Para que servem os economistas?

Foto: Pavel Danilyuk
image_pdf

Por MANFRED BACK & LUIZ GONZAGA BELLUZZO*

Ao longo do século XIX a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII

1.

Começamos com uma afirmação que, certamente, vai desfiar desagrados aos cultores da ciência sombria. A história pensamento econômico nos oferece o espetáculo da naturalização da economia. A economia tem que se apresentar como uma esfera autônoma da vida humana e social em que prevalecem leis naturais, às quais os indivíduos deveriam se submeter.

Da infância smithiana à maturidade caquética das expectativas racionais, os conflitos de concepção e de método assolaram a trajetória intelectual da ciência sombria. Nos momentos de controvérsia aguçada, os príncipes e sacerdotes da ciência econômica convocam os quatro cavaleiros da ortodoxia – naturalismo, individualismo, racionalismo e equilíbrio – para espaldeirar a turba dissidente

Leis naturais, as que possuem a mesma forma das leis da física. De Adam Smith para frente, este movimento de aproximação do paradigma da física se torna crescente. Havia, não só um ambiente intelectual que favorecia essa aproximação, como a dimensão econômica, ao mesmo tempo, vai se tornando cada vez mais importante, e cada vez mais separada das demais.

Ao longo do século XIX, a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII. O homo economicus, dotado de conhecimento perfeito, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica.

Essa metafísica da corrente dominante supõe uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade. Para esse paradigma, a sociedade, onde se desenvolve a ação econômica, é constituída mediante a agregação dos indivíduos racionais.

Tais premissas da economia repetidas todo o santo dia, não passam de retórica travestida de ciência. A tal racionalidade é fabricada através de crenças e dogmas, maquiados por números, equações e funções algébricas. Bufando modelos econométricos aos quatro ventos do planeta, como se fossem a pedra fundamental de um conhecimento único, incontestável como a santíssima Trindade. Um estilo rococó de se expressar, que se reproduz na eternidade dos cursos de economia! Nivelando a estatística a matemática! Um dialeto algébrico que poucos entendem! É feito para não entender!

O importante para esses sofistas alfanuméricos não é entender e estudar as relações econômicas, mas transformar uma suposta realidade estática em um jogo de causa-efeito, e pronto! Um dos dez mandamentos recebidos por Lucas, não o apóstolo, mas o ícone das expectativas racionais, a moeda é neutra.

2.

No modelo “equilibrista” que organiza a sociedade habitada por indivíduos racionais, utilitaristas, proprietários de mercadorias e dos fatores de produção, a moeda só é necessária formalmente como moeda de conta e meio de troca. A moeda é neutra e determina o nível geral de preços sem qualquer efeito de longo prazo sobre a economia de intercâmbio de mercadorias, cujos valores relativos são mensurados pela utilidade marginal dos agentes. Também é nesse espaço de mensuração que são tomadas as “decisões de produção” dos indivíduos proprietários do capital e do trabalho

Essa forma tem seu código próprio, misture algumas equações e dados, e algumas previsões, e para dar credibilidade, imponha força divina nas palavras.

Aí, pela graça divina, os argumentos não podem ser contestados, ao contrário, são paparicados e mimados. E reverenciados como deuses, “Deus” não se dúvida, nem se contesta, é questão de fé e crença! Assim como a Cúria Romana, o que falam é lei! Um dos dez mandamentos entregue a Moisés no monte Sinai, dizia: Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.

Nos mandamentos dos economistas: Não tomarás em vão o nome do equilíbrio, o teu “Deus”, pois o senhor academia quem tomar posse da realidade em vão seja na utilidade marginal, na produtividade dos fatores. Não darás falso testemunho econométrico. Honra a forma, o método, a burocracia, como se fossem, teu pai e mãe.

Se você perguntar, perante uma plateia, aos sábios da crematística como produzo um pão e vendo no mercado? Espere, meu caro, preciso construir um modelo econométrico do mercado de pães! Segundo nossas expectativas análises quantitativas, ceteris paribus, o mercado crescerá 20% até 2035, estimamos um mercado mundial desse produto na ordem de 7 bilhões de dólares, se prepare, para exportar! O Brasil será um dos maiores exportadores de pães em 2035, se resolver o problema fiscal, acabar com os aposentados, e congelar o salário-mínimo.

Eu perguntaria: como é viver com um salário-mínimo mensalmente, para pagar aluguel, vestir e comer? Não faça pergunta difícil e pertinente com a vida diária das pessoas. Você não entende nada!

Afinal, para que serve os economistas?

Robert Skidelsky, biográfo de John Maynard Keynes, nos ofereceu a leitura do livro O que há de errado com a economia?: “A economia não é progressiva, no sentido de, digamos, da física. O progresso na economia consiste principalmente em maior formalização, em vez da descoberta de novas verdades. Nenhuma verdade na economia, uma vez proclamada, foi refutada. Isso argumenta muito fortemente para não consignar alternativas ao mainstream atual para a lata de lixo de falácias explodidas”.

Em terceiro lugar, a economia não é uma ciência natural, mas uma ciência social (Keynes a chamou de ciência moral). Na física, a interação dos corpos é fixada por leis físicas, mas na economia é fixada pelo contexto, valores e normas sociais, que são parâmetros variáveis. Como a economia não tem verdades universais, ela não tem mais direito do que a sociologia ou a história de reivindicar uma super teoria ou metametodologia, com ensino catequético.

“Porque o objetivo de uma economia não é apenas gerar empregos para que as pessoas possam sobreviver. É elevar o padrão de vida de todos e garantir que a prosperidade seja compartilhada”. (William Lazonick, especialista em corporações empresariais americanas).

*Manfred Back é graduado em economia pela PUC –SP e mestre em administração pública pela FGV-SP.

*Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, é Professor Emérito da Unicamp. Autor entre outros livros, de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo (Contracorrente). [https://amzn.to/45ZBh4D]

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES