Por BRUNO MACHADO*
É de interesse da classe proprietária que a classe trabalhadora se enxergue como dividida entre trabalhadores físicos e intelectuais
É comum entre jovens de classe média, indo da classe média baixa à classe média alta, a entrada no mercado de trabalho diretamente em funções de trabalho intelectual, com pouca ou nenhuma presença de trabalho físico. A entrada na Universidade e o primeiro emprego após a graduação, ou mesmo a atuação profissional dentro de empresas familiares, faz com que boa parte dos jovens de classe média nunca tenham contato com qualquer tipo de trabalho que não seja intelectual como o trabalho físico, ainda que de leve intensidade.
Esse fenômeno favorece a divisão entre o trabalho físico e o trabalho intelectual na sociedade. O que faz com que esses jovens de classe média que entram no mercado diretamente em funções intelectuais se sintam melhores do que os jovens que atuam no mercado de trabalho em funções de menor posição hierárquica e em trabalhos não voltados a intelectualidade.
Essa enganosa sensação de superioridade, que muitas vezes sequer acompanha um salário mais alto, cria uma falsa divisão de classes no mercado de trabalho. Em vez de enxergar a divisão social entre trabalhador e proprietário, por ter mais contato com o “peão” do que com o “patrão” essa classe média se vê no topo de pirâmide social, acima dos trabalhadores braçais.
Isso ocorre tanto nas classes médias de visão de mundo liberal quanto nas de visão de mundo socialista. A classe média liberal enxerga a classe trabalhadora apenas como a parte que exerce o trabalho físico, se excluindo dessa classe social, apesar de pertencer a mesma. Dessa forma, veem as massas como gente a ser explorada, por crer que esses não têm condições de exercerem outro papel social.
Por outro lado, a classe média socialista, principalmente a que compõe uma esquerda universitária, vê as massas como gente a ser educada, esclarecida e ajudada, pois não vê nessa parcela da sociedade uma capacidade de autonomia política. Ambas as visões de mundo, fundadas no privilégio do trabalho intelectual, alienam essa classe média, que passa a se identificar como uma classe diferente das massas. Porém, do ponto de vista do sistema como um todo são massa junto com aqueles que eles veem como a massa.
Por isso, o trabalho físico, que é fundamental para o funcionamento da sociedade e necessita ser realizado, não precisa ser exclusivo de uma parcela da sociedade enquanto outra se vê distante dele. Da mesma maneira que o acesso a capacitação para o exercício do trabalho intelectual deve ser universal, deve haver uma equânime divisão social do trabalho físico na sociedade. Tal ideia sequer é nova, na União Soviética muitos estudantes universitários que tinham acesso gratuito a graduação também tinham que trabalhar em carga horária reduzida em fábricas ou plantações. Tal política tinha como objetivo valorizar o trabalho e demonstrar a igualdade da importância do trabalho físico com o intelectual.
Se a classe média que vive desde a entrada no mercado de trabalho o privilégio do trabalho intelectual tivesse contato com o trabalho físico, ainda que de forma reduzida, teria menos preconceito com os trabalhadores ditos “peões” e desenvolveriam maior consciência de classe, se identificando como classe trabalhadora. É de interesse da classe proprietária que a classe trabalhadora se enxergue como dividida entre trabalhadores físicos e intelectuais e não se voltem contra a verdadeira classe dominante na sociedade capitalista.
É evidente que políticas públicas voltadas a inserção de jovens universitários no mercado de trabalho em trabalhos não intelectuais que levem a valorização do trabalho como um todo e, por consequência, também eleve a conscientização de classe desses jovens, seria duramente rejeitado pela classe média brasileira. Isso ocorreria pois o trabalho não intelectual, que inclui o trabalho meramente físico, é visto como castigo para essa parcela da sociedade privilegiada.
*Bruno Machado é engenheiro.
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