A economia do projetamento

Imagem: Elyeser Szturm
image_pdf

Por Elias Jabbour*

A grande indagação é se a financeirização vai continuar rolando frouxa ou não. Eis o “x” da questão.

A onda agora é falar em “apagar de luzes do neoliberalismo”. Só para lembrar que essa vulgata de tipo Paulo Guedes, Mansueto de Almeida , Marcos Lisboa, Samuel Pessoa e outros trastes nunca foi aplicado por nenhuma economia que tinha diante de si um país como os Estados Unidos, Alemanha, Japão, enfim G-7. O Vale do Silício está mais próximo de Rudolf Hilferding do que de Milton Friedman ou Friedrich Hayek. Compras governamentais turbinam bilionárias pesquisas científicas de ponta em muitos destes países. Bancos de desenvolvimento existem na Alemanha antes do nascimento do pai de Ludwig von Mises.

Nenhum tecnocrata nos países acima citados acredita em “livre mercado”, “ambiente de negócios”. Suspeito nem que acreditem muito em microeconomia. Não passam de bobagens que se ensinam aos jovens em processo de desumanização em cursos de Economia da periferia do sistema. A grande questão é se a financeirização vai continuar rolando frouxa ou não. Eis o “x” da questão.

Para ela refluir, novos pactos sociais deverão ser construídos. Wall Street precisa rever seus assentos conquistados “democraticamente” à Câmara de Representantes dos EUA e a União Europeia flexibilizar completamente suas regras fiscais. Os bancos alemães “promotores da democracia e da liberdade de expressão” em países como a Grécia estarão dispostos a perder?

Editorial recente do Financial Times admite que o Estado deverá retomar (vejam inocentes alunos de economia: retomar) seu lugar ao leme da economia. Dá para acreditar? Ou seja, a financeirização andará para trás, os bancos colocarão suas mãos para serem algemadas e uma paz perpétua surgirá após a pandemia. Pessoalmente não acredito nisso.

Mesmo o peso do que chamo de reconstrução, no mundo capitalista, das antigas Economias do Projetamento demandará muita luta, elevação da consciência social por parte de milhões de trabalhadores e do chamado “precariado”. Economia do projetamento é sinônimo de uma economia voltada à consecução de grandes projetos e que tem na demanda seu elemento propulsor. Para isso acontecer no capitalismo (já ocorre na China, sob as hostes de uma “Nova Economia do Projetamento”), os “caras” terão de entregar os anéis e os dedos.

Enquanto isso, intelectuais de esquerda (não citarei nomes para não tocar em susceptibilidades. Adianto que são estrangeiros e que circulam artigos sobre a tal “sopa de Wuhan”. No Brasil tem um filósofo que é pródigo) alimentam suas redes de fãs com suas “macumbarias” levando plateias ao choro. São odes contra a sociedade do consumo e a possibilidade de reinvenção de um comunismo a la comunidades agrárias igualitaristas. Continuam presos a noções eurocêntricas e pobres sobre a China, a começar pelo falso cognato (o “eufemismo dos eufemismos”) do “capitalismo de Estado”.

Nenhum deles consegue enxergar virtudes naquela experiência. Vira e mexe vem um reconhecimento. Todos carimbam aquela experiência de Estado nacional de 2200 anos como uma “ditadura”, ou mesmo o próximo imperialismo. Nenhum deles trata a questão com a rigidez do historicismo germânico ou o humanismo precoce das filosofias que nasceram no vale dos rios Yangtsé e Amarelo. No fundo não passam de intelectuais do campo colonial, tão cruel quanto os japoneses o foram um dia em Nanjing.

Pela direita (financeirização) um grande impasse a alimentar o caos sistêmico de Barack Obama a Donald Trump. Pela esquerda, o bloqueio mental sobre o que pode ensinar ao mundo a nova economia do projetamento (variação de nível superior do socialismo) que provou sua superioridade ao encerrar uma quarentena em 72 dias impedirá à esquerda a vislumbrar uma alternativa ao impasse que virá após a pandemia. Continuará refém de utopias e de charlatões intelectuais como esses que fazem a cabeça de nossa juventude.

A verdade que vem da China demandará muito tempo para se impor diante do velho. Retirar 840 milhões de pessoas da linha da pobreza em quatro décadas não é nada.

Viveremos mais uma etapa do caos sistêmico.

*Elias Jabbour é doutor em Geografia pela USP e professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da FCE-UERJ.

Artigo publicado originalmente no portal Disparada

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES