Vozes contra o genocídio

Imagem: Leon Ferrari
image_pdf

Por MUNIR NASER e MARKUS SOKOL*

Do rio Jordão ao mar Mediterrâneo – um único Estado democrático

Há dois meses é o horror em Gaza. Israel rompeu a “pausa” de sete dias, mas com honrosas exceções, a maioria dos editorialistas repete a narrativa sionista que justifica o bombardeio de civis. Há mais de 15 mil mortos, 6 mil crianças. Para nós, que aqui assinamos, de origem palestina, um, e de origem judaica, o outro, as crianças estraçalhadas na Faixa de Gaza são iguais às crianças estraçalhadas no gueto de Varsóvia.

A resistência palestina está de pé. Sucedem-se atos pelo cessar-fogo, dos judeus de Nova York aos muçulmanos de Kerala (Índia), com várias crenças e sem crença. Milhões nas capitais do mundo.

Há manifestos de intelectuais e artistas, entidades médicas e de direitos humanos. No último dia 29, 50 atos expressaram a solidariedade ao povo palestino no Brasil. No dia 30, os sindicatos de portuários europeus fizeram ações de protesto, o porto de Marselha parou por uma hora. E dia 1º de dezembro nos EUA, o poderoso sindicato UAW pediu o cessar-fogo.

Agencias da ONU já se posicionaram, mas como instituição a ONU nada fez de prático. Não obstante, ela define o genocídio como “a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso enquanto tal”. É o que repete Benjamin Netanyahu, armado por Joe Biden, inclusive na limpeza étnica na Cisjordânia.

Nós, que assinamos, perguntamos: como é possível o bombardeio de civis por dois meses? Para nós, isso é uma expressão, há outras – fome e miséria, desemprego, meio ambiente – de uma ordem internacional esgotada, que ameaça arrastar a humanidade para o caos das guerras, o abismo.

Rosa Luxemburgo, revolucionária de ascendência judaica assassinada na Alemanha em 1919, formulou o agudo dilema “socialismo ou barbárie”. Nada mais atual. Se a revolução está atrasada, traços da barbárie protuberam.

É um extermínio bárbaro, o que estamos vendo em Gaza. Ele vem de longe. A partilha da Palestina histórica começou em 1917. Lorde Balfour, ministro de Sua Majestade britânica, o ocupante militar, enviou uma carta ao banqueiro Rothschild prometendo-lhe um “lar nacional judaico”, bandeira do então minoritário sionismo.

A partilha final, na ONU em 1947, foi bancada por Harry Truman, dos EUA, e Joseph Stalin, da antiga URSS, interessados no enclave sionista para manipular os árabes e suas riquezas petrolíferas. Mas a maioria dos milhões de judeus traumatizados que saíram do leste da Europa no pós-guerra, não foram para Israel, foram para EUA, Canadá, Austrália, Europa Ocidental e América Latina.

Israel não respeitou as fronteiras da fundação, nem os “acordos de paz”. É um Estado em guerra permanente – com as detestáveis mortes de civis em todos os lados – para ampliar fronteiras “seguras”, frente à inaceitável expropriação e expulsão de 750 mil palestinos na Nakba. O Estado-apartheid de Israel nega aos palestinos o direito ao retorno, e aos do interior, os direitos civis.

Hoje, está claro que faliu a solução dos “dois Estados” – Israel e a chamada Autoridade Nacional Palestina.

Não é razoável que o governo do presidente Lula mantenha relações “normais” com um Estado-apartheid genocida. É hora de escalar o bloqueio dos contratos militares, de convênios culturais e de relações comerciais, até a ruptura das relações diplomáticas.

Nós, que aqui assinamos, começamos jovens a combater o sionismo em diferentes situações, todavia, juntos propomos esta reflexão à opinião pública. É preciso garantir direitos iguais aos dois povos que conviveram e, por trabalhoso que seja, podem voltar a conviver fraternalmente, sem racismo nem opressão, na forma soberana que decidam.

Nós nos associamos às todas as vozes contra o genocídio, em particular, ao One Democratic State Campaing, de palestinos e judeus como Haidar Eid, professor de literatura em Gaza, e Ilan Pappé, historiador israelense. Estamos juntos por ajuda humanitária, fim da colonização, liberdade para os palestinos, por um único estado democrático.

*Munir Naser é membro da Juventude Sanaúd.

*Markus Sokol é membro do Diretório Nacional do PT.

Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
7
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
8
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
11
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
12
A esquerda radical deveria apoiar Lula desde o primeiro turno. Por quê?
04 Dec 2025 Por VALEIRO ARCARY: O voluntarismo não é bom conselheiro. Ideias revolucionárias são poderosas e podem colocar em movimento milhões de pessoas até então desesperançadas. Mas é imprudente desconhecer a impiedosa força da realidade objetiva.
13
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
14
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
15
A voz da saga
30 Nov 2025 Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO: Prefácio do livro “Melhores contos”, de João Guimarães Rosa
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES