A força das regras

Imagem: Hamilton Grimaldi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por OTÁVIO Z. CATELANO*

O fim das coligações proporcionais vai alterar a configuração dos partidos políticos no Brasil

O alto número de partidos no Brasil é um assunto que faz parte das conversas cotidianas sobre política. Recentemente, o Congresso aprovou o fim das coligações para eleições proporcionais (Emenda Constitucional 97/2017), uma medida que tem potencial para reduzir o número de partidos ao longo dos anos, como expôs Jairo Nicolau em texto publicado no Observatório das Eleições/UOL.

As coligações para eleições proporcionais funcionavam de maneira que os votos de partidos coligados fossem somados. Assim, partidos pequenos podiam fazer alianças para sobreviverem na política. Com o fim dessa possibilidade, candidatas (os) a cargos proporcionais – vereadoras (es), por exemplo – tendem a concentrar suas forças em poucos partidos.

Gráfico 1. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

O Gráfico 1 mostra a média do número de partidos disputando cargos de vereadoras (es) nos municípios brasileiros nos anos de 2012, 2016 e 2020. Neste ano, observa-se uma redução drástica dessa média, o que mostra a força da nova regra. No entanto, há diferenças entre municípios grandes e pequenos. Aplicando o corte de 200 mil eleitoras (es) – número utilizado pelo TSE para definir quais municípios terão segundo turno na disputa para prefeita (o) –, é possível observar que as cidades que ultrapassam esta marca têm uma média mais alta de partidos na disputa.

Gráfico 2. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município – Recorte: 200 mil eleitoras (es)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No Gráfico 2, nota-se que nos municípios maiores o número médio de partidos disputando cargos das Câmaras Municipais também passou por redução em 2020, mas ainda assim é mais alto que o observado em municípios menores. Uma das explicações para este fenômeno está no limite de candidaturas por chapa: para o cargo de vereador (a), cada partido só pode lançar um número de candidaturas que corresponda a 150% do número de vagas disponíveis (segundo a Lei nº 9.504/1997). Ou seja, em uma cidade com dez vagas na Câmara, um partido só pode lançar 15 candidaturas. Em municípios maiores, os partidos tendem a não preencher completamente suas chapas. Logo, há um “mercado” de votos maior, abrindo-se espaço para que mais legendas entrem na disputa.

Nos municípios maiores, a média de cadeiras disponíveis nas Câmaras Municipais é de 23,8, podendo variar entre 15,9 e 31,7. Se separarmos os municípios que possuem 15 vagas ou menos, como foi feito no Gráfico 3, o número médio de partidos disputando vagas nos Legislativos municipais é ainda menor, atingindo 6,7 partidos em 2020. Em contrapartida, neste ano os municípios com 16 cadeiras ou mais possuem uma marca média de 20,2 legendas em disputa.

Gráfico 3. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município – Recorte: 15 vagas na Câmara

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número de vagas utilizado é referente ao ano de 2016, por não ser possível captar as variações que ocorreram nos municípios ao longo da última legislatura.

 

Em termos de estratégia, os partidos estão se adaptando à nova regra. As tendências são duas. Primeira, que o número de legendas nas competições reduza ao longo do tempo. Segunda, que essas legendas lancem o maior número possível de candidaturas, para reduzir os efeitos do fim das coligações.

Por fim, não se pode ignorar o fato de que o Brasil apresenta o sistema partidário mais fragmentado do mundo. Desta maneira, o fim das coligações proporcionais pode minar a força de um partido apenas em determinadas regiões, e ele pode sobreviver se tiver força em outras. Assim, um outro desdobramento possível para os próximos anos é um processo de regionalização dos partidos políticos brasileiros.

*Otávio Z. Catelano é mestrando em ciência política na Unicamp.

Publicado originalmente no Observatório das Eleições 2020 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).

 

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • O triste fim de Silvio Almeidasilvio almeida 08/09/2024 Por DANIEL AFONSO DA SILVA: O ocaso de Silvio Almeida é muito mais grave que parece. Ele ultrapassa em muito os eventuais deslizes deontológicos e morais de Silvio Almeida e se espraia por parcelas inteiras da sociedade brasileira
  • A condenação perpétua de Silvio AlmeidaLUIZ EDUARDO SOARES II 08/09/2024 Por LUIZ EDUARDO SOARES: Em nome do respeito que o ex-ministro merece, em nome do respeito que merecem mulheres vítimas, eu me pergunto se não está na hora de virar a chave da judicialização, da policialização e da penalização
  • As joias da arquitetura brasileirarecaman 07/09/2024 Por LUIZ RECAMÁN: Artigo postado em homenagem ao arquiteto e professor da USP, recém-falecido
  • O caso Silvio Almeida — mais perguntas que respostasme too 10/09/2024 Por LEONARDO SACRAMENTO: Retirar o ministro a menos de 24 horas das denúncias anônimas da Ong Me Too, da forma como foi envolvida em licitação barrada pelo próprio ministro, é o puro suco do racismo
  • A bofetada do Banco CentralBanco Central prédio sede 10/09/2024 Por JOSÉ RICARDO FIGUEIREDO: O Banco Central pretende aumentar a taxa Selic, alegando expectativas de inflação futura
  • O avesso de Marxcultura los soles 14/09/2024 Por TIAGO MEDEIROS ARAÚJO: Comentário sobre o livro recém-lançado de José Crisóstomo de Souza
  • Silvio Almeida — entre o espetáculo e o vividoSilvio Almeida 5 09/09/2024 Por ANTÔNIO DAVID: Elementos para um diagnóstico de época a partir da acusação de assédio sexual contra Silvio Almeida
  • Ken Loach – a trilogia do desamparocultura útero magnético 09/09/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: O cineasta que conseguiu capturar a essência da classe trabalhadora com autenticidade e compaixão
  • Silvio Almeida: falta explicarproibido estacionar 10/09/2024 Por CARLOS TAUTZ: Silvio Almeida acusou a Mee Too de ter agido para influenciar uma licitação do MDH por ter interesse no resultado do certame
  • O caso Sílvio Almeidasilvio almeida 4 11/09/2024 Por ANDRÉ RICARDO DIAS: Considerações sobre a idealização reificada do negro pelo discurso identitário

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES