Hollerith, nos escritórios de arquitetura de Jacob Ruchti e de Villanova Artigas, entre outros, e, ainda, na fábrica Fichet-Aumont, onde inclusive veio a desenhar esquadrias para prédios de Brasília (devo esta última informação a Aracy Amaral). Sobre Cordeiro, ver A. M. BELLUZZO, op. cit., pp. 15-35; A. M. BELLUZZO, “Ruptura e Arte Concreta”, in A. AMARAL (org.), Arte Construtiva…, op. cit., pp. 116-20; sobre Sacilotto, ver A. M. BELLUZZO, “Ruptura…”, op. cit., pp. 122-8; ver também Enock SACRAMENTO, Sacilotto, São Paulo, Orbitall, 2001.
[xi] Sobre a gestalt, ver, dentre materiais de época, F. GULLAR, “Arte neoconcreta uma contribuição brasileira”, in A. AMARAL (org.), Projeto Construtivo…, op. cit., p. 116; A. MAVIGNIER, “Depoimento” in A. AMARAL (org.), Projeto Construtivo…, op. cit., p. 177; M. PEDROSA, Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, in idem, Forma e Percepção Estética: Textos Escolhidos II, org. Otília B. F. Arantes, São Paulo, Edusp, 1996, pp.105-230. Dentre estudos históricos, ver A. AMARAL, “Surgimento da abstração geométrica no Brasil”, in idem, Arte Construtiva…, op. cit., p. 58; A. M. BELLUZZO, “Ruptura…”, op. cit., pp. 108, 114, 122; idem, Waldemar…, op. cit., p. 130; Otília Beatriz Fiori ARANTES, “Um capítulo brasileiro da teoria da abstração”, in idem, Mário Pedrosa: Itinerário Crítico, op. cit., pp. 51-106.
[xii] Um testemunho do poeta concreto Augusto de Campos (1931) confirma o livre trânsito da boa forma de um universo de linguagem para outro: “Eu fui muito influenciado pelos pintores […] uma vez que começamos a trabalhar com estruturas menos sintáticas ou até mesmo assintáticas, muitas vezes eu me deparava com o problema de arrumar essas palavras na página, de criar, digamos sendas de leitura […], a boa forma, a forma pregnante, muita coisa vinha através dos projetos dos pintores […]”. Cf. A. de CAMPOS, “Depoimento de Augusto de Campos ao autor e a Agda Carvalho”, 1992, in E. SACRAMENTO, op. cit., p. 67.
[xiii] Sobre a noção de “forma materialista”, ver Antonio CANDIDO, “Dialética da Malandragem”, inO Discurso e a Cidade, Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 2004, pp. 28 e 38; para os comentários de Schwarz a respeito, inseparáveis da noção de forma objetiva pelo último, ver Roberto Schwarz, “Pressupostos, salvo engano, da Dialética da Malandragem”, in Que Horas São?, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, pp. 129-55, especialmente p. 142; ver também, idem, “Adequação nacional e originalidade crítica”, in idem, Seqüências Brasileiras: Ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, pp. 24-45, especialmente pp. 28, 35-6 e 41.
[xiv] Cf. idem, “Adequação…”, op. cit., p. 35.
[xv] Celso Furtado, autor de Formação Econômica do Brasil (1958), após integrar a CEPAL, de 1949 a 1957, como diretor da divisão de pesquisas sobre o desenvolvimento, exerceu vários cargos públicos no Brasil na área de planejamento, nos governos de Juscelino Kubitschek (1955-60) – para o qual concebeu e dirigiu a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – e João Goulart (1961-64), no qual exerceu a função de ministro do Planejamento. Sobre sua interpretação abrangente da história econômica brasileira, ver C. FURTADO, Formação Econômica do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2007. Furtado produziu ainda, nos anos de 1950, outros estudos sobre o Brasil: Economia Brasileira (1954); Uma Economia Dependente (1956); Perspectivas da Economia Brasileira (1958); Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste (1959). Para o relato de Furtado acerca das suas pesquisas na CEPAL, ver idem, “A Fantasia Organizada”, in idem, Obra Autobiográfica de Celso Furtado, edição Rosa Freire d’Aguiar, tomo I, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997, pp. 87-359; para suas experiências à frente da Sudene e em outros cargos de Estado, nos governos Kubitschek e Goulart, ver idem, “A Fantasia Desfeita”, in idem, Obra Autobiográfica…, op. cit., tomo II, pp. 27-306.
[xvi] Francisco de OLIVEIRA, A Navegação Venturosa: Ensaios sobre Celso Furtado, São Paulo, Boitempo, 2003.
[xvii] Cf. idem, pp. 12-3.
[xviii] Para o otimismo intelectual do Furtado da década de 1950, ver abaixo. O golpe militar e o exílio o levarão a uma revisão importante do seu pensamento. Ver Francisco de OLIVEIRA, A Navegação Venturosa, op. cit., pp. 11-38.
[xix] O ensaio “A economia brasileira: crítica à razão dualista” foi publicado pela primeira vez em Estudos Cebrap, n. 2, São Paulo, Centro Brasileiro de Análise de Planejamento, 1972, reeditado como F. de OLIVEIRA e Francisco SÁ Jr., Seleções Cebrap 1/ Questionando a Economia Brasileira, São Paulo, Cebrab/ Brasiliense, 1975-6, e transformado em livro: F. de OLIVEIRA, A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista, São Paulo, Cebrab/ Vozes, 1981. Para reedição recente, ver idem, Crítica à…, op. cit.
[xx] Grifos de Oliveira. Cf. F. de OLIVEIRA, A Navegação…, op. cit., p. 13.
[xxi] Grifos de Oliveira. Ver idem, p. 13.
[xxii] Para Furtado, a partir da industrialização se solucionaria o problema posto no front externo pelo nó górdio do comércio exterior – exclusivamente de bens primários cujos preços deterioram continuamente e configuram trocas desiguais ou em desequilíbrio. Paralelamente, no front interno, se promoveriam mudanças econômico-sociais importantes: a implementação de um programa urgente de reforma agrária e, consequentemente, a criação de um mercado interno, o aumento da oferta de alimentos etc. A soma desses fatores reforçaria o desenvolvimento da industrialização como processo sustentado. Ver idem, pp. 14-5.
[xxiii] Ver idem, pp. 109-10.
[xxiv] Grifos de Oliveira. Cf. idem, p. 15.
[xxv] Ao discutir as ideias de Furtado em A Pré-Revolução Brasileira (1962), Oliveira afirma: “Furtado trata de demonstrar que, em relação ao nível alcançado pelo processo econômico, social e político brasileiro, qualquer revolução significará um retrocesso”. Cf. idem, p. 24; ver também pp. 25-7.
[xxvi] “[…] A rigor, a política na teoria do subdesenvolvimento é um epifenômeno.” Cf. idem, p. 18.
[xxvii] “[…] por não ter incorporado a teorização de Marx sobre a internacionalização do capital [Furtado] só vai perceber algum tempo depois que a industrialização preconizada foi realizada na maioria dos países latino-americanos por meio de associações com o capital estrangeiro […]”, o que decerto não leva a “nenhuma ‘contradição antagônica’ entre países produtores de matérias-primas e países produtores de manufaturas. No capitalismo moderno, a divisão internacional do trabalho está estruturada muito menos por uma ‘divisão entre as nações’ do que por uma ‘divisão interna do trabalho’”. O dual-estruturalismo falhará, pois, ao cabo de seus desenvolvimentos, no objetivo de “entender as articulações reais entre os dois setores (o ‘atrasado’ e o ‘moderno’) e a forma dialética dessa coexistência.” Cf. idem, p. 17.
[xxviii] Grifos de Oliveira. Cf. idem, p. 18.
[xxix] Ver L. CHARROUX et alii, “Manifesto… “, op. cit., p. 69.
[xxx] O achado de Sacilotto também pode ser entendido como uma demonstração do vigor e da consistência obtidos no Brasil pelo sistema visual moderno, àquela altura já em processo acelerado de aglutinação. Assim, o artifício de provocação perceptiva de Sacilotto, se não antecedeu, correu, no mínimo, em pista independente ante as operações características da tendência da “optical art”, como ela viria a ser internacionalmente conhecida. De fato, um ano antes, em 1955, Victor Vasarely (1906-1997) publicara um manifesto (Manifeste Jaune, Paris, Galerie Denise René, 1955) levantando questões que futuramente haveriam de suscitar tal denominação – mas apenas a partir da exposição que ocorreria dez anos depois, noMuseu de Arte Moderna de Nova York: The Responsive Eye (Nova York, The Museum of Modern Art, 23.02 – 25.04.1965), cf. Foundation Vasarely: http://www.fondationvasarely.fr/. Acessado em 06.03.2009.
[xxxi] Cf. M. PEDROSA, “Paulistas e Cariocas”, in idem, Acadêmicos e Modernos: Textos Escolhidos III/ Mário Pedrosa, Otília Arantes (org.), São Paulo, Edusp, 1998, p. 254.
[xxxii] Agradeço a revisão de Regina Araki.
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