Por CARLA TEIXEIRA*
Não venceremos o vírus sem vencer o verme
“É preciso que haja algum respeito, / ao menos um esboço / Ou a dignidade humana se afirmará / a machadadas” (Torquato Neto em “Poema do Aviso Final”).
Estão previstas para hoje, 29 de maio, manifestações populares em todo o país para conter a sanha daqueles que querem ganhar dinheiro enquanto o povo morre da peste e de fome. Depois dos fascistas sentirem-se à vontade para irem às ruas reivindicando pautas autoritárias – como o fechamento do STF e do Congresso Nacional, e mais poderes ao capitão presidente –, as esquerdas, partidos, sindicatos e movimentos sociais decidiram sair do zoom e do streamyard para fazer coro aos indignados e vilipendiados pela política de morte do atual governo militar.
Historicamente, foram as inúmeras manifestações populares que garantiram os serviços públicos que o povo brasileiro hoje dispõe e também as conquistas alcançadas pelos trabalhadores. Imaginem: o que seria do nosso país, nesta pandemia, sem o SUS, as universidades e instituições públicas de pesquisa? Certamente teríamos uma pilha ainda maior de cadáveres e mesmo a vacina, a conta-gotas, não estaria pingando no braço dos brasileiros. Se a coisa parece ruim, a história mostra que só não esteve pior porque a organização popular, nas ruas, garantiu saída para as inúmeras tragédias pelas quais passamos.
O golpe militar de 1964 se deu num contexto de amplas manifestações populares que pediam a urgente democratização da sociedade com a ampliação de direitos e cidadania. Mais uma vez, as forças armadas, a mídia elitista, as igrejas conservadoras, a classe média excludente e os oligarcas escravocratas se juntaram para jogar o país no caos de 21 anos de ditadura militar que sequestrou, torturou, matou e fez desaparecer os seus opositores.
Nos anos 1970 e 1980, foram as gigantescas greves dos trabalhadores do ABC paulista e a massiva campanha pelas “Diretas já!” que botaram os milicos pra correr do governo e permitiram o retorno dos civis, referendado pela Constituição Cidadã de 1988. A Nova República trouxe a ampliação da cidadania e a esperança de um aprofundamento democrático que se fez crer durante o ciclo dos governos petistas, mas logo foi interrompido pelo golpe de 2016, protagonizado por personagens que ecoavam a violência institucional de 1964, nos fazendo viver a recidiva de um passado que não passa.
A ascensão de Bolsonaro ao poder, em 2018, se deu num contexto de comprovada fraude eleitoral que hoje nos custa o pior governo que a República já teve. A pandemia do novo coronavírus fez explodir na cara da sociedade brasileira todas as chagas que insistia em ignorar: desigualdade social, racismo, patrimonialismo, corrupção, patriarcalismo, machismo, intolerância e um chocante desprezo pela vida humana.
A situação atual pode ser resumida na frase que chama as manifestações de sábado: “o governo é mais perigoso que o vírus”. Isso conclui que não haverá saída para esta pandemia sob o governo Bolsonaro pelo simples fato de que o presidente da República é o principal ponto de desagregação em qualquer tentativa das forças e instituições políticas para conter a disseminação do vírus e o agravamento da pandemia. Bolsonaro e a sua corja de fanáticos apoiam-se na teoria da “imunidade de rebanho”, boicotam as vacinas e qualquer medida de proteção individual e coletiva.
Não venceremos o vírus sem vencer o verme.
Dia 29 de maio será apenas a primeira de muitas manifestações. O caminho será árduo, mas a história nos mostra que a vitória é certa. Todas as chamadas insistem que os presentes utilizem máscara do tipo PFF2 (N95), levem álcool em gel e procurem manter distância física de outras pessoas: cuidando de si e de todos. Muitas cidades planejam formar “comissões de segurança” para contribuir com a organização sanitária da manifestação, inclusive com a distribuição de máscaras. A mobilização popular é o primeiro passo de um largo caminho até que a justiça social e a dignidade, para todos, sejam reestabelecidas neste país.
29M: Fora Bolsonaro! Por um auxílio emergencial digno e vacina para todos já!
*Carla Teixeira é doutoranda em história na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).