A troca linguística

Eduardo Berliner, Aparição (Manifestation), 2016.
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por DIEGO MINUCELLI GARCIA*

A língua deve ser estudada enquanto em uso e está aberta às interferências sociais e políticas presentes na sociedade

Durante a exposição intitulada The schizophrenic cogito: a deleuze-guattarian concept of discourse, que ocorreu na conferência Anonymity, Un-Originality, Collectivity – Contested Modes of Authorship, na Alemanha, neste ano de 2022, Alexandre de Lima Castro Tranjan, com base nas premissas nietzschianas, afirmou que a língua é uma relação de poder. Isso ocorre porque o ato de nomear é uma expressão de poder sobre as coisas.

Em continuação, Tranjan, apoiado nos filósofos Félix Guattari e Gilles Deleuze, trata das múltiplas vozes que compõem o discurso, as quais permitem reconhecer os discursos como blocos de construção da mente. A essa percepção da pluralidade dos discursos dos indivíduos, Félix Guattari deu o nome de cogito esquizofrênico.

A diversidade de discursos que compõe cada indivíduo leva a duas consequências: (i) a primeira delas considera que o indivíduo é necessariamente uma montagem política; (ii) a segunda estabelece, como dito, que discurso é uma relação de poder e, portanto, a linguística é necessariamente política.

Assim, Tranjan afirma que, com base nesses preceitos, uma das conclusões de Guattari (a que se quer dar destaque neste artigo) é a de que, quando se pensa em língua, pensa-se em sociolinguística, na medida em que língua não é simplesmente baseada em proposições, mas baseada em discursos que são políticos.

Na teoria linguística, a esse respeito, pode-se recorrer ao consagrado sociolinguista William Labov, considerado o fundador da sociolinguística de vertente variacionista. O autor, no capítulo O estudo da língua em seu contexto social do livro Padrões sociolinguísticos,[i] afirma que a língua é uma forma de comportamento social e se desenvolve num contexto social no momento em que os seres humanos comunicam suas necessidades, ideias e emoções uns aos outros. Nesse sentido, o simples fato de haver interação entre as pessoas, é suficiente para desencadear uma troca linguística que acarreta interferências comunicativas em cada indivíduo. Essa troca se dá em âmbito social, mas reflete, inclusive, nos aspectos políticos, como defendido pelo filósofo Félix Guattari, de acordo com a exposição de Tranjan.

Entretanto, há dissenso na teoria linguística e, desse modo, há autores que não enxergam a interferência dos aspectos sociais e políticos com tanta clareza e obviedade quanto exposto por Tranjan. É o caso, por exemplo, da corrente gerativista, encabeçada por Noam Chomsky.

Chomsky, de acordo com Labov (2008), deu impulso às pesquisas da língua abstrata, entendendo que a linguística é o estudo da competência e concebendo no objeto real do estudo linguístico “uma comunidade de fala abstrata, homogênea, em que todo mundo fala igual e aprende a língua instantaneamente” (p. 218). A partir desse entendimento, a linguística não considera o comportamento social ou o estudo da fala (língua em uso propriamente).

Apesar das diversas pesquisas gerativistas desenvolvidas por diferentes autores, este pesquisador que vos escreve se filia às abordagens funcionalistas, as quais corroboram, fundamentalmente, a ideia de que a língua deve ser estudada enquanto em uso e, portanto, está aberta às interferências sociais e políticas presentes na sociedade. Aos funcionalistas, de modo geral, também está ligada a sociolinguística, o que permite, desse modo, confirmar a exposição de Tranjan.

*Diego Minucelli Garcia é doutor em estudos linguísticos pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

 

Nota


[i] LABOV, W. O estudo da língua em seu contexto social. In: LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. Trad. M. Bagno et al. São Paulo: Parábola, 2008, p. 215-299.

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES