Por RUBENS RUSSOMANNO RICCIARDI*
Não podemos desprezar a força de grupos que pretendem a privatização da USP, bem como a ação clandestina dos seus representantes
Sabemos, pela leitura dos clássicos, que as intenções dos poderosos, em cada época, são também os pensamentos dominantes de toda a sociedade: a classe, a qual detém o poder material dos meios de produção – ou hoje se encontra no topo da pirâmide da financeirização rentista (e improdutiva) – domina também o âmbito intelectual, determinando a consciência das pessoas.
Desde o último quartel do século XX, com a tríade Augusto Pinochet, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, o privatismo neoliberal é o pensamento dominante. Não se pensa mais na luta de classes, na igualdade ou no bem comum, mas sim na diversidade do empreendedorismo individual – resultando numa pseudocidadania redutiva ao trabalho precarizado. Assim, devemos lembrar que um conceito imprescindível enquanto problema na luta política das décadas anteriores ao neoliberalismo, como é o caso do pelego, também anda solenemente esquecido. Será que não há mais pelegos em nossos tempos? Ou a compreensão do seu significado não interessa à doutrina neoliberal?
Pelego, originalmente, era uma peça de lã colocada sobre a sela entre o cavaleiro e o cavalo, a qual garantia uma cavalgada mais confortável. Em meados do século XX, surgiu a metáfora: o termo pelego passou a designar um líder sindical a serviço dos poderosos ou mesmo considerado traidor dos trabalhadores. Vários colegas da USP já demonstraram, com os seus artigos recentes, que essa greve é um tiro no pé.
Eu me permito um passo além: temos que inserir no episódio a condição do pelego – trata-se, aliás, de uma nova aparição: a do pelego neoliberal. Sabemos que há partidos clandestinos no Congresso e no Senado, os quais agregam deputados e senadores das mais diversas siglas partidárias, mas que atendem a interesses de grupos específicos no contexto neoliberal. Não podemos, assim, desprezar a força de grupos que pretendem a privatização da USP, bem como a ação clandestina dos seus representantes – já não estariam também infiltrados nos quadros da USP?
Está claro que a USP precisa resolver a falta de docentes em cursos antigos, bem como rever o processo interrompido de instalação em alguns cursos novos. Ainda assim, na USP, há mecanismos de representação e de participação ampla, os quais podem e devem ser acionados para reivindicações. Verdade seja dita, o diálogo jamais foi impedido pela atual Reitoria. A atitude sectária da paralisação – que deveria ser tomada só no caso extremo, por exemplo, se o diálogo houvesse cessado – de modo algum se justifica: ocorre antes uma reação desproporcional e violenta.
Não é por menos, pertence à postura do pelego essa abstração enganosa da história: faz de conta que é de esquerda, mas de fato é de direita. Já o pelego neoliberal se parece antes com uma espécie de baluarte moral dos bons costumes identitários, mesmo que servindo igualmente à destruição do Estado social. Entretanto, o seu grau de civilidade é um engodo: a sua truculência o aproxima antes do fascismo – sabemos que o neoliberalismo e o fascismo andam juntos como galinhas no terreiro (com todo respeito às galinhas).
A estratégia evidente é prejudicar a imagem da USP – chega a ser mesmo uma sabotagem. Esse pelego neoliberal faz de conta que luta pela USP, mas, por trás, favorece o movimento da sua privatização – estão a serviço dos grandes senhores do mercado de ensino. Por fim, sabemos que o mercado neoliberal prioriza o ensino a distância, sem professores nem pesquisa, sem pensamento crítico nem potencial de transformação. Não é isso que desejamos à USP, ainda mais nessa conjuntura neoliberal hostil às artes, às ciências e à filosofia.
O momento não é de discórdia, mas sim de uma imprescindível união dos uspianos na defesa da universidade pública, gratuita, para todos e atuando em todas as áreas do conhecimento.
*Rubens Russomanno Ricciardi é professor titular do Departamento de Música da FFCLRP-USP.
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