Por PEDRO BENEDITO MACIEL NETO*
Assistir a “CPI do MST”, presidida pelo deputado gaúcho tenente-coronel Zucco e relatada pelo deputado Ricardo Salles, chega a dar náuseas
“ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (Paulo Freire).
Escrevo em homenagem à memória da paraibana Margarida Maria Alves, sindicalista e defensora dos direitos humanos, assassinada há quarenta anos com um tiro de espingarda calibre 12, no rosto, na frente de sua casa, em Alagoa Grande, Paraíba, a mando de latifundiários incomodados com a luta de Margarida, durante a ditadura.
Seu nome e sua história de luta inspiraram a Marcha das Margaridas que acontece desde 2000.
A CPI do MST
Assistir a “CPI do MST”, presidida pelo deputado gaúcho tenente-coronel Zucco e relatada pelo deputado paulistano Ricardo Salles, chega a dar náuseas.
Por quê? Bem, o tal tenente-coronel Zucco, por exemplo, tem seu mandato manchado pela lógica do trabalho escravo, pois, ele recebeu doação do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por manter trabalhadores em condições degradantes em Mato Grosso; Zucco também é apoiado pela Farsul, que minimizou trabalho escravo em vinícolas e quer punições mais brandas para trabalho infantil.
E a atuação de Ricardo Salles, relator da CPI, representa o que há de pior na política brasileira; ele é malcriado e debocha dos congressistas da esquerda, especialmente das mulheres, o que revela todo machismo, misoginia, racismo e homofobia.
Ricardo Salles é tão ruim que não serviu nem para o bolsonarismo; foi exonerado por Bolsonaro, após acusações de suposto envolvimento em esquema de exportação ilegal de madeira do Brasil para o exterior (talvez tenha esquecido a lógica da “rachadinha”).
Alguns registros históricos
Com a revolução francesa ocorreu a primeira grande reforma agrária que se tem notícia. Ela contemplou tanto a burguesia, quanto camponeses que adquiriram pequenas propriedades confiscadas da nobreza e do clero.
Nos EUA, a reforma agrária aconteceu ainda no século XIX, 1862, privilegiando a pequena propriedade rural.
No México, a reforma agrária aconteceu a partir de 1910, com a Revolução Mexicana, liderada por Emiliano Zapata e Pancho Villa, latifúndios foram divididos e oferecidos, a agricultores menores com cartas de crédito que permitiam a sua compra.
Mas no Brasil a reforma agrária é vista pela elite agrária e seus vassalos como “coisa de comunista”, apesar de o Estatuto da Terra, uma das primeiras leis elaboradas pela ditadura militar, declarar que o Estado tem a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha.
Ou seja, a história mostra que a construção de uma nação de verdade começa com a reforma agrária. Mas Zucco e Salles defendem o latifúndio, são contra a urgente revisão e redistribuição de terras no país, pois ela representaria maior democratização do acesso à terra e ao reconhecimento do valor social da terra.
Feita essa introdução passo à reflexão sobre o tema “criminalização dos movimentos sociais”.
Sobre a criminalização dos movimentos sociais
O país testemunha o processo de criminalização contra movimentos sociais e os militantes dos direitos humanos, com o objetivo de manter distante a revisão e redistribuição de terras no país. Frear essa criminalização é necessário, mas são será fácil, pois ela ocorre num momento de inflexão à ultradireita e de forma articulada com outras estratégias, tudo com cooptação e violência, com vistas a bloquear as lutas sociais por direitos.
As estruturas do Estado têm natureza conservadora e violenta; essa natureza colide com a natureza libertária dos movimentos sociais, imponto prisões, inquéritos policiais, ações criminais, ameaças, Comissões Parlamentares de Inquérito, tomadas de contas, fiscalização “dirigidas” por órgãos de fiscalização e controle como o Tribunal de Contas da União-TCU e a Controladoria Geral da União-CGU.
Além da violência institucional, há uma campanha de desmoralização e satanização dos movimentos sociais, priorizam-se as falas criminalizatórias e manipulam informações e fatos referentes às manifestações sociais, sem garantir-lhes um espaço de fala.
Mas e a constituição federal? Salles e Zucco dão de ombros à Constituição, eles são agentes da desigualdade social no campo e na sociedade brasileira, tendo como um dos seus pilares a concentração da terra e da renda, com 46% das terras nas mãos de 1% dos proprietários.
A CPI do MST está empenhada em desinformar a sociedade sobre o que é movimento social e no fortalecimento do modelo de desenvolvimento de cunho neoliberal, que é: socialmente excludente, concentrador de renda e ambientalmente predatório; um modelo que tem bloqueado o fim das desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais.
Salles e Zucco buscam criminalizar os movimentos sociais e, como membros do congresso e da CPI, praticam violência institucional na medida em que se utilizam de suas prerrogativas e funções para atribuir uma natureza essencialmente criminosa às manifestações sociais organizadas.
Eles por certo não ignoram que o movimento social é essencial ao processo civilizatório e ao aperfeiçoamento do Estado de Direito; eles também sabem que os movimentos orientam-se pela erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais, que são objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 3º da Constituição de 1988; eles sabem que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já declarou que a criminalização do MST é violação de direitos humanos, mas nada disso importa, pois eles precisam dar satisfação aos seus financiadores.
A criminalização do MST avança no Brasil com apoio, por exemplo, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – CNA, que financia eventos de associações da magistratura e ministério público. Ou seja, usa seu poder econômico e consequente prestígio social, para influenciar o judiciário e o ministério público.
Os Movimentos Sociais garantem o necessário aperfeiçoamento de toda a institucionalidade e a sua criminalização interessa apenas àqueles que não tem compromisso com a nação.
*Pedro Benedito Maciel Neto é advogado e mestre em processo civil pela PUC SP. Autor de Reflexões sobre o estudo do direito (ed. Komedi).
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